terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Judith Herzberg - poesia


o café dos loucos

Judith Herzberg


CAIXAS

Porque durante a guerra nos falavam sempre
de antes da guerra, de como eram
ingénuos, tenho agora o máximo cuidado,
ao deitar qualquer coisa fora, por exemplo,
uma caixa de papelão, peço a Deus
para que a caixa não volte nunca
a assaltar-me em forma de remorso;
lembras-te ainda como nós, despreocupados,
deitávamos fora caixas sem pensar!
Se tivéssemos guardado pelo menos uma,
se tivéssemos guardado pelo menos uma!


Judith Herzberg, in "o que resta do dia" cavalo de ferro, 2007




Judith Herzberg nasceu em 1934 em Amesterdão. É uma das vozes mais representativas da poesia contemporânea europeia, contando com inúmeros prémios e traduções em vários idiomas.
A vasta obra poética de Judith Herzberg é composta por títulos como: «Zeepost» (1963); «Beemdgras» (1968); «Vliegen» (1970); «Strijkliicht» (1971); «27 Liedesliedjes» (1971); «Botshol» (1981); «Dagrest» (1984), «Dat Engels geen au heef» (1985), «Zoals» (1992); «Doen en laten» (1994); «Wat zij wilde schilderen» (1996); «Bijvangst» (1999); «Staalkaart» (2000); «Weet je wat ik ooj nooit wet» (2003); «Soms vaak» (2004); «Zijtak» (2007).
Judith Herzberg tem também desde os anos 70 vindo a publicar peças de teatro, ensaios, argumentos cinematográficos, peças para a televisão e muitas traduções. Em Portugal, os Artistas Unidos foram responsáveis pela publicação de três das suas peças de teatro: «Os Casamentos de Lea», «A Fábrica de Nada», «Talvez Viajar».
***

Enterrado

As agulhas do calor e do ódio
espetadas na minha roupa emprestada
quando um dia de Verão temos de entregá-lo
por baixo de árvores experientes,
os açougueiros embuçados de negro
torsos embalsamados, costas recurvadas, 
que páram o cortejo
com um último 
passo rotineiro
enquanto os cangalheiros – oito longas patas 
de aranha com ele, 
o coração morto,
seguem colina acima, rangendo com os pés
no saibro 
exactos, solenes, impassíveis.
E nós ali de pé, meio desamparados, 
com a esperança em fuga desenfreada
e uma pressa incompreensível;
os últimos dez minutos
antes de uma amputação.


Entre eras glaciares

Cada um de nós tem a sua força de gravidade,
cada um de nós obrigado a desabar de 
pensamentos,
assim noto como é estranho
um avião projecta sombra 
reluzindo por um átimo ao sol
e nós deitados na relva 
entre margaridas 
a tapar os ouvidos por causa do barulho
e continuar depois a conversar como se o Agora
não fosse o último momento de uma fase.
Uma tarde para recordar, um ano para recordar.
a relva firme e viçosa, o sol escaldante
(a calote de gelo da Groenlândia ainda não 
derretida,
nós ainda não arrastados pelas águas) flores 
da infância
como estas com um cheiro muito antigo 
tão brancas, tão amargas e tão margaridas,
e um avião que não faz mal a ninguém.


Coragem

A noite deixou-me outra vez transtornada
lentamente a manhã se enche 
de palavras que eu sei de certeza
que significavam alguma coisa, mas o quê?
que ontem significavam alguma coisa.
Andar é balançar sobre os pés,
vejo na rua os seres de sangue quente 
que tiveram também a inexplicável coragem 
de se levantarem
em vez de ficarem deitados.
Nunca ninguém tem a certeza de nada,
de ser amado, de ser abandonado
tudo é possível e tudo é permitido
tudo sucede em alternância.
Agora me lembro o que queria dizer:
enquanto isso não trouxer infelicidade 
é uma sensação agradável. Mas no fundo
somos doces como Turkish Delight
numa lata cheia de pregos.


tradução 
ana maria carvalho lemmens

http://www.culturgest.pt/docs/judith_herzberg.pdf

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