sexta-feira, 29 de novembro de 2013

o domingo na poesia segundo vários escritores - 19 - os bobos e truões - 04

29 de Novembro de 2013 às 0:21
* Egito Gonçalves - Sobre os poemas
* Carles Baudelaire - La Betarice
* Guerra Junqueiro - Parasitas
* Manuel Bandeira - Bacanal

~~~~~~~~~~

* Egito Gonçalves

Sobre os poemas

         1

     Há poetas que constróem o mundo nos cafés,
     outros que o fazem no claro-escuro
     entre as prisões e os intervalos.

     Há poetas que aguardam cartas de apresentação
     nem eles sabem para onde:
     para a vida que falhou?, para a manteiga
     que lhes foi negada?

     Mas todos têm um sonho, todos
     se esforçam por valer o pão que amassam
     — lançam seu delicado peso na balança.

     Eles sabem, esses poetas,
     que nada é eterno e imutável.


        2

     Tal a "Cadeia de Santo Onofre:
     Copie o texto: envie a cinco amigos"...
     há poetas que se multiplicam, fendem
     a vaga limite, impedem o suicídio,
     explicam a vida, argamassam
     dedicação e raiva.

     Girassóis, rodam sobre si mesmos,
     indicam o ponto onde a luz se abre.


        3

     Há poetas cuja poesia reagrupa, fornece
     uma canção à cidade, martela
     os que dormem alheios, move-se
     silenciosamente ao jeito das estátuas.

     Pacífica vaca ruminando na linha do rumo;
     rosto impreciso solidificando breve;
     tênue tinta azul no papel claro ...

     Os poetas têm
     como os peles-vermelhas do cinema
     o seu fumo e os seus cobertores.


        4

     Há poetas que renegam cartas
     de apresentação para o arrivismo;
     recusam a mão ao salário da trampa;
     não enfeixam o nome e a desonra
     nos telegramas do medo.


     Enquanto bebem o café um histrião noturno
     arenga; executa o seu número; recebe
     por nova pirueta uma ajuda de custo.

~~~~~~~~~~

* Charles Baudelaire

La Betarice

Dans des terrains cendreux, calcinés, sans verdure,
Comme je me plaignais un jour à la nature,
Et que de ma pensée, en vaguant au hasard,
J'aiguisais lentement sur mon coeur le poignard,
Je vis en plein midi descendre sur ma tête
Un nuage funèbre et gros d'une tempête,
Qui portait un troupeau de démons vicieux,
Semblables à des nains cruels et curieux.
À me considérer froidement ils se mirent,
Et, comme des passants sur un fou qu'ils admirent,
Je les entendis rire et chuchoter entre eux,
En échangeant maint signe et maint clignement d'yeux:
— «Contemplons à loisir cette caricature
Et cette ombre d'Hamlet imitant sa posture,
Le regard indécis et les cheveux au vent.
N'est-ce pas grand'pitié de voir ce bon vivant,
Ce gueux, cet histrion en vacances, ce drôle,
Parce qu'il sait jouer artistement son rôle,
Vouloir intéresser au chant de ses douleurs
Les aigles, les grillons, les ruisseaux et les fleurs,
Et même à nous, auteurs de ces vieilles rubriques,
Réciter en hurlant ses tirades publiques?»
J'aurais pu (mon orgueil aussi haut que les monts
Domine la nuée et le cri des démons)
Détourner simplement ma tête souveraine,
Si je n'eusse pas vu parmi leur troupe obscène,
Crime qui n'a pas fait chanceler le soleil!
La reine de mon coeur au regard nonpareil
Qui riait avec eux de ma sombre détresse
Et leur versait parfois quelque sale caresse.


— Charles Baudelaire



~~~~~~~~~~

* Guerra Junqueiro

Parasitas

No meio duma feira, uns poucos de palhaços
Andavam a mostrar, em cima dum jumento
Um aborto infeliz, sem mãos, sem pés, sem braços,
Aborto que lhes dava um grande rendimento.
Os magros histriões, hipócritas, devassos,
Exploravam assim a flor do sentimento,
E o monstro arregalava os grandes olhos baços,
Uns olhos sem calor e sem entendimento.
E toda a gente deu esmola aos tais ciganos:
Deram esmola até mendigos quase nus.
E eu, ao ver este quadro, apóstolos romanos,
Eu lembrei-me de vós, funâmbulos da Cruz,
Que andais pelo universo há mil e tantos anos,
Exibindo, explorando o corpo de Jesus.

~~~~~~~~~~

*  Manuel Bandeira

    Bacanal

    Quero beber! cantar asneiras
    No esto brutal das bebedeiras
    que tudo emborca e faz caco...

    Quero beber! cantar asneiras
    No esto brutal das bebedeiras
    que tudo emborca e faz caco...
          Evoe' Baco!

    La se me parte a alma lavada
    No torvelim da mascarada,
    A gargalhar em doudo assomo...
         Evoe' Momo!

    Lacem-na toda, multicores,
    As serpentinas dos amores,
    Cobras de lividos venenos ...
         Evoe' Venus!

    Se perguntarem: Que mais queres,
    Alem de versos e mulheres?...
    - Vinhos!... o vinho que é meu fraco!...
         Evoe' Baco!

    O alfange rutilo da lua,
    Por degolar a nuca nua
    Que me alucina e que eu nao domo!...
         Evoe' Momo!

    A Lira etérea, a grande Lira!...
    Por que eu extatico desfira
    Em seu louvor versos obscenos,
         Evoe' Venus!


               Manoel Bandeira (publicada em 1918)

----------

vem de o domingo na poesia segundo vários escritores - 18 - os bobos e truões - 03

~~~~~~~~~~

Diogo Rivera -- Revolução Mexicana
Diogo Rivera -- Revolução Mexicana



Caravaggio - Os trapaceiros
Caravaggio - Os trapaceiros



Caravaggio - Baco

Caravaggio - Baco

Vigee Lebrun - Bacchante

Vigee Lebrun - Bacchante

Frieze in Seefeld (Zürich) por A. Meyer (1900)

Frieze in Seefeld (Zürich) por A. Meyer (1900)

O jovem Baco e seus seguidores, (1884) de William-Adolphe Bouguereau

O jovem Baco e seus seguidores, (1884) de William-Adolphe Bouguereau

A Bacanal, de Peter Paul Rubens.

A Bacanal, de Peter Paul Rubens.

Sem comentários: