segunda-feira, 10 de março de 2008

Relações Sociais de Sexo e Segregação do Emprego

* Teresa Pinto

Relações Sociais de Sexo e Segregação do Emprego: Uma Análise da Feminização dos Escritórios em Portugal é o título da dissertação de doutoramento em Sociologia apresentada por Virgínia Ferreira à Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e disponível para consulta no Centro de Documentação da CIDM. Assumindo-se como uma pesquisa de orientação transdisciplinar, este estudo define como campo de pesquisa um sector pouco estudado em Portugal, o dos Escritórios, no qual trabalho e emprego parecem oferecer condições ideais para a inserção das mulheres na actividade económica, apesar de ser dos sectores mais atingidos pela informatização. A autora pretende, como preocupação de fundo, esclarecer as relações entre desqualificação, feminização e informatização do trabalho e do emprego, procurando "redefinir os termos em que as oportunidades de trabalho e de emprego para as mulheres e para os homens se estruturam nos escritórios e como é que umas e outros as percepcionam, face às profundas transformações associadas à revolução tecnológica em curso" (p.11).
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O trabalho organiza-se em três partes, sendo as duas primeiras de discussão teórica: definição dos sexos enquanto colectivos sociais e, neste processo, o lugar conferido à maternidade; principais correntes sociológicas e económicas que têm procurado analisar as posições que "as mulheres e os homens ocupam na divisão sexual do trabalho e na segregação sexual dos mercados de trabalho nos escritórios" (p.20). A terceira parte apresenta os resultados do estudo empírico, o qual incidiu sobre o processo de crescimento, feminização e informatização dos escritórios em Portugal, no período compreendido entre 1940 e 1998, analisando factores determinantes da maior ou menor facilidade de adaptação ao trabalho com as tecnologias de informação e comunicação, como sendo "a situação do mercado de emprego, o nível de desenvolvimento tecnológico e sócio-económico e as normas referentes ao trabalho e às competências técnicas das mulheres e dos homens" (p.650). Os dois primeiros factores foram abordados com base em informação quantitativa, enquanto que o terceiro foi tratado a partir de informação de carácter qualitativo, resultante de entrevistas, a partir da qual foi analisado "o modo como os processos sociais que estruturam as relações sociais de sexo são apresentadas ao nível dos discursos de mulheres e de homens que trabalham, ou aspiram a trabalhar, em escritórios" (p.895).
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Na impossibilidade de referir neste texto toda a mais valia desta imensa investigação, não quisemos, porém deixar de apresentar algumas das suas conclusões. O estudo mostrou que, em comparação com o emprego global, o emprego nos escritórios tem acusado um maior crescimento – "entre 1940 e 1991, o número de empregados de escritório aumentou em Portugal mais de 700%" (p.659) –, tem-se "complexificado e qualificado em maior grau e tem-se feminizado mais rapidamente" (p.727). Especialmente desde 1991, o computador tornou-se símbolo do novo local de trabalho e a sua utilização já não distingue categorias profissionais no escritório. Saber como utilizar a informática passou a ser um requisito básico de acesso ao emprego, todavia, a análise estatística "demonstrou que os efeitos da segregação do emprego nos escritórios fazem com que as mulheres sejam integradas por via das qualificações, numa lógica credencialista (das habilitações escolares), mas, ao mesmo tempo, sejam mantidas em lugares subalternos (…) numa lógica de subversão desse mesmo credencialismo" (p.1035). Assim, se as mulheres surgem como as principais beneficiárias do crescimento do emprego nos escritórios, apesar da intensificação da informatização, as crescentes oportunidades de emprego que se lhes oferecem continuam especialmente limitadas a profissões e categorias profissionais já muito feminizadas. Assiste-se a um processo claro de guetização no seio de algumas das profissões nos escritórios, resultante da especialização das mulheres em algumas das funções que as compõem, mesmo em categorias mais qualificadas, como é o caso dos/as contabilistas, situação que a autora atribui ao processo de rotinização que o trabalho contabilístico conheceu com a informatização. A análise revela também a ressegregação da profissão das/os escriturárias/os, caracterizada por acentuada sobrefeminização, precarização do emprego e degradação do estatuto remuneratório. Deste modo, "os homens emergem, claramente, como principais beneficiários da complexificação das estruturas do emprego e da divisão sexual e técnica do trabalho nos escritórios" (p.888).
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Sublinhe-se, todavia, que sendo o escritório um espaço de trabalho sexualmente segregado, as razões desta segregação não podem ser atribuídas às características objectivas das mulheres que nelas trabalham, pois estas não são menos qualificadas que os seus colegas de trabalho do sexo masculino. Verificou?se, assim, que uma vez empregadas, ao contrário do que sucede com os homens, não lhes são disponibilizadas pelas próprias organizações meios para desenvolver o seu domínio das TIC, pelo que são obrigadas a recorrer mais frequentemente aos seus próprios meios para obter as novas competências em informática. Concomitantemente, apesar de as mulheres se incluírem cada vez mais na categoria de utilizadoras e consumidoras de TIC, constatou-se o recuo das taxas de feminização de algumas das profissões a elas associadas e a sua presença permanece diminuta nas profissões ligadas ao campo informático. "A análise das auto e hetero-representações de ambos os sexos põe em evidência que às mulheres são negadas competências no campo da informática, excepção feita para o trabalho minucioso de introduzir dados"(p.1019) e, no entender da autora, é a valorização da família (e consequente prioridade conferida à articulação da actividade profissional com as responsabilidades familiares) que alimenta a ambivalência do estereótipo feminino na sua dimensão profissional. Embora se tenha verificado que a informatização não excluiu as mulheres do emprego, a informática em si não se constituiu num novo campo de oportunidades para as mulheres, pois estas não lograram conquistar espaços novos de qualificação de forma significativa.
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A autora conclui que "o carácter inovador das TIC não funcionou como suporte à ruptura com as linhas convencionais de diferenciação entre os sexos [e] (…) o muito que as mulheres têm feito para mudar as suas condições de integração no mercado de trabalho, adquirindo qualificações e habilitações escolares e dando maior continuidade à sua actividade profissional, não é suficiente para mudar as estruturas sociais." (p.1038-39) Sublinhe-se, para além do contributo de natureza empírica desta dissertação, o fecundo debate teórico que proporciona a quem investiga na área dos estudos sobre as mulheres. A autora deixa, ainda, um alerta no sentido da imprescindibilidade de se ter em conta o carácter não-negociável que as mulheres atribuem à maternidade na configuração das políticas de combate às desigualdades nas relações sociais de sexo.
Teresa Pinto
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