sexta-feira, 4 de junho de 2010

João Aguiar "fica irremediavelmente ligado a Macau" (1944 - 2010)

 

03.06.2010 - 20:11 Por Lusa

O escritor João Aguiar, que morreu hoje em Lisboa, tem um percurso literário que fica irremediavelmente ligado a Macau, considerou Rogério Beltrão Coelho, da editora Livros do Oriente, que lançou duas obras do autor.


“O João tem um percurso que fica irremediavelmente ligado a Macau porque estamos a falar de livros que, além de inúmeras edições, foram traduzidos para várias línguas”, sublinhou, em declarações à Lusa, recordando “Os Comedores de Pérolas”, “O Dragão de Fumo” e “A Catedral Verde”.

Além de uma edição local de “O Dragão de Fumo”, a Livros do Oriente editou outro livro de João Aguiar sobre Macau: “O Tigre Sentado”, que nasceu em fascículos semanais nas páginas do Jornal Ponto Final ao longo de 2004, quando se assinalaram os cinco anos da transferência de poderes de Portugal para a China.

Beltrão Coelho, amigo de João Aguiar e um dos “responsáveis” pela primeira visita do autor a Macau no final dos anos de 1980, recorda que “O Tigre Sentado” foi depois editado em Fevereiro de 2005, uma ocasião para João Aguiar regressar ao território, que visitou diversas vezes.

João Casimiro Namorado de Aguiar nasceu em 28 de Outubro de 1943 e viveu a infância entre Lisboa, cidade natal, e a Beira, em Moçambique. Morreu hoje em Lisboa, aos 66 anos, vítima de cancro.
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João Aguiar era caso raro em Portugal. Vivia exclusivamente da 
profissão de escritor

Obituário

João Aguiar. O escritor que fez da história um romance

por Sílvia Caneco, Publicado em 04 de Junho de 2010  |  Actualizado há 6 horas
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Além de livros históricos, escreveu séries infanto-juvenis e textos para a "Rua Sésamo". Morreu ontem, aos 66 anos, de cancro
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João Aguiar teve um percurso pouco lógico. No 4.o ano tirou 9 a Português, anos mais tarde tornou-se escritor. O primeiro livro veio depois dos 40; escreveu mais de 20. Ficou conhecido pelas séries infanto-juvenis como "O Bando dos Quatro", e tem mais livros para adolescentes que para adultos, apesar de ter começado a escrevê-los contra a sua vontade, de ser solteiro e de não ter filhos. Num texto que escreveu para o "Jornal de Letras" em 2005 dizia: "A minha vida não dava um livro, e ainda bem. Em compensação, o facto de os meus livros darem uma vida - boa ou má, não importa para o caso -, devo-o aos momentos de não-glória que acabo de relatar." E a verdade é que os livros fizeram a sua vida. João Aguiar era um escritor na verdadeira acepção da palavra e caso raro: vivia exclusivamente da escrita.

Numa das suas últimas viagens, João Aguiar confidenciou a Francisco José Viegas que já não devia conseguir escrever o livro que sempre quis fazer: um romance histórico sobre a revolução de 1383, que levou o Mestre de Avis, futuro D. João I, ao trono. Estava certo. O cancro que o venceu ontem, aos 66 anos, não lhe deixou tempo para cumprir a sua última vontade.

Quem o conheceu diz que nunca escrevia ao acaso. "Era muito disciplinado e só escrevia sobre factos que conhecia. Não partia para a obra sem um grande trabalho de pesquisa e de investigação", recorda o escritor e amigo Domingos Lobo, que lembra ainda como, num primeiro contacto, a timidez de João Aguiar lembrava uma pessoa "antipática, algo convencida". Era preciso passar o muro para descobrir o contador de histórias de humor apurado, o cavalheiro que Alice Vieira descreve como "um príncipe". "Era atencioso, culto e muito divertido. Era um prazer conversar com ele." A escritora conheceu-o ainda nos tempos do "Diário de Notícias". Nas redacções, Aguiar era uma excepção entre colegas formados pela tarimba: tinha estudado Jornalismo em Bruxelas depois de completar o curso de Filosofia em Lisboa.

"Era o que chamamos um homem fino: educado e elegantíssimo", conta Mário Zambujal, que integrou juntamente com João Aguiar e outros cinco escritores um projecto coordenado pela Oficina do Livro. Apesar de monárquico e conservador, não o incomodava que muitas das piadas lançadas pelos restantes seis republicanos girassem à volta disso.

Poucas coisas o aborreceriam tanto como "o escrever e falar mal português". Talvez por isso nunca tenha rejeitado um convite para debates em escolas. Com uma condição: só ia se os alunos tivessem lido pelo menos um dos seus livros e estivessem preparados para fazer perguntas. "Tenho a certeza que ajudou muita gente na casa dos 16, 17 anos, a interessar-se por literatura, pela sua vivacidade a contar histórias e por escrever sobre história", afirma José Jorge Letria, presidente da Sociedade Portuguesa de Autores que conhecia o escritor há 30 anos.

Da "Rua Sésamo", projecto em que chegou a coordenar a equipa de escritores, guardou a sua experiência mais difícil. "Em três minutos tínhamos de escrever uma história com princípio, meio e fim, monopolizar a atenção da criança e ao mesmo tempo ensinar alguma coisa."

Nos últimos meses João Aguiar retirou-se como quem se prepara para a morte. Afastou-se dos amigos e fechou--se no seu círculo. Há cinco anos tinha sofrido um ataque cardíaco e tinha deixado o cachimbo, cujo cheiro o tornava conhecido à distância. "Sabíamos sempre quando o João tinha chegado à redacção", recorda Alice Vieira. 
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