terça-feira, 19 de novembro de 2013

o domingo na poesia segundo vários escritores - 16 - os bobos e truões - 01


19 de Novembro de 2013 às 21:39
* Charles Baudelaire - O Bobo da Corte e a Vénus
* Louis Aragon -  Cantos do Medjnoûn - Le Fou d'Elsa (O bobo de Elsa)
* Rubem Alves  - Texto imperdível tratando do “riso”, “palhaços” e “bufões”! 
* Carlos Fabiano - A merenda de momo

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* Charles Baudelaire

VII
O BOBO DA CORTE  E A VÊNUS

Que dia admirável! O vasto parque se desvanece sob o olhar brilhante do sol, como a juventude sob o domínio do Amor.

O êxtase universal das coisas não se exprime por qualquer ruído; até as próprias águas estão coma que adormecidas. Bem diferentes das festas humanas, aqui há uma orgia silenciosa.

Dir-se-ia que uma luz sempre crescente faz cada vez mais cintilar os objetos; que as flores excitadas incendeiam-se do desejo de se rivalizarem com o azul do céu, pela energia de suas cores e que o calor tornando visíveis os perfumes os faz subir ao astro como fumaças.

Entretanto, nessa alegria universal, percebo um ser aflito. 

Aos pés de uma Vênus colossal, um desses loucos artificiais, um desses bufões voluntários, encarregados de fazerem rir os reis quando o Remorso ou a Tédio os obcecam, fantasiado com um costume brilhante e ridículo, trazendo urna cabeleira de chifres e guizos, encolhido contra a pedestal, eleva seus olhos lacrimejantes para a Deusa imortal.

E seus olhos dizem: “Eu sou o último e o mais solitário dos homens, privado de amor, de amizade e bem inferior nisso ao mais imperfeito dos animais. Entretanto, sou feito, eu também, para compreender e sentir a imortal Beleza. Ah! Deusa! tenha piedade de minha tristeza e de meu delírio!”

Mas a implacável Vênus olha ao longe para não sei quê, com seus olhos de mármore.

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* Louis Aragon

Le Fou d’Elsa | O bobo de Elsa


 Poeta, escritor, jornalista e ensaísta francês, nascido a 3 de Outubro de 1897 em Neully-sur-Seine, é igualmente conhecido pela sua adesão e apoio ao partido comunista francês, ao qual pertenceu durante toda a sua vida. Foi, com Paul Eluard, um dos primeiros poetas da Resistance (Le crève-coeur, 1941). A sua poesia é visível e amorosamente inspirada em Elsa Triolet, sua mulher e, também ela, escritora.~

 Obra de uma complexidade e actualidade extraordinárias, escrita nos anos 50 durante o período da descolonização e da guerra da Argélia. Em Le Fou d’Elsa, Aragon põe em cena a sociedade andaluza ao tempo do último abencerragem e da queda de Granada.

 O termo “fou” pode ter várias interpretações: “louco”, por alusão ao poeta pré-islamico Medjnoûn (poeta louco de Granada, personagem sempre presente no livro), ou por alusão ao sentimento amoroso que nutre pela mulher, Elsa Triolet; pode ser ainda “bobo” ou “bufão”, essa figura de escárnio destinada a entreter os reis, mas que integra igualmente as cartas do tarot simbolizando “uma atracção pelo desconhecido, um viagem para outro lugar que ainda não se conhece, um destino tendencialmente marginal ou então um afastamento das coisas materiais.”

POESIA  (trad. fábulassonhadas) 

Chants du Medjnoûn | Cantos do Medjnoûn
« Aragon 

“Nada nos chegou do muito que cantou ao longo da sua vida Kéïs Ibn-Amir an-Nadjdî, dito Medjnoûn Elsa ou Al-Za (…), nada nos chegou desses cantos que o Medjnoûn declamava pelas ruas, pelos campos, pelos vales, ou nos vários palácios, assim como não foram transcritas as preces do homem devoto, por mais belos que fossem os nomes atribuídos a Deus. Porém, assim que o desgaste do seu corpo tornou visível a trama da sua existência, visíveis as cordas da sua alma como um alaúde que arrastou pelas pedras com a marca dos seus joelhos, sucedeu que aos passos do Medjnoûn veio acostar-se um rapaz, filho de pais incógnitos, e que tomou conta do ancião, guardando-lhe as oferendas daqueles que o ouviam cantar, lavando o patamar da sua casa, ocupando-se das suas vestes e da roupa da sua cama. O trovador de zadjal habituou-se a não reparar nele, chamando-o Zaïd, único nome pelo qual a criança ficou conhecida.(…).

Homens de ciência que lhe sobrevieram, estranharam que Zaïd não tivesse registado os zadjal ou outros poemas que An-Nadjdî dedicara, como é do conhecimento geral, à história de Granada e aos seus malogrados acontecimentos, mas apenas esses que falam de Elsa e do seu amor por ela. Quando mais tarde Zaïd caiu nas garras da inquisição, tentaram arrancar-lhe, sob tortura, uma justificação para esta singularidade. O mais que obtiveram, e não por confissão, foi que a escrita não é feita para aquilo que passa, mas para o que perdura. E como lhe haviam colocado a mão no fogo, indignados que por infiéis que fossem os reis de Granada estes lhe parecessem menos dignos de memória do que Elsa, ele gritou de dor que, segundo o ensinamento do seu Mestre, o futuro do homem é a mulher, não são os reis.”

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Texto imperdível do Rubem Alves tratando do “riso”, “palhaços” e “bufões”! 

Riso
Chegara ao fim de um ano de atividades como professor de ética no Union Theological Seminary, em Nova York. No dia seguinte eu deveria voltar e provavelmente nunca mais veria a maioria dos alunos e alunas que haviam se tornado meus amigos. Um após outro vinham se despedir no meu escritório. Chegou então uma jovem, longos cabelos dourados, sardenta, decote ousado, pele clara, que me disse:

- Rubem, eu sonhei com você…

Olhei para ela por alguns segundos em silêncio, com olhar interrogativo, tomado por aquela declaração: “Eu sonhei com você…”

Aí, antes que eu dissesse qualquer coisa, ela me revelou o sentido do seu sonho: “Sonhei que você era um palhaço…”

Não foi uma ofensa. A imagem do palhaço, ridícula no dia a dia, tem um lugar de honra entre os hereges da filosofia.

Octávio Paz, prêmio Nobel de Literatura, descreve a missão do sábio como a missão do palhaço: “fazer rir”.

“Os verdadeiros sábios não têm outra missão que aquela de nos fazer rir por meio de seus pensamentos e de nos fazer pensar por meio de seus chistes”.

Bufão
E Kolakowski chega a ponto de sugerir uma “filosofia do bufão”, o riso tendo o poder mágico de produzir aquilo que os filósofos zen denominavam satori, iluminação.

“A filosofia do bufão é a filosofia que, em cada época, denuncia como duvidoso aquilo que parece ser inabalável. Declaramo-nos a favor da filosofia do bufão – aquela atitude de vigilância negativa frente a qualquer absoluto. Declaramo-nos a favor dos valores anti-intelectuais inerentes numa atitude cujos perigos e absurdos conhecemos muito bem. É uma opção por uma visão de mundo que oferece possibilidades para uma reorganização vagarosa e difícil de serem organizados: bondade sem que isto signifique tolerar tudo, coragem sem fanatismo, inteligência sem apatia, e esperança sem cegueira. Todos os outros frutos da filosofia são de importância secundária.”

NIetzsche, se não me engano, foi o grande mestre do riso. Com o que NIetzsche concordava. Muito do seu uso iconoclasta das imagens pode ser entendido como gozação, o seu jeito de dizer que o rei está nu. De toda verdade que não é acompanhada por um riso “pelo menos deveríamos dizer que é falsa”. E , ao final de um denso poema em que fala sobre a sua diferença, ele se resume: “Sou apenas um bufão! Sou apenas um poeta!”. É fácil confundir o bufão com o louco ou com um tolo. Foi o que o velho eremita disse ao se encontrar com Zaratustra quando descia da montanha onde passara dez anos de solidão:

“Esse viandante não me é estranho; muitos anos atrás ele passou por esse caminho. Ele se chamava Zaratustra. Mas ele mudou. Naquele tempo tu levavas tuas cinzas para as montanhas; e agora tu levas teu fogo para os vales? Não tens medo de ser punido como incendiário?”

O palhaço e o erudito
Os palhaços são punidos pelo riso que provocam. A punição de Nietzsche foi o seu exílio da comunidade acadêmica. Roupas e jeitos de palhaço não combinam com os jeitos e as vestes acadêmicas dos eruditos. Um professor da universidade de Berlim, movido por bons sentimentos, escreveu-lhe dizendo que ele deveria tentar um estilo diferente, porque ninguém leria coisas como as que ele escrevia. Seus companheiros eram as crianças. Ele escreveu:

“Enquanto eu dormia um carneiro comeu as minhas vestes acadêmicas – comeu e disse: ‘Zaratustra não é mais um erudito’. Disse e solenemente se afastou com orgulho. Uma criança me contou. ‘Mudei da casa dos eruditos e bati a porta ao sair. Por muito tempo a minha alma assentou-se faminta à sua mesa. Não sou como eles, treinados a buscar o conhecimento como especialistas em rachar fios de cabelo ao meio. Amo a liberdade. Amo o ar sobre a terra fresca. É melhor dormir em meio às vacas que em meio às suas etiquetas e respeitabilidades.’ Gosto de me deitar onde as crianças brincam, ao lado da parece caída, entre cardos e papoulas vermelhas. Para as crianças eu ainda sou um erudito, e também para os cardos e papoulas. Eles são inocentes até mesmo em sua malícia. Mas para o carneiro eu não mais sou um erudito; assim o meu destino o decreta – bendito seja!”

“Sou muito quente, queimado pelos meus próprios pensamentos; frequentemente eles quase me deixam sem fôlego. Tenho, então, de ir para fora, longe de todos os quartos empoeirados. Mas eles se assentam frios na sombra fria: em tudo ele sdesejam ser meros espectadores e cuidam de não se assentar onde o sol queima o lugar por onde se anda. Como aqueles que ficam nas ruas e observam os pensamentos que outros pensaram. Se a gente os agarra com as mãos deles sai uma nuvem de poeira como a que sai dos sacos de farinha, involuntariamente; mas quem adivinharia que a poeira deles vem do grão e do deleite amarelo dos campos de verão? Quando eles posam como sábios, seus pequenos epigramas e verdades me congelam: a sua sabedoria frequentemente tem um cheiro como se ela viesse dos pântanos; na verdade, eu até ouvi rãs coaxando de dentro dela. Eles são habilidosos e têm dedos espertos; por que razão haveria minha simplicidade de desejar estar perto da sua multiplicidade? Os seus dedos entendem tudo o que seja tecer, tricotar e dar nós: é assim que eles tricotam as meias do espírito.”

Num lugar do Ecce Homo, Nietzsche escreveu uma frase latina como se fosse seu programa filosófico existencial: “Ridendo dicere severum”, rindo, dizer as coisas sérias…

Bobo da corte
Em tempos antigos, segundo consta, quando os reis se reuniam com seus ministros graves e sérios, havia o Ministro do Riso, chamado bobo da corte. Essa expressão “bobo da corte” é enganosa. Porque a palavra “bobo”, na linguagem comum indica um tolo, que não entende o que se diz e que fala coisas sem sentido. Mas o “bobo da corte” é uma pessoa com a inteligência afiada para cortar as tolices das falas solenes das reuniões dos ministros. O bobo da corte é aquele que mostra a nudez e a vergonha do poder. Assim, como medida de proteção, ele tinha direitos que não eram dados a nenhum dos ministros sérios. Ele tinha permissão para fazer piadas sobre o próprio rei.

“Não é com o ódio que se mata, mas com o riso”. (Nietzsche)
Fonte: Rubem Alves; livro “Do universo à jabuticaba”, 2010 (Editora Planeta)

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* Marcos Fabiano 

A MERENDA DE MOMO
  
Quamquam ridentem dicere verum quid vetat?[O que impede quem ri de dizer a verdade?]Horácio
MEMORIAL DOS MUITOS DESCENDENTES DE DOM BIBAS, BUFÃO NA CORTE DE AFONSO HENRIQUES NO CASTELO DE GUIMARÃES, ANTES DA BATALHA DE ALJUBARROTA, SEGUNDO ALEXANDRE HERCULANO

caçoar é lançar a isca sem jamais içar o ranço, um ranger de roldana entre os ramos. de uma árvore multifrutífera, moída pela polia presa a um gancho. caçoar semelha um canto. às vezes estridente e lúgubre, aparelhado a guizos, áspero de ferrugem e nervosismo. e entretanto lindíssimo. caçoar dissolve o mau jeito no disfarce do embaraço de quem pela vitrine atalhe. caçoar incomoda aborrecidos e covardes. e os bajuladores mais convictos. caçoar sugere o indizível entre sorrisos (ridentem dicere verum): caçoar consagra os tolos mais espertos.

é ministério reservado às almas finas, ansiosas pela aparição da quarta crítica, de um Kant à maneira bizantina. caçoar procura ser suave, doce água de melissa, dolência aparentemente inofensiva. mas de aniquilação célere e mortífera, embora suas armas até pareçam impróprias: a criadagem e a galhofa. caçoar prodigaliza a causa nobre, sem medo do ridículo e seus escroques. a graça do grotesco é o favorito esporte: do humorista, do palhaço, do truão, do saltimbanco e do comediógrafo que tem Aristófanes por decano. mas há quem só veja na sátira o satânico, uma caldeira sobre flamas. no fundo, ledo engano: o cômico é o riso e o brinquedo da criança.

caçoar distribui a merenda de Momo na farra dionisíaca, o hidromel e a olímpica ambrosia. porém quem caçoa sempre se arrisca ao evitar censores e listas proibitivas. caçoar envolve a sagacidade de uma arte que pode virar fardo. é sabença dos homens de índole indomável, aqueles que só se curvam sabendo-se mais altos: o curinga (carta 13  do baralho), o homem que ri de Victor Hugo, o bobo da corte, o mímico mudo, o enforcado ou o louco com chapéu de asno. com todos eles, cuidado.

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e para ver e ouvir, uma tragédia de Verdi - Rigoletto

ária Bella figlia

ária La donna e mobile

ópera completa


alexandre herculano - o bobo

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António Moro - Perejón, bufón del conde de Benavente y del gran duque de Alba

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Velásquez -  O Bufão Calabacillas

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Jean_Fouquet-_Portrait_of_the_Ferrara_Court_Jester_Gonella

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Depiction of a jester by William Merritt Chase

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Stańczyk by Jan Matejko

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