domingo, 13 de outubro de 2013

O Domingo na Poesia ~ segundo vários escritores 01

13 de Outubro de 2013 às 14:45
* Victor Nogueira -  Auto retrato II no exílio,  em évoraburgomedieval
* Victor Nogueira - No domingo marca o tempo
Carlos Drummond de Andrade – Nenhum desejo neste domingo
* Álvaro de Campos - Domingo irei para as hortas na pessoa dos outros
* Gilberto Gil  - Domingo no parque
* Fernando Echevarria – Domingo
* Luciane Zanata - Um dia de Domingo...
* Natália Correia - Poema destinado a haver domingo
* Jan Kostra - Dava a última camisa por um poema
* António Reis - É domingo hoje
* Michael Sullivan e Paulo Massadas  - Um dia De Domingo
* Daniel Filipe - Pátria, lugar de exílio (2ª canção)

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* Victor Nogueira -  Auto retrato II

         
[em évoraurgomedieval, no exílio]  Hoje é domingo, uma vez mais! O tempo conta‑se pelos domingos, especialmente quando são como este, soalheiros, quentes, e que nos fazem sentir o peso dos 25 anos, praticamente solitários, incomunicáveis, cheios de barreiras entre mim e os outros. Que é daquele tempo em que se cria em alguma coisa, em que se colhiam flores para dar aos entes queridos, cabelos esvoaçantes ao vento? Que é do tempo dos sorrisos, das gargalhadas cristalinas? Que é do tempo deslizando suavemente, das mãos esperançosamente estendidas? O tempo é isto, esta desilusão, este vazio, estas malhas que enredam mais e mais e que angustiosamente procuro afastar. Sou um guerreiro cansado por batalhas inúteis, contra o vento! "Grandes são os desertos e tudo é deserto" ([1])

Como única companhia nesta tarde o José Afonso, melhor, a voz do Zeca Afonso, que sai dos alto‑falantes e enche o quarto, mas não a minha alma, demasiado grande para a minha alma tão pequena. (NSF - 1971.02.28)

(1) - Álvaro de Campos


*  Victor Nogueira - No domingo marca o tempo


No domingo é tempo
....................de sorriso
da colheita
cabelos soltos ao vento
da esperança e da minha mão na tua
.
Entre domingos
tempo da cheia e do vazio
das ilusões florirem ou se perderam na espuma das ondas
.
Ao domingo há tempo
de malhas e de redes
de voos rasteiros ou alti-sonantes
.
ou não
.
Perdido no teu olhar
.
Ao domingo sou um guerreiro cansado por batalhas inúteis
contra o vento
contra o tempo
contra mim

.
"Grandes são os desertos e tudo é deserto"



Setúbal 2012.01.15

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* Carlos Drummond de Andrade


Nenhum desejo neste domingo
nenhum problema nesta vida
o mundo parou de repente
os homens ficaram calados
domingo sem fim nem começo.

A mão que escreve este poema
não sabe o que está escrevendo
mas é possível que se soubesse
nem ligasse.


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* Álvaro de Campos


Domingo irei para as hortas na pessoa dos outros,
Contente da minha anonimidade.
Domingo serei feliz — eles, eles...
Domingo...
Hoje é quinta-feira da semana que não tem domingo...
Nenhum domingo. —
Nunca domingo. —
Mas sempre haverá alguém nas hortas no domingo que vem.
Assim passa a vida,
Sutil para quem sente,
Mais ou menos para quem pensa:
Haverá sempre alguém nas hortas ao domingo,
Não no nosso domingo,
Não no meu domingo,
Não no domingo...
Mas sempre haverá outros nas hortas e ao domingo!

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* Gilberto Gil  - Domingo no parque


O rei da brincadeira - ê, José
O rei da confusão - ê, João
Um trabalhava na feira - ê, José
Outro na construção - ê, João
A semana passada, no fim da semana
João resolveu não brigar
No domingo de tarde saiu apressado
E não foi pra Ribeira jogar
Capoeira
Não foi pra lá pra Ribeira
Foi namorar
O José como sempre no fim da semana
Guardou a barraca e sumiu
Foi fazer no domingo um passeio no parque
Lá perto da Boca do Rio
Foi no parque que ele avistou
Juliana
Foi que ele viu
Juliana na roda com João
Uma rosa e um sorvete na mão
Juliana, seu sonho, uma ilusão
Juliana e o amigo João
O espinho da rosa feriu Zé
E o sorvete gelou seu coração
O sorvete e a rosa - ô, José
A rosa e o sorvete - ô, José
Oi, dançando no peito - ô, José
Do José brincalhão - ô, José
O sorvete e a rosa - ô, José
A rosa e o sorvete - ô, José
Oi, girando na mente - ô, José
Do José brincalhão - ô, José
Juliana girando - oi, girando
Oi, na roda gigante - oi, girando
Oi, na roda gigante - oi, girando
O amigo João - João
O sorvete é morango - é vermelho
Oi, girando, e a rosa - é vermelha
Oi, girando, girando - é vermelha
Oi, girando, girando - olha a faca!
Olha o sangue na mão - ê, José
Juliana no chão - ê, José
Outro corpo caído - ê, José
Seu amigo, João - ê, José
Amanhã não tem feira - ê, José
Não tem mais construção - ê, João
Não tem mais brincadeira - ê, José
Não tem mais confusão - ê, João



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* Fernando Echevarria - Domingo


Ficou-lhe a paz. Do tempo
em que, movido o olhar à santidade,
parávamos no campo vendo
correr a água e adubar-se o caule
que abrirá sua roda de sustento
à fadiga do homem, que uma coroa de aves
reconhece no ar, de estar aberto
à cálida saúde da passagem.
Depois da missa, pelo domingo adentro,
crescia esta saudade
fresquíssima de estarmos tão atentos
à tarefa que, sem nós, a tarde
cumpre na terra. E mesmo ao pensamento
que amadurece nas árvores,
tocadas longe, no estremecimento
que se enreda por nós e em nós se abre.
Ficou-lhe a paz. O doce movimento
que nos inclina para a primeira idade.



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Luciane Zanata - Um dia de Domingo...

Domingo não deveria existir,para quem sente saudade.
Já tomei o meu café,é o meu último cigarro...
E o Domingo,acaba de começar.
O meu "hobby",é sentir saudade.
Não tenho idade para tanto saudosismo,mas a minha alma
é bem mais "madura",do que essa que escreve.
O Domingo,é um vilão...ele não é dia de nada.
Ele é a minha busca,dos que "partiram" de mim..
Da tempestade vermelha,e da tempestade arroaceira,que me
trouxe e me levou você.
Quero um outro cigarro,mas a padaria...está fora dos meus planos.
Os meus enganos,os meus traumas,são só meus agora.
Eu queria uma sombra,uma árvore gigantesca,eu queria o teu colo,
o teu ombro,o teu cheiro, a tua poesia.
Ah...como eu queria um Domingo diferente,só nosso.
Me leva daqui...eu não suporto..."gente",rindo de programas de auditório,eu quero muito mais que isso.
Quero o compromisso,de rir,sempre...de mim mesma.
Não quero quatro pratos na mesa,nem comida eu quero hoje.
Eu quero mesmo,é ter você...saborear o teu beijo,ser o teu desejo.
Desligar essa televisão insuportável...seja amável comigo,vamos fugir
desse Domingo insano,que nos separa.
Hoje...vou esperar a Segunda-Feira,para ser mais feliz.~


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* Natália Correia - Poema destinado a haver domingo


Bastam-me as cinco pontas de uma estrela
E a cor dum navio em movimento
E como ave, ficar parada a vê-la
E como flor, qualquer odor no vento.
Basta-me a lua ter aqui deixado
Um luminoso fio de cabelo
Para levar o céu todo enrolado
Na discreta ambição do meu novelo.
Só há espigas a crescer comigo
Numa seara para passear a pé
Esta distância achada pelo trigo
Que me dá só o pão daquilo que é.
Deixem ao dia a cama de um domingo
Para deitar um lírio que lhe sobre.
E a tarde cor-de-rosa de um flamingo
Seja o tecto da casa que me cobre
Baste o que o tempo traz na sua anilha
Como uma rosa traz Abril no seio.
E que o mar dê o fruto duma ilha
Onde o Amor por fim tenha recreio.

Natália Correia
Poesia Completa -Publicações Dom Quixote -1999

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 * Jan Kostra


Dava a última camisa por um poema

Dava a última camisa por um poema.
Domingo ao fim da tarde só restam cinzas.
Todos. Tudo inteiramente consumido. Tudo,o quê?
Segunda, sobrava alguma palavra intacta na lareira?

Terça
tão comprida como um ano

quarta, outra vez a esperança
Não, sem poema não se pode viver!

Quinta a memória entra em pânico
A pouca claridade que restava anoiteceu

também na sexta as vagonetas com o meu minério
perdem-se no túnel.

Sábado:
trabalho em vão!
Domingo tudo recomeça e voltava a dar
a última camisa por um poema


TRAD.: ERNESTO SAMPAIO

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* António Reis

É domingo hoje
mas nós não saímos

é o único dia
que não repetimos

e que dura menos

Mas põe o teu rouge
que eu mudo a camisa
não como quem
de ilusão
precisa

tomaremos chá
leremos um pouco

e iremos à varanda
absortos


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Um dia De Domingo

Eu preciso te falar
Te encontrar de qualquer jeito
Pra sentar e conversar
Depois andar de encontro ao vento
Eu preciso respirar
O mesmo ar que te rodeia
E na pele quero ter
O mesmo sol que te bronzeia
Eu preciso te tocar
E outra vez te ver sorrindo
E voltar num sonho lindo
Já não dá mais pra viver
Um sentimento sem sentido
Eu preciso descobrir
A emoção de estar contigo
Ver o sol amanhecer
E ver a vida acontecer
Como um dia de domingo

Faz de conta que ainda é cedo
Tudo vai ficar por conta da emoção
Faz de conta que ainda é cedo
E deixar falar a voz do coração

GAL COSTA

Composição: Michael Sullivan e Paulo Massadas


Publicada por Victor Nogueira em Domingo, Abril 29, 2007
http://daliedaqui.blogspot.pt/2013/01/o-domingo-na-poesia.html



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* Daniel Filipe - Pátria, lugar de exílio

2ª canção

Três balas detiveram companheira
meu rio em seu humano curso
Não bastou a primeira
para dobrar-me a rigidez do torso

Mísero dia, esse ! Só na morte
cumpro inteiro o destino desejado:
impassível e forte,
juvenil e alado

Três balas como um sopro de agonia,
não minha ! não da pátria ! mas dos seres
desconhecidos da zoologia,
que recebem da infâmia os seus poderes.

Aqui nesta tarde de Maio
canto obsessivamente a minha pátria
Canto-a como quem ama ou sonha com o lar e refúgio
calmo braseiro fértil jardim litoral merecido
Canto-a de dentro para fora ignoto
descobri da ilha antes do mar viciosa
esperança lúbrico entardecer
Canto dizendo pátria olhos despertos
fecundado de amor
ó pátria local do único abandono
possível antes da hora
liberdade serena consentida
visão paradisíaca renascer da amizade

Canto e à minha volta o rio humano flui
adolescentes entram nos cafés
discutem-se negócios conquista-se duramente o pão quotidiano
ama-se
telefona-se
murmuram-se boatos e promessas de emprego

Aqui neste ano de 1962
primeiro de Maio
às três horas da tarde

E de novo pergunto poderei acaso dizer outras palavras
falar do tempo do relógio de ponto dos passeios aos domingos
cerrar os olhos à coreografia da violência
diariamente aprendida por entre o sal das lágrimas

Poderei esquecer como se não me pertencessem
seus nomes usuais
a decisão alegre e corajosa
que sombreia de medo o sono dos carrascos
Uma mulher desliza
meus olhos vão com ela presos ao ondular das suas ancas

Ah mas que também o amor me não distraia
que eu possa manter-me lúcido e desperto
ávido
estátua imóvel de proa
terrível como a angústia
neste primeiro de Maio de 1962
às três horas da tarde
precisamente não antes nem depois
não ontem amanhã ou dia incerto de qualquer mês e ano
mas HOJE
às TRÊS HORAS EXACTAS
numa esquina da estação do Rossio

Que nada possa calar o meu ódio e desprezo
nem sequer tu Amada companheira

E no entanto lembro o nosso primeiro encontro
retiro dele a força indispensável
para seguir cantando
atento ao mudo apelo do pequeno vendedor de jornais
aos olhos tristes da prostituta grávida
ao passo arrastado do carregador da estação

De mãos dadas
no jardim sob a chuva
reinventando o amor
ou
no primeiro andar de um autocarro
através da cidade sem destino preciso

Recordo o calor de Julho e o aroma dos pinheiros
amámo-nos sobre a terra
eram três horas da tarde como agora
tínhamos pouco dinheiro
e havia um barco à nossa espera inevitavelmente

Com tudo isso teço o meu próprio disfarce
com a ternura grave que me dás
alimento também certa rosa vermelha


audição musical
TIM MAIA e GAL COSTA - UM DIA DE DOMINGO
http://www.youtube.com/watch?v=kQkSdt6pg6Y



https://www.facebook.com/notes/victor-nogueira/sobre-set%C3%BAbal-03/10151506030764436
http://daliedaqui.blogspot.pt/2013/01/o-domingo-na-poesia.html




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foto victor nogueira
foto victor nogueira

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