terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Elegia Escrita em um Cemitério Campestre - Thomas Gray


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 7 de Outubro de 2009.
  Tinha noite que não saía de casa porque sabia que na rua ia querer fazer de novo, não ia me segurar. Deito e rezo, pra tentar me controlar."
Francisco de Assis Pereira
O Maníaco do Parque

 Elegia Escrita em um Cemitério Campestre
Elegia Escrita em um Cemitério Campestre
Avisa o sino que esmorece o dia;
A tarda grei mugindo o aprisco busca;
Lasso cultor à choça vai, tardia,
Deixando o mundo a mim e à sombra fusca.

Ante os olhos se esfuma o país vasto,
Cum silêncio solene os ares calam;
Salvo onde zune de um besouro o rasto,
Ou tinem chocas, que o redil embalam;

Salvo na torre antiga, que hera veste,
Onde à lua se queixa ermo francelho,
Se alguém, vagando, temerário investe
O seu domínio solitário e velho.

À sombra de olmos, teixos, nessa areia
Onde torneia o chão outeiros vários,
Para sempre os avós toscos da aldeia
Em cela estreita dormem solitários.

Aromas que respira a madrugada,
Gorjeios que do ninho as aves soltam,
Do galo o grito agudo, ou trompa ousada,
Em vão por eles chama; eles não voltam.

Para sempre o fogão calor lhes nega,
Nem terão da consorte à tarde o mimo;
Nenhum pequeno irá ver se o pai chega,
Nem, saltando, colher o afago primo.

A seara cedeu-lhe à foice as messes,
Coa charrua quebrou da terra os combros;
Alegre os bois jungiu; e quantas vezes
Cortou troncos, e trouxe a lenha aos ombros!

Não despreze a ambição tão útil lida,
Sorte escura, caseira, mas contente;
Nem olhe com desdém prole subida
Os símplices anais da pobre gente.

Vanglória de alta estirpe protectora,
Tudo quanto a beleza e bens nos deva,
Da morte espera a inevitável hora:
Da glória a estrada à sepultura leva.

Soberbos! não cuideis que estes errassem:
Se a memória troféus na campa escusa,
Templo vasto que os bronzes atroassem,
Engrossando o epicédio, aqui não se usa.

Não restauram no peito o fogo extinto
Urna histórica, bustos expressivos;
Nem morto pó, que encerra este precinto,
Movem hinos, lisonja, grata aos vivos.

Talvez neste lugar jaz desprezado
Um peito que celeste fogo enchia;
Mão que o ceptro do império houvera honrado,
E na lira prodígios criaria.

Mas a seus olhos a ciência, rica
Dos despojos do tempo, ocultou tudo;
Reprimiu nobre ardor penúria; e fica
Gelado o génio que aquecera o estudo.

Nas grutas insondáveis do oceano
Quantas pérolas puras assim moram!
Quantas boninas nascem, murcham, no ano,
Florescem no deserto, e ali descoram!

Colher aplausos de um senado atento,
Afrontar dores, alcançando glória,
Grato povo fazer povo opulento,
E ler nos olhos dele a própria história;

Vedou-lhe o fado; e não vedou sòmente
Virtudes grandes; restringiu-lhe o crime:
Não os deixa invadir um trono ingente,
Fecha a porta à piedade, o amor comprime.

Constranger do remorso a interna luta,
Apagar do rubor a interna chama;
Acrescentar do luxo a sede bruta,
Cos encómios que aumenta a voz da fama,

Nunca os sóbrios desejos seus souberam,
Nunca no vil ruído desvairaram;
No ignoto e fresco vale onde nasceram
Durante a mansa vida prosperaram.

Estes ossos, contudo, campa escura
Protege contra insultos, onde moram;
Com versos toscos, rústica escultura,
A quem passa, um suspiro é quanto imploram.

Soletra rude muda o nome e a idade;
Em lugar de elegia, ali dominam
Textos santos, sentenças de verdade,
Que ao rústico a morrer constante ensinam.

Quem se verá sem susto em precipício
De entrar no esquecimento tenebroso?
Quem fixará das luz cálida o quício
Sem olhar para trás terno e saudoso?

O que morre confia-se em quem ama,
Pronto espera no instante em que falece;
Da cova mesma a natureza clama,
Seu indómito fogo a cinza aquece.

Tu, que cuidas nos mortos medianos,
Que os seus feitos sem arte assim descreves,
Se um triste aqui trouxerem desenganos,
E perguntar teu fado e dias breves:

"Ao romper da manhã o vi mil vezes,
(Talvez diga um pastor encanecido)
Veloz pisando o orvalho, em quaisquer meses,
Indo encontrar o sol no outeiro erguido.

Junto da faia, que d'além acena,
E a raiz caprichosa estende e enleia,
Lasso, deitado ao sol, e absorto em pena,
A fonte olhava, e o borbulhar da areia.

Junto daquele bosque o vi queixoso,
Lamentando o enfadonho seu cuidado;
Já pálido, já triste e duvidoso,
Louco de dor, de amor desesperado.

Certo dia faltou no usado outeiro,
Perto da mata, e da árvore valida;
No outro não se viu junto ao ribeiro,
Nem na planície, na estação florida:

Com repousos, mortalha, e triste arreio,
Ao adro, no seguinte, foi levado:
Chega-te e lê o verso, pois eu creio
podes ler o que a pedra tem gravado".

                    Epitáfio

Aqui jaz descansado no regaço
Da fria terra um moço ignoto à fama;
Vítima da tristeza e fado escasso,
Mas génio qual o céu deu a quem ama.
De alma sincera, e de bondade extensa,
Deu à miséria quanto tinha - pranto:
Merecia do céu tal recompensa,
Teve um amigo, e só desejou tanto.

Nem mais virtudes nem fraquezas queiras
Arrancar deste sítio tenebroso;
Umas e outras foram passageiras,
E caíram nas mãos de um Deus piedoso.
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Thomas Gray
Tradução de Marquesa d'Alorna
PS: Foi mantida a grafia original da tradução
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http://www.blood-pack.com/index025.htm
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