segunda-feira, 10 de março de 2008

É menino ou menina?

* Teresa Pinto
"Esta é, de facto, a primeira pergunta que se faz, quando se toma conhecimento do nascimento de uma criança, como se o seu sexo nos permitisse organizar todas as percepções e avaliações do seu comportamento, daí em diante." Assim se inicia a dissertação de doutoramento em Ciências da Educação, defendida por Cristina Vieira na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra. Este trabalho de investigação, que se encontra disponível para consulta no Centro de Documentação da CIDM, intitula-se Educação e desenvolvimento do género. Os trilhos percorridos na família e dedica particular atenção à educação familiar e à influência desta sobre o desenvolvimento das diferentes dimensões do género nas crianças e jovens, contribuindo para uma melhor compreensão das implicações das diferenças sexuais para a educação que os indivíduos recebem ao longo da vida. Optando pela "realização de um estudo não experimental", a autora clarifica que o "objectivo principal foi o de estudar, não as práticas educativas, em função do género, mas, sim, as opiniões de pais e filhos a respeito das mesmas"(p.15), ou seja as opiniões sobre a educação considerada adequada para as raparigas e os rapazes.
O trabalho organiza-se em duas partes. A primeira é dedicada à discussão teórica sobre a importância da variável género no desenvolvimento individual e na educação do homem e da mulher. Após algumas reflexões de natureza histórica, são abordadas as diferentes perspectivas teóricas sobre a formação do género, os sistemas de crenças a este associadas e a possível influência da educação ministrada na família sobre os comportamentos de género. Na segunda parte são apresentadas as duas fases da investigação empírica desenvolvida: um estudo piloto que permitiu, não só aferir os instrumentos de recolha de dados, mas também averiguar o grau de aceitação deste tipo de trabalho junto dos interlocutores privilegiados – escolas, discentes e respectivos/as progenitores/as; o estudo definitivo, o qual incidiu sobre um universo de 597 indivíduos da região de Coimbra, dos quais 28% são pais, 35,2% são mães, 22,1% são filhas e 14,7% são filhos.
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O estudo empírico conduziu a um conjunto de conclusões, das quais destacamos: os homens (pais e filhos) emitem opiniões mais tradicionais a respeito da educação para os papéis de género do que as mulheres (mães e filhas); numa análise comparativa inter-geracional, apesar de não terem sido verificadas diferenças estatisticamente significativas entre as respostas de pais/mães e a de filhas/filhos, observou-se, todavia, que, dos quatro grupos familiares considerados, o dos rapazes constituiu o grupo mais conservador; o cruzamento com variáveis sociodemográficas permitiu constatar que os pais e as mães residentes em meio urbano, com maior nível de escolaridade e com uma situação socioeconómica mais favorável exibem opiniões mais flexíveis sobre a educação de rapazes e de raparigas, ou seja, menos marcadas pela divisão rígida de tarefas consoante o sexo; também "os pais (pai e mãe) que desempenham uma profissão manifestaram-se menos conservadores do que os que o não fazem e as famílias (pai e mãe) onde a mãe desempenha uma função remunerada, fora de casa, mostraram-se mais liberais do que aquelas onde a mulher não tem um papel activo no mundo do trabalho" (p.463); relativamente ao universo dos filhos e filhas, embora não se tenham encontrado diferenças significativas de opinião associadas ao local de residência, o nível socioeconómico e a composição da fratria mostraram influir nas ideias dos e das adolescentes acerca da divisão das tarefas, sendo que, por exemplo, se revelaram "mais conservadores os rapazes só com irmãos, seguidos das raparigas só com irmãs"(p.464) e mais liberais as e os jovens pertencentes a fratrias compostas por irmãos de ambos os sexos; distintamente do que sucede no grupo de pais/mães, não foram detectadas diferenças expressivas entre as opiniões dos filhos/filhas que tinham uma mãe profissionalmente activa e aqueles em que isso não acontecia; a análise dos valores defendidos pelas pessoas regista que os homens atribuíram maior importância a valores centrados no indivíduo e na sua competência pessoal, enquanto que as mulheres "destacam pelo menos um valor centrado na sociedade – o mundo de paz" (p. 474) e valorizam mais as relações interpessoais. Não ficou aqui esgotada a totalidade das interessantes conclusões apresentadas por este estudo, cuja leitura se afigura obrigatória para uma melhor compreensão da temática em questão. Não podemos, porém, deixar de referir que a autora apresenta, ainda, um conjunto de reflexões sobre as implicações teóricas e práticas dos resultados desta investigação para a educação em contexto familiar ou escolar, sugerindo algumas orientações pedagógicas a ter em conta nas escolas e na formação de agente educativos, com destaque para encarregados/as de educação, e aludindo, entre outros, aos instrumentos pedagógicos produzidos pela CIDM no âmbito do projecto Coeducação.

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