sexta-feira, 16 de maio de 2008

25 de Abril - «olhares» - «entrevistas» - «verdades» (15)

Tenente General Alves Ribeiro


P: Encontrava-se em Luanda na altura do 28 de Setembro ? R: Sim. Era o Chefe da Repartição de Informações do Comando Operacional de Luanda (COPLAD).

P: Julgo haver uma relação entre o sucedido em Lisboa nessa data e o processo de descolonização de Angola. Quer comentar ? R: Havia muita gente a interrogar-se quanto ao que se seguiria, em Angola, após o 28 de Setembro, no caso de sucesso. Havia a convicção de que o desmoronar de Angola poderia ser sustado, se de lá saíssem os elementos que, deliberadamente, provocavam o caos.

P: Continuou em Angola depois disso?

R: Sim. Mais algum tempo, nas mesmas funções. Depois, a Comissão Coordenadora do MFA e o Almirante Rosa Coutinho pediram o meu regresso, a Lisboa, o do Major Monteiro Pereira, actual Comandante Geral da PSP, e ainda do Ten-Coronel Carvalho Pires, com a acusação de atrasar o processo de descolonização, pedido a que o então CEME, General graduado Carlos Fabião não acedeu, tendo em vista que, se não servíamos em Angola, com o curriculum que possuíamos, então, também não servíamos em Portugal.

Como referi, eu estava nas Informações do COPLAD e aqueles oficiais comandavam cerca de 18 companhias, das 24 existentes na zona de Luanda (companhias que obedeciam aos respectivos comandantes).

Entretanto, de imediato, alguns oficiais (e não poucos) foram exonerados das suas funções, como o Ten-Coronel Cav.ª Silva Reis (Preboste - Chefia da Polícia Militar) e o Ten-Coronel Cav.ª Pádua Valente, que anteriormente já havia sido exonerado, em favor do primeiro. Igualmente, o Brigadeiro Nave foi mandado regressar ao continente e muitos outros, de que tenho dificuldade em recordar os nomes.

P: Quer dizer que o processo de mandar oficiais para Lisboa, já ocorria antes do 28 de Setembro...

R: O Almirante Rosa Coutinho e o seu adjunto, Major Eng.ª José Emílio da Silva, acolitados pela Comissão Coordenadora do MFA, em Angola, fizeram muitos atropelos.(2)

Um outro oficial corrido foi o Capitão Cav.ª, na reserva e fora do serviço, José Maria Mendonça Júnior, acusado de pertencer à FRA. Lembro-me de que o Almirante Rosa Coutinho mandou o Coronel Rocha Pinto, Comandante de um Batalhão de Cavalaria, sediado em Catete e acumulando com as funções de Comandante do COPLAD, prender o Capitão Mendonça Júnior, o que não fez. Disse: Amanhã, às 9H00, estás no aeroporto, para embarcares para Lisboa, por ordem do Presidente da Junta Governativa. Tenho ordem para te prender mas não o faço. De facto, ele embarcou, como combinara com o Comandante do COPLAD.

A noite angolana dos facas longas

P: O então Major Pinho Bandeira também foi preso ?

R: Sim. Foi naquela célebre noite dos facas longas, creio que em 23 de Outubro. Além dele, prenderam, também, o Major Inf.ª Sérgio Carvalhais, que era o Comandante da Casa de Reclusão de Luanda e muitos outros. Foram agarrados por alferes milicianos médicos e do SAM, à paisana, e transportados em jeeps da Polícia Militar, para o Palácio do Governador, onde passaram a ser interrogados pelo Majores José Emílio da Silva e Pezarat Correia, além de outros, da Coordenadora do MFA. Depois, foram levados, por fuzileiros, para o quartel da Marinha, na Ilha de Luanda.

Nesses interrogatórios até houve uma cena, em que o Major Carvalhais pediu um cigarro e o Major Pezarat Correia afirmou: Não podes fumar, pois agora és prisioneiro de guerra.

O ambiente era tenso e veja o ridículo, pois numa sala ao lado daquela, onde isto se passava (e na qual também se encontrava o Major Pinho Bandeira dos Comandos), estava o General Altino Magalhães e o então Major Cerqueira Rocha, Chefe do Estado Maior do COPLAD e actual CEME e o Coronel Correia Dinis, Comandante do COPLAD e do Centro de Instrução de Comandos (CIC), além de outros, numa situação de detenção, sem o saberem !! Encontravam-se lá, nessa sala, todos os Comandantes das Unidades de Luanda e o Almirante Rosa Coutinho, cerca das 05H45, disse-lhes: Os senhores têm estado aqui detidos ... .

Referiu também que já tinham sido presos os tipos da FRA (civis). Apenas a essa hora, é que deixou sair os oficiais anteriormente referidos... Estiveram assim, naquela situação, sob vigilância superior, durante toda a noite... A ver se havia cumplicidade de militares na inventona...

P: O que tem a referir sobre o procedimento do Major José Emílio da Silva ?

R: Em Maio ou Junho de 1975, o Major José Emílio da Silva encontrou-me nas instalações do que é agora o IDN e dirigiu-se a mim, dizendo: Meu Ten- Coronel, o senhor, em Angola, dizia que eu era do MPLA. Eu apenas fiz o jogo do MPLA por duas vezes. Na Chana (Leste de Angola), aquando do primeiro encontro com Agostinho Neto e nos Acordos do Alvor."

Os anos passaram e, quando estava a fazer o Curso de Altos Estudos, em 1991, apareceu-me um brigadeiro, que não conhecia, chamado Moreira Otero, que me disse: Venho ouvi-lo num processo, em que está a ser apreciado o Major Emílio da Silva, para se concluir se ele poderá ser ou não promovido. Perguntei: Mas porquê eu?. Resposta: Na Direcção da Arma de Engenharia disseram-me que o senhor é que sabe de "coisas" sucedidas em Angola, com ele.

Disse-lhe tudo o que sabia, com naturais subjectividades, e acrescentei: Tem muito mais gente que conhece o seu procedimento, como os Generais Leão Correia, Altino Magalhães e Cerqueira Rocha, o Coronel Carvalhais, o Coronel Bandeira....

Disse ele: Por exemplo, esse Coronel Pinho Bandeira disse-me: “O que lá vai, lá vai, esquece”...

P: Quem eram os Comandantes de Batalhão da área de Luanda ?

R: O então Major Monteiro Pereira tinha o seu Batalhão de Cav.ª 8322 reforçado com 3 ou 4 companhias, totalizando 6 ou 7. O comandante deste Batalhão tinha sido o Ten-Coronel Cav.ª Ribeiro Simões que, por ser nomeado pelo Palácio, no dia 25 de Abril, para uma comissão ad-hoc para a Universidade de Luanda, deixou de o comandar, quando se encontrava em Zemba, no Norte de Angola.

O comandante do outro Batalhão, do COPLAD, tinha sido o Major Inf.ª, Martins Vicente, já falecido. Quando terminou a sua comissão, foi substituído pelo Major Art.ª Carvalho Pires. O referido comando teria ainda, no seu efectivo mais cerca de 7 ou 8 companhias.

P: Na altura, apareceu uma lista de oficiais (16 ?) para serem mandados para Lisboa, o que não se chegou a concretizar?

R: Falou-se muito em listas de oficiais, que deveriam regressar a Portugal, por atrasarem o processo de descolonização e que teriam origem na Comissão Coordenadora do MFA. De facto a muitos oficiais foi dada por finda a comissão e obrigados a regressar à metrópole.

A aliança MPLA / MFA

P: Os referidos acontecimentos, a pretexto de aniquilar a FRA, segundo uma cronologia publicada, ocorreram a 23 de Outubro de 1974. Quem estava no comando do COPLAD ?

R: Era o Coronel Cmd Correia Dinis, (3) que substituíra o Ten-Coronel Rocha Pinto, ambos já falecidos. O Coronel Correia Dinis, por terminar a comissão, foi, depois, substituído pelo actual Brigadeiro Pára-quedista Heitor Almendra, em finais de Outubro ou princípios de Novembro.

Com a saída do Coronel Correia Dinis, o CIC passou a ser comandado pelo Capitão Cmd Manuel Teixeira Gil, o que implicou a sua graduação em major.(4) Este oficial era afecto do Palácio e à Coordenadora do MFA, o que, naturalmente, não foi do agrado do COPLAD.

Durante o comando do Coronel Correia Dinis, no COPLAD, em acumulação com o do CIC, sucederam alguns factos pouco divulgados. Por exemplo, após o assalto ao Comando Militar de Cabinda, levado a efeito pelo MPLA e pelo Batalhão de Art.ª (da Paz), comandado pelo Ten-Coronel Oliveira (o 2.º comandante era o Major Folhadela) terá havido a intenção de fazer o mesmo, no Comando da Região Militar de Angola (RMA), onde se encontrava o COPLAD (5). Sem segurança efectiva, a ocupação dos edifícios e a neutralização dos militares, que integravam este comando, seria facílima.

O COPLAD possuía um agente infiltrado no MPLA que o avisou, em tempo: Esta noite pode acontecer outra Cabinda... mas, aqui, em Luanda... A Unidade de confiança é o Esquadrão dos Dragões de Luanda, afecto ao MPLA, “Palácio” e MFA, através do seu comandante, Capitão Luís Banazol... O COPLAD pôs todas as forças na rua, com todo o material anticarro disponível, a título preventivo... Isto ocorreu cerca das 18H00, sem que fosse comunicado, ao Palácio, os motivos de tal aparato militar, tendo-se ocupado os centros nevrálgicos de Luanda. Tal, porém, não impediu que, no noticiário das 20H00, a Rádio Oficial de Angola fizesse a transmissão de comunicados do Palácio, avocando o comando de toda a operação, porque forças ocultas, decerto a FRA, estariam para lançar um golpe independentista. Choveram telefonemas para o Comando a denunciar brancos, instalações de brancos com armas, etc.

Creio que, com esta actuação do COPLAD, em Luanda, o Palácio, o MPLA e o MFA terão desistido de fazer uma nova Cabinda. Mas nunca desistiram do apoio ao MPLA e de lançarem a confusão em Luanda, como, ao longo desta entrevista, se irá verificando.

P: Quando ocorreram esses acontecimentos ?

R: Em princípios de Novembro. Começou a ouvir-se a Rádio Oficial de Luanda, que era superintendida por uma comissão ad hoc para a Rádio e Imprensa, nomeada pela Junta Governativa e constituída pelo Coronel de Transmissões Pedroso de Lima e pelo Capitão Mil.º Cav.ª Vicente Batalha, Chefe da Secção de Fotocine da RMA. Foi esta comissão que permitiu que a referida Rádio incentivasse a população dos muceques, no sentido de avançarem para o asfalto, trazendo catanas e tudo quanto fosse mortífero, e saqueassem e incendiassem tanto quanto pudessem, de modo a expulsarem os brancos...

Os saneamentos de Rosa Coutinho

P: Rosa Coutinho diz que apoiava igualmente os três movimentos....(6)

R: É mentira. Ele apenas favorecia o MPLA. Eu saí de Angola em 17 de Dezembro de 1974 e ainda a UNITA não tinha entrado oficialmente em Luanda. No entanto, a FNLA já lá se encontrava...

O COPLAD havia conseguido apanhar o contacto da FNLA em Luanda com Kinshasa. O código dele era Ginguba (7) está semeada, sendo funcionário da Câmara Municipal de Luanda. Foi feita uma busca à casa, onde residia, tendo sido apreendidas três pistolas Browning de 9mm, do Exército zairense, como constava da gravação de fábrica. A partir daqui foi possível trazer a FNLA para Luanda, facto que o Almirante Rosa Coutinho nunca perdoou ao COPLAD. Terá sido por isso que o actual CEME, então Major Cerqueira Rocha, foi submetido a pressões, sendo uma delas o ter estado retido no Palácio...

O Almirante e o MFA receavam as tropas do COPLAD pois, tanto as que estavam sob o comando do então Major Monteiro Pereira, como do Major Carvalho Pires, eram operacionais, não tinham sido subvertidas e obedeciam aos chefes.

P: Então Rosa Coutinho acabou por mandar embora os oficiais que não lhe agradavam?

R: Sim. No entanto, nem todos. Os então Majores Monteiro Pereira e Carvalho Pires e eu, estávamos indicados pelos Conselhos das Armas, realizados em Portugal, para sermos promovidos por escolha. Assim, o Almirante Rosa Coutinho e o então Major Pezarat Correia, perante a resposta do General graduado Fabião, acabaram por fazer marcha atrás.

Em dia, de que não me recordo, o Almirante chamou-nos ao Palácio às 12H30 e, para além de tentar justificar o pedido que havia feito ao Comando do Exército, para o nosso regresso a Portugal, manteve a conversa até cerca das 14H00. Disse-nos que estava a entregar tudo ao MPLA, por ser o único partido progressista de Angola. Afirmámos que ele não devia fazer isso, porque além do MPLA, existiam mais dois partidos, até com maior força do que aquele. Estes, sentindo-se marginalizados, decerto recorreriam à guerra entre eles.

Foi durante esta conversa que um oficial da Marinha do Palácio comunicou, ao Almirante, na nossa presença, que o Navio já saiu de Roterdão (ou Amsterdão ?) e a Loyd' s havia cobrado 27.000 contos de seguro. Soube-se, depois, que este barco foi oferecido ao MPLA e com ele se fez o transporte de cubanos, a partir do Congo Brazaville para Angola, logo em 1974 (8).

Para ver como o Almirante Rosa Coutinho apoiava o MPLA (este é outro caso muito pouco conhecido) em desfavor da FNLA, já presente em Luanda, foi o facto de, num dia, em data que não me recordo, a partir das 16H00 e até às 24H00, ter dado ordem telefónica, por cinco vezes, ao Coronel Correia Dinis (que recusou cumprir) para que o COPLAD mandasse assaltar e destruir a sede da FNLA, na Avenida do Brasil, em Luanda. À quinta vez, além de se recusar cumprir, aquele oficial propôs que se fizesse uma reunião com todos os Comandantes de Luanda. Assim, realizou-se esse meeting no Palácio, que durou até às 2 horas da madrugada, não se chegando a consenso e pondo-se de parte a hipótese de qualquer ataque, das forças do COPLAD, às instalações do FLNA, em Luanda (9).

Raptos e as redes de informação

Desejo também referir que se consumaram, pelo menos, dois raptos, por indicação do MPLA, feitos, segundo constou na altura, pelos fuzileiros à ordem do Almirante Rosa Coutinho. Um deles foi um indivíduo chamado Pompílio, incómodo para o MPLA.

Um outro foi um advogado da Madeira, que tinha ido para Angola em 1962, com a Companhia de Caçadores 260, do então Capitão Cardoso Fontão e que conhecera o Major Cerqueira Rocha, no liceu do Funchal. Tal ocorrera muitos anos antes, quando o pai deste oficial fora comandante do Regimento de Infantaria da capital da Madeira.

Na véspera do dia em que o Almirante Rosa Coutinho mandou prender os oficiais (23 de Outubro), esse advogado, que antes nunca tinha contactado com o então Major Cerqueira Rocha, telefonou para o seu gabinete e disse-lhe: Atenção, que amanhã vai ser a “noite dos facas longas”. O que de facto se verificou.

Só que a escuta telefónica estava montada e, a partir do dia seguinte, o actual Chefe do EME foi dado como pertencente ou simpatizante da FRA. Assim, daí em diante, passaram a estar, em permanência, no Comando Operacional de Luanda, por ordem do Almirante Rosa Coutinho e da Coordenadora do MFA, os então Capitães Moreira Dias (Cav.ª) e Fonseca de Almeida (SAM). Ou estavam na Repartição de Informações, até lhes ser proibida a permanência, ou no gabinete do CEM/COPLAD, a assistir a tudo o que ali se passava.

Em Luanda, as informações da PIM - Polícia de Informação Militar - e a CHERET trabalhavam através de dois canais. Um era o do então Major Rebelo Marques, mais ligado ao COPLAD e outro o do então Major Rodrigues Trovão, que apenas trabalhava para o Palácio e, naturalmente, para a Coordenadora do MFA.

Através do Major Rebelo Marques , o COPLAD teve conhecimento de que o referido advogado madeirense fora sequestrado pelos fuzileiros do Palácio. Ao comunicar tal facto ao então Major Cerqueira Rocha, no seu gabinete e estando presentes os Capitães Moreira Dias e Fonseca de Almeida, disse o primeiro: Ah! é isso, vocês também conhecem e “dessa maneira”, esse fulano... Então, aqui já não faço nada. Acabou assim a vigilância ao COPLAD. Mas o Major Cerqueira Rocha não se livrou de um odiento e inusitado processo de averiguações, que lhe foi movido.

Actuação do Batalhão de Cavalaria n.º 8322

P: Analisemos a actuação do referido Batalhão de Cav.ª 8322 que, em Agosto de 1974, se deslocou do Norte para a zona da estrada de Catete e aeroporto de Luanda, comandado pelo então Major Monteiro Pereira. Como decorriam a relações desse Batalhão, instalado no RI Luanda, com o MFA local?

R: Um dos homens que fazia a designada dinamização junto das tropas era o Capitão Solano de Almeida, ex-aluno do Colégio Militar, que veio a exercer o cargo de Presidente da Câmara de Luanda, após o assalto à mesma e que teve o carimbo do MPLA, com a organização e orquestração do Palácio e da Coordenadora do MFA local, tendo-se processado nos moldes habituais e de acordo com as práticas marxistas, constantes dos seus manuais.

O Major Monteiro Pereira não autorizava os contactos directos dele, ou de qualquer oficial do MFA, com os seus militares. A subversão chegou a tal ponto, naquele Regimento de Infantaria de Luanda, que ele teve que cozinhar em separado para o seu pessoal e mantinha uma secção de guarda, em cada arrecadação de material de guerra.

P: A certa altura terá havido notícias, a partir do Comando superior, de que o pessoal daquele Batalhão não seria bem visto dentro dos muceques. Teve conhecimento dessa situação?

R: Isso foi uma das invenções do Palácio e da Coordenadora do MFA. Claro que, com a vinda dos elementos dos partidos para Luanda, iniciaram-se os incidentes e as forças militares passaram a actuar como bombeiros. E uma das razões porque se pretendia que as forças do COPLAD e, no caso vertente do Bat.Cav.ª 8322, não patrulhassem os muceques, era a intenção de criar milícias do MPLA, no muceque Golf, sem que as forças da ordem se apercebessem. Foi isso que acabou por acontecer.

P: Considera que o MFA de Luanda terá armado o MPLA ?

R: Sim. Com o conhecimento e em conjunto com o Palácio. Por exemplo, havia um Destacamento de Fuzileiros no Aeroporto, que dependia daquele Batalhão de Cavalaria. Chegavam caixotes, nos aviões, que não queriam que fossem abertos. No entanto foram mandados abrir e verificou-se que trazia armamento clandestinamente. Serviu para armar o MPLA. (10) Isto terá ocorrido entre Outubro e Dezembro de 1974.

P: O MPLA tinha força suficiente em Angola ?

R: Entre os três partidos emancipalistas era o mais fraco e a argumentação do MFA baseava-se na pseudo-necessidade de equilibrar os três. O MPLA era o único marxista e o mais progressista e, portanto, o Movimento, em termos ideológicos que estava mais próximo da ideologia dominante no Palácio, no MFA e, também, da mais influente em Portugal, na altura.

P: Como foi recebido, em Luanda, o Coronel Heitor Almendra, nomeado para substituir o Coronel Correia Dinis no COPLAD ?

R: Dado o conhecimento generalizado relativamente à postura de tal oficial, amplamente demonstrada durante a sua vida militar, posso afirmar que o COPLAD se sentiu honrado com a sua nomeação para a dura tarefa, que seria estar à frente daquele comando, com o mau tempo que se avizinhava ...

Também posso afirmar que o Palácio e a Coordenadora do MFA, em Luanda, não gostaram nada... E a prova disso é que o Almirante Rosa Coutinho tentou, junto do Coronel Almendra, que ele aceitasse o Comando de Cabinda, tocando nos pontos sensíveis do mesmo oficial, como honradez, coragem, valentia, disponibilidade e patriotismo.(11) Caso não tivesse havido uma acção persistente e convincente de amigos junto do Coronel Almendra, ele teria sido enganado e marchado para Cabinda. Deixaria o lugar aberto para um coronel que, em Portugal, aguardava embarque. Tratava-se do então Ten-Coronel Cardoso Fontão, da mesma cor e ideologia do Palácio e do MFA. Assim, este foi para Cabinda, onde havia vaga e para onde Lisboa o nomeara. Se tal não acontecesse, talvez os portugueses, em Luanda, viessem a ter mais desgostos e necessitassem de fazer as malas mais cedo. Pelo menos, nunca teria acontecido, em 1975, o ataque de forças do COPLAD a Vila Alice, santuário do MPLA na capital angolana.

De África para Santarém...

P: Como considera o sucedido no 11 de Março ? Foi uma armadilha montada ao General Spínola ?

R: Pode ter sido, mas não o creio. Mas não queria falar sobre isso, pois não acompanhei os antecedentes. Como referi, regressei de Angola em 17 de Dezembro de 1974, trazendo, de lá, determinada marca. Já tinha vaga na Escola Prática de Cavalaria (EPC), em Santarém e até fora convidado e proposto atempadamente pelo Coronel Alves Morgado. Mas a colocação demorou. Fiquei apresentado no Depósito Geral de Adidos (DGA), até ao dia 7 de Março, sexta-feira. Nesse dia telefonaram-me do DGA e disseram: Foi colocado na EPC, tem a sua guia de marcha pronta e pode vir buscá-la. A minha resposta foi: Para quem está quase há três meses em casa, pode ficar mais dois dias. Assim, vou aí na 3.ª feira, receber a guia de marcha, mas quero a data de apresentação na Escola, apenas para o dia 12...

P: Foi uma grande coincidência...

R: Sim. Se eu já estivesse na Escola, talvez tivesse sido cilindrado, tal como foi o Comandante e o 2.º Comandante, respectivamente, Coronel Alves Morgado e o então Ten-Coronel Ricardo Durão...

Por acaso estava em Alvalade, na casa de um familiar e ouvi os disparos... Disse para comigo, se não há aqui nenhuma carreira de tiro, deve ser algum tipo com stress de guerra...

Saí de Lisboa às 18H00 e apenas cheguei a Santarém, pelas 24H00, pois eu e a minha mulher estivemos sujeitos às barricadas de civis, com braçadeira vermelha, ao longo de todo o itinerário, incluindo a auto-estrada, até Vila Franca de Xira.

No rescaldo do 11 de Março

Como estava previsto, no dia 12 de manhã, apresentei-me ao Coronel Alves Morgado e à tarde houve uma reunião geral, no ginásio da EPC, com um ambiente bastante tenso.

No dia seguinte, quando ia a entrar no Quartel, o então Capitão Correia Bernardo disse-me: Ontem à noite houve uma reunião em casa do Salgueiro Maia, onde estiveram todos os oficiais e furriéis milicianos e alguns oficiais do QP, capitães e subalternos e que decidiram "correr" com o Comandante e 2.º Comandante e nós não vamos permitir que isso aconteça. Peço, ao meu Major, que diga ao nosso Comandante para fazer uma reunião do Conselho Escolar, esta manhã e com urgência.

Fui ao Comandante e contei-lhe o sucedido. Realizada a reunião e postos ao corrente do que se preparava, ambos se retiraram, com guia de marcha, para Lisboa.

P: Qual foi o motivo para a referida reunião, em casa do Capitão Salgueiro Maia ?

R: Aconteceu algo no dia 11, que nunca esclareci bem. O Esquadrão de Carros, nesse dia, esteve formado na Parada, para ir para o campo e foi sustada a sua saída. Disseram posteriormente que era para ir para a Atalaia, mas, entretanto, houve aquele movimento de helicópteros entre Lisboa e Tancos, mas passando pela EPC... Num deles seguiram, para Tancos, o Ten-Coronel Ricardo Durão e o Capitão Salgueiro Maia. Estou por fora, de facto, do que se passou, mas creio que há literatura relativa ao 11 de Março e o assunto estará esclarecido.

P Existiam mais subunidades militares dentro da Escola, além do Esquadrão de Carros de Combate (ECC)...

R: Sim. Havia o Esquadrão de Reconhecimento.

P: Como analisa, sinteticamente o período ocorrido no País, entre o 11 de Março e princípios de Agosto de 1975 ?

R: Como parte de um filme de terror, produzido e projectado pelo PCP, Governo gonçalvista e respectivos apaniguados oportunistas e consumistas do que não lhes pertencia.

Este filme colorido só de vermelho já era conhecido dos portugueses na versão a preto e branco, na guerra das Províncias Ultramarinas e também do Leste da Europa... Checolosváquia, Hungria, Polónia, Bulgária, Roménia, Estónia..., onde imperava o último modelo da URSS.

A consciência nacional violentamente ferida e ultrajada, a partir de Julho de 1975 (Alameda Afonso Henriques) começou a dizer não ao terror do Leste... Em vez de divisões blindadas em apoio do terror vieram umas quantas e poucas debulhadoras, ceifeiras e enfardadeiras; também vieram algumas viaturas e tractores. Tudo do tempo e modelo do Czar Pedro O Grande. Há anos que devem ter apodrecido algures no Alentejo...

Mesmo assim, no período mencionado, foram cometidos tantos crimes económicos que, passados 20 anos, ainda condicionam a vida portuguesa.

NOTAS:

Entrevista (1.ª Parte).

João Ramiro Alves Ribeiro nasceu em 30-1-1933, em Espinheira - Alcanena, no Ribatejo.

Comandou uma Companhia de Cavalaria em Angola, em 1962/64 e outra na Guiné, em 1965/67. Por designação fez nova comissão na Guiné, em 1969/71, no Comando-Chefe deste território (Repartição de Operações) e na Chefia do Centro de Operações Especiais, após a Operação Mar Verde, tendo sido promovido a major, em Janeiro de 1970. A última comissão foi cumprida em Angola, entre Março de 1973 e Dezembro de 1974.

Promovido por escolha a ten-coronel, em Dezembro de 1974, assumiu o comando da EPC após o 11 de Março de 1975, onde se apresentou no dia seguinte a este acontecimento. Desempenhou estas funções num período difícil da nossa história recente, tendo contribuído de forma relevante, para o restabelecimento das liberdades democráticas no 25 de Novembro. Foi condecorado entre outras com a Cruz de Guerra de 1.ª Classe. Estava na reforma quando foi entrevistado em 26-10-1995, em Santarém.

(2) Sobre o ocorrido, ver entrevistas dos Generais Altino Magalhães e Silva Cardoso, na altura membros da Junta Governativa de Angola, constantes deste trabalho.

(3) Este oficial comandou o Centro de Instrução de Comandos de Angola desde 11-10-1972 a 20-11-1974.

(4) O então Major "Cmd" Nascimento Viçoso esteve designado para estas funções, sendo anulada a nomeação imediatamente antes de embarcar para Angola. Este oficial marchou, depois, para Timor e viria a ficar preso, na Indonésia, na sequência do processo de descolonização naquele território. O Major "Cmd" Teixeira Gil, já falecido, viria a comandar o Centro de Instrução de Comandos de Angola, desde 20-11-1974 até à sua extinção em 6-5-1975.

(5) A acção, em Cabinda, ocorreu a 2-11-1974. Ver Boaventura de Sousa Santos, Maria Manuela Cruzeiro e Maria Natércia Coimbra. “O Pulsar da Revolução; Cronologia da Revolução do 25 de Abril (1973-1976)”. Lisboa, Ed. Afrontamento, 1997, pp 160.

(6) Ver entrevista deste oficial, no presente trabalho.

(7) É o significado de amendoim, em Angola.

(8) Segundo outra fonte confirma-se o "fornecimento de armamento da URSS para o MPLA, em Outubro de 1974, a partir do Congo Brazaville para o Lobito e montando um destacamento de 16 cubanos, em Massangano (cem milhas a Sul de Luanda), especialistas em guerra de guerrilhas e sabotagem, chefiado pelo Comandante Estebanell". Ver Juan F. Benemelis.Castro; Subversão e Terrorismo em África”. Lisboa, Europress, 1986, pp 224.

(9) Ver as versões dos Generais Altino Magalhães e Silva Cardoso, nas entrevistas já referidas e constantes deste trabalho. O General Silva Cardoso encontrava-se em Kinshasa, em conversações com a FNLA e terá passado por momentos angustiosos...

(10) Outra entidade confirmou-me este fornecimento de armas ao MPLA.

(11) O Major General Heitor Almendra confirma o convite de Rosa Coutinho para a colocação em Cabinda, já depois de ter chegado a Luanda.

Ver entrevista com este oficial.

Do P.Club:

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