quinta-feira, 6 de março de 2008

Especial Orkut - Um imenso Big Brother

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Um imenso Big Brother
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Vitor Nuzzi
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“Você pode achar amigos que não vê há muitos anos, pode participar de debates interessantes, pode encontrar qualquer tipo de comunidade – que representam a personalidade de cada usuário. E, se não achar, pode criar.”

“Acho uma bobagem sem tamanho. Ninguém lá diz direito a verdade. E se generalizo é porque há, sempre há, exceções. Mas tem outro lado: não existiria o meu encontro de 25 anos de formatura do ginásio sem o Orkut.”

Parada difícil. Muito mais do que imaginar qual será a próxima taxa básica de juros ou palpitar sobre a Copa do Mundo que começa daqui a quatro meses. Aqui, trata-se de falar o que eu acho do Orkut. Por isso, comecei recorrendo a amigos, cujas opiniões abrem este texto.

Só no Google a comunidade Orkut reúne aproximadamente 6,5 milhões de pessoas, e aproximadamente 3/4 são brasileiros. Em julho de 2005, o repórter Sérgio Dávila, da Folha de S. Paulo, entrevistou o pai da criança – ou, para alguns, o inimigo público número 1. É o turco Orkut Buyukkokten, engenheiro com pós-doutorado em Ciência da Computação, que completará 30 anos neste dia 6 de fevereiro. Parabéns para ele, que diz não ter a menor idéia das razões que fizeram o Orkut se tornar um fenômeno verde-amarelo. “Talvez seja cultural, tenha a ver com a personalidade de vocês, que são conhecidos como um povo amigável”, arriscou.

Mas nem ele escapou das ironias orkutianas. Contou ao repórter que recebe várias mensagens de brasileiros, lamentando que não entenda o idioma. Aproveitou para perguntar sobre uma mensagem que estava na tela. Era alguém xingando-o de “filho da puta”. O repórter avisou, educado: “Um palavrão que envolve a reputação de sua mãe”. Desapontado, Orkut passou à mensagem seguinte. Era alguém perguntando se ele era parente de um personagem do programa A Praça é Nossa. Depois dessa, ele achou melhor mudar de assunto. Talvez tenha achado que os brasileiros, afinal, são amigáveis demais.

Bom, o Orkut é isso. Se você reunir dez pessoas em uma sala, algumas falarão coisas razoavelmente interessantes, outras certamente falarão bobagens e mais outras não dirão A nem B, muito pelo contrário. Imagine reunir 6,5 milhões. O potencial de coisas interessantes e de bobagens se multiplica. As pessoas não são assim?

Durante dois anos, recebi vários convites para entrar no Orkut. Só resolvi aderir no final de outubro. Portanto, a minha vivência resume-se a quatro meses. Tenho 96 amigos – sendo 14 fãs, quem poderia imaginar? – e recebi 149 scraps até o final de janeiro. Uma média modestíssima, pelo que percebo. Humilhado, constato que alguns dos meus parceiros têm centenas de amigos e recebem milhares de mensagens. Alguns falam em linguagem incompreensível para os códigos que aprendi ao longo da vida. Fui chamado a participar de comunidades tão diversas quanto a de ex-funcionários de um jornal onde trabalhei durante dez anos, da faculdade onde estudei, do Geraldo Vandré, de literatura em língua portuguesa e de rock´n´roll.

Já participei de belas discussões sobre o Vandré, tema de um artigo neste mesmo Digestivo. Gente informada, que gosta de trocar idéias. Até me aventurei a falar de rock, área em que praticamente parei nos anos 70. Mas uma grande amiga já me chamou a atenção para um outro aspecto do Orkut: o que eu passei a chamar do povo-que-não-está-nem-aí-mas-mesmo-assim-fala-sem-parar.

A questão era simples. Alguém retomou a brincadeira do stop e propôs que os participantes listassem o nome de dez ex-presidentes da República. (Atenção, preparem as suas listas.) Fui lá ver. O primeiro respondeu: pô, essa é muito difícil. Três escreveram: passo. Teve uma que ainda quis mudar a pergunta para “os cinco melhores presidentes”, e ainda por cima mandou ver um Médici, alegando que era o nome de que ela lembrava. Aflição total. Fiz a minha lista, tão básica, com Vargas, Juscelino, Jânio, Jango... Mas ficou a clássica pulga atrás da orelha. Essa moçada não conhece a história recente do Brasil?

Estou lendo aqui mesmo vários relatos sobre orkuticídios. E me inclino a pensar que o Orkut não é um mal em si. Volto à questão das dez pessoas na sala. O risco de ouvir bobagem sempre é grande, mas isso vale para qualquer situação de sua vida. E há situações que você não pode evitar. Na internet, você entra se quiser. É como na sua casa, na qual as pessoas escolhem quem receber. Basta você não deixar entrar, embora pareça antipático. E há os que estão ali para se exibir, é claro. Nessas horas, o Orkut vira um imenso Big Brother, para nosso infortúnio. Só que você ainda pode mudar o canal ou simplesmente desligar.

Mas não se pode ver o Orkut como um desfile de idiotas narcisistas. O Orkut pode ser uma bela ferramenta de busca de conhecimento e para satisfazer curiosidades. Tem de tudo lá dentro, como tem de tudo na vida e no mundo. E é claro que nenhum tipo de parafernália virtual pode substituir o mundo e a vida. O melhor contato continuará sendo aquele que inclui o abraço, a palavra falada, o olho-no-olho e a risada. A voz do melhor amigo e o beijo da namorada.

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Vitor Nuzzi
Rio de Janeiro, 6/2/2006
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in Digestivo Cultural
Segunda-feira, 6/2/2006
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