quinta-feira, 30 de maio de 2013

Domingos Lobo - Singularidades do policial português


Avante!

N.º 2061 

30.Maio.2013 

 


  • Domingos Lobo 


A propósito de Agora e na Hora da Sua Morte, 
de Luís Filipe Costa
Singularidades do policial português
Não sou dos que consideram o romance policial, ou o de aventuras, ou de ficção científica (sendo este último, atavio nitidamente exagerado para designar o género) uma literatura menor, como advoga Umberto Eco. Os autores que cultivaram o policial, desde sir Conan Doyle, deixaram um lastro de argúcia e observação dos comportamentos humanos que a chamada grande literatura nem sempre conseguiu. O Homem que Via Passar os Comboios, de Simenon, é ainda hoje considerado um dos grandes romances psicológicos do século XX e o seuMaigret uma das grandes personagens que a literatura foi capaz, enquanto definidora de retratos humanos, como dizia Zola, de inventar. O mesmo para o Poirot, de Agatha Christie.
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Quanto aos portugueses, que começam a seduzir-se pelo género em meados do século XIX arrastados pelos alvores de uma subliteratura popular, de folhetim e de cordel, a novela negra de aventuras, como então se designava, levou o nosso Camilo (também ele sempre apertado por impostos e, pior que isso, com a Justiça a atenazar-lhe o ferrolho) a iniciar-se no género ou, pelo menos, a integrar nos seus romances alguns dos seus códigos: Anátema, de 1881, Mistérios de Lisboa, de 1865, e O Livro Negro do Padre Dinis, de 1855.


Esta mesma atracção – se bem que aqui não seriam as urgências de escreviver que levaram os seus autores, em despique de génios, a enveredar pelo thriller – convocaria Eça de Queirós e Ramalho Ortigão para a escrita de O Mistério da Estrada de Sintra, um dos mais soberbos livros de género, a cujo policial se entrecruzaria, em substantivo linimento, o fantástico; policial entendido como um jogo perverso, só possível pela capacidade inventiva dos autores em presença.
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Autores de prestígio, e vindos até de outras áreas da estética e do pensamento literário, não desdenharam experimentar o policial: Fernando Namora, com esse magnífico romance que éO Rio Triste, que David Mourão-Ferreira considerou o mais acabado e formalmente conseguido romance de género; Roussado Pinto (o Ross Pin), Orlando Neves e Diniz Machado, este último com policiais herdados do cinema negro americano e de autores como Hammett e Raymond Chandler; Maria Estela Guedes e, já nos anos 1980, o romance Adeus, Princesa, de Clara Pinto Correia. Os finais dos anos 1970 trouxeram-nos ainda um romance notável, que podemos, sem esforço, incluir no género: Square Tolstoi, de Nuno Bragança. Mas o grande período criador do policial tuga inicia-se nos anos 80. Nessa década aparecem livros de grande ousadia formal, alguns dos quais ainda hoje podemos considerar dos mais interessantes e lidos – e não só, posto que o cinema igualmente os transformou numa outra linguagem quiçá mais acessível ao grande público:Crónica dos Bons Malandros, de Mário Zambujal e Balada da Praia dos Cães, de José Cardoso Pires. Igualmente, a novelaCinco Dias, Cinco Noites, de Manuel Tiago/Álvaro Cunhal, não se afasta dos códigos presentes em muitos textos do género.
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Mas o policial estruturado e autónomo, eivado da influência anglo-saxónica (mas fortemente inspirado em Boris Vian, no humor, no cinismo, no contínuo tropeçar no non sense), começa com a colecção Caminho Policial, pela qual passam autores como Justino Pamplona, Luis Rodrigues, Henrique Nicolau, Ana Teresa Pereira e Artur Cortez (este um pseudónimo de Modesto Navarro, que o autor revelaria, já com nome próprio, no romanceO Deputado). Francisco José Viegas, próximo do universo formal do catalão Montalban, venceu, com um policial, Longe de Manaus, um grande prémio da APE o mesmo acontecendo a uma das escritoras mais inovadoras da nossa actual ficção: Ana Teresa Pereira. No universo do policial desbragado e pícaro, que torna o género singular entre nós, devemos incluir Miguel Barbosa e o seu Rusty Brow, José Prata, com um livro pleno de inventiva e de humor desarmante, Os Coxos Dançam Sozinhos, e esse criativo de língua e de ambientes, de imaginação desabrida e delirante, torrencial na subversão do género: Que Puta de Vida, de Luís Lopes, livro a vários títulos brilhante, dos mais originais e soberbos romances policiais portugueses publicados nas últimas décadas.
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A estes devo acrescentar um livro raro, raro pela argúcia, pela sensibilidade, pela destreza descritiva, pela inventiva abordagem do real, pelo novo e enxuto da linguagem, pela reinvenção vocabular e metafórica – Agora e Na Hora da Sua Morte, de Luís Filipe Costa. Publicado em 1988, pela Caminho, só em 2008 conheceria uma 2ª. edição. Vinte anos volvidos, a sedução e frescura permanecem e, sabemo-lo hoje, o policialindígena raramente alcançou este patamar de causticidade, de humor, do rumor manso e nostálgico que este livro, subrepticiamente, transporta. O crimezinho, o tal que dá tom, substância à coisa, apanha-nos logo na primeira página, com facadas, sangue e polícias como mandam as normas. Mas o autor envia as normas para o recreio e deixa-nos pendurados uma caterva de páginas e esse tempo, o tempo literário que se divide em três dias – sexta, sábado, domingo – é gasto a percorrer a Lisboa nocturna dos finais dos anos 1980; a trazer-nos retratos deslassados, cruéis, memórias, desencantos, restos de um tempo de júbilo e retraimento, as rugas dessa esquerda festiva (ou caviar?) que o autor já cronicara brilhantemente no livro Uma Borboleta na Gaiola. Tempo perdido? Antes pelo contrário: a escrita de Luís Filipe Costa percorre esse esquivo corpo, os lanhos de uma revolução a derruir, do regresso lento à apagada e vil tristeza que parece tolher-nos num fadário de concêntricos ciclos. E tudo isto contado como quem respira ou bebe um uísque de cambalacho num bar de alterne; como um guião de cinema que apenas apontasse ao realizador a essência, sem a gravidade de quem tem na máquina de escrever a redenção de todas as malfeitorias que nos lixam a vida. Deixar sinais desses «amigos de Alex» que o tempo, a vidinha, a cidade já tragaram e andar, partir para outra, que há tanta urgência em dizer o real que nos morde às canelas, que outro real mais avassalador, como as ondas, nos assalta de emboscada: a memória é feita de farrapos esparsos no vento e o futuro é agora.
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Perdemos apenas uma revolução ou envelhecemos? Deixámos de ser ingénuos e saímos das paixões mais sós e derrotados, a preparar nos outros o nosso próprio suicídio? Amargo, este livro? Nem tanto: a doer-nos, dado que neste humor cáustico, nestes retratos da tribo urbana que sonhou, nas mesas doVává, do Suprema, do Monte Carlo, salvar o mundo e desse desígnio perdeu o rumo, as ilusões e o futuro, nos reconhecemos um pouco – sem amargura nem êxtase.
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E, no entanto, saímos deste livro acreditando com muita convicção que ainda podemos, devemos ousar e, como nos idos de 1960, exigir realisticamente o impossível.

quarta-feira, 29 de maio de 2013

Bee Wilson - A evolução natural na cozinha


COPY&PASTE

QUARTA-FEIRA, 5 DE DEZEMBRO DE 2012


A evolução natural na cozinha


por Thaís Serafini designer de produto e editora de conteúdo para a web, apaixonada por leituras, pesquisa e reflexões sobre design no cenário atual e em suas direções para o futuro. Tudo isso e mais algumas divagações estão disponíveis em seu blog Cataclisma Material.


Os armários e as gavetas da cozinha compõem um prato cheio para designers e apaixonados pelo assunto. Utensílios novos convivem com antigos, materiais diversos se misturam e funcionalidade quase sempre é a palavra de ordem. Como vocês já devem ter percebido nos meus posts por aqui, eu mesma adoro falar de objetos de cozinha, e por isso também achei super interessante o artigo da Época que compartilho.

O texto fala do Consider the fork, um livro recém-lançado nos Estados Unidos que trata da origem e do destino dos utensílios culinários desde a pré-história até os dias de hoje. Bee Wilson, uma historiadora de gastronomia, reúne muitos exemplos de objectos conhecidos e desconhecidos, antigos e novos, para comparar a evolução dos utensílios da cozinha com a evolução das espécies através da seleção natural. 





E, para finalizar, além dos gráficos interessantes acima, uma curiosidade: você sabe qual o utensílio de cozinha mais antigo que se tem registro - criado há cerca de 2 milhões de anos, antes mesmo da invenção do fogo? Talvez seja óbvio e mesmo surpreendente, mas estamos falando da faca! 

Imagens via

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Bee Wilson desvenda «A História da Invenção na Cozinha»







03-05-2013 às 13:16
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Bee Wilson desvenda «A História da Invenção na Cozinha»


Origem e evolução dos utensílios, a sua influência na textura, sabor e valor nutricional dos alimentos são o que oferece o livro «A História da Invenção na Cozinha», de Bee Wilson, editado pela Temas & Debates.

«Uma  colher  de  pau  – o  mais  fiel  e  adorável  dos  utensílios  de cozinha – parece ser o oposto da «tecnologia», na aceção mais geral desta palavra. Mas observemos  com atenção uma colher de  pau.  É  oval  ou  redonda?  Côncava  ou  rasa?  Talvez  o  cabo seja  muito   comprido,  para   que   a   nossa  mão   fique   mais protegida   de   uma   caçarola   quente?   Talvez   tenha   uma extremidade  bicuda  num  dos  lados,  para  chegar  aos  cantos  de uma caçarola?
Foram  precisas  inúmeras  invenções,  grandes  e  pequenas,  para chegar às bem equipadas cozinhas de que dispomos agora, onde a nossa amiga colher de pau de baixa tecnologia ombreia com misturadoras,  frigoríficos  e  micro-ondas.  Mas  a  história  da invenção humana na cozinha é quase desconhecida. Nesta obra conta-se como domesticámos o fogo e o gelo, como desenvolvemos  batedeiras,  colheres,  raladores,  espremedores, 
pilões  e  almofarizes,  como  usámos  mãos  e  dentes,  tudo  em nome de garantirmos o alimento diário. Há engenho inventivo oculto  nas  nossas  cozinhas  que  influencia  a  maneira  como cozinhamos e comemos. Este não é um livro sobre a tecnologia da   agricultura,   nem   acerca   da   tecnologia   da   cozinha   de restaurante.  Fala-nos  do  sustento  quotidiano  dos  lares  e  dos benefícios  (e  riscos)  que  os  diferentes  utensílios trouxeram  ao ato de cozinhar.»


segunda-feira, 20 de maio de 2013

José Luís Peixoto - Livro


Quero Um Livro
 07 Janeiro 2011
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"Este livro elege como cenário a extraordinária saga da emigração portuguesa para França, contada através de uma galeria de personagens inesquecíveis e da escrita luminosa de José Luís Peixoto. Entre uma vila do interior de Portugal e Paris, entre a cultura popular e as amais altas referências da literatura universal, revelam-se os sinais de um passado que levou milhares de portugueses à procura de melhores condições e de um futuro com dupla nacionalidade. Avassalador e marcante, Livro expõe a poderosa magnitude do sonho e a crueza, irónica, terna ou grotesca, da realidade. Através de histórias de vida, encontros e despedidas, os leitores de Livro são conduzidos a um final desconcertante onde se ultrapassam fronteiras da literatura."



José Luís Peixoto nunca foi um autor que me chamasse à atenção, aliás sempre achei que não gostava dele... Não faço ideia de onde vinha essa certeza, que me lembre nunca tinha lido nada dele até hoje. Pode ter acontecido ter-me passado pelas mãos algum livro dele, quando era muuuiittoooo mais nova e não ter gostado, mas sinceramente não me recordo. Aponto mais para o facto de ter, por alguma razão, confundido o nome dele com o de algum autor que não gostei. É possível, visto a minha memória para nomes ser má e o meu conhecimento de escritores portugueses contemporâneos ser vergonhosamente deficiente. :/ O importante aqui é que esse erro foi corrigido e José Luís Peixoto entrou na lista dos escritores que gosto e que quero continuar a ler. :)


Livro de José Luís Peixoto está dividido em duas partes, claramente distintas uma da outra. Na primeira parte o autor narra a história de amor de Ilídio e Adelaide, numa aldeia do interior de Portugal. Um amor feito de olhares, de sentimentos não falados, de silêncios e de desencontros gerados pela miséria, pela vergonha, pela ignorância e pela inveja. Quando Adelaide é forçada a partir para França, Ilídio parte atrás dela. Adelaide e Ilídio servem de pretexto para que conheçamos as condições duras da viagem mas, também a solidariedade dos espanhóis que ajudavam os portugueses até à fronteira francesa. É através deste dois, que partiram por razões completamente diferentes das dos seus companheiros de viagem, que José Luís Peixoto nos vai dando conta das condições difíceis que esperavam os portugueses em França com a descriminação e o trabalho duro.

Esta primeira parte do livro é angustiante, é triste, miserável como a vida de quase todos os que nele aparecem. José Luís Peixoto consegue, com as palavras e pela forma como as utiliza, transmitir emoções fortes, consegue chocar-nos, deixar-nos confusos e muitas vezes enojados, apanha-nos desprevenidos e somos confrontados com situações que nos deixam sem defesas e sem reacção, engolimos em seco. Ao mesmo tempo o Livro consegue fazer-nos sorrir, porque nem tudo na vida são desgraças, porque existem situações caricatas, estranhas, quase cómicas e porque as personagens são na sua essência puras, inocentes e a esperança acaba por ser um sentimento que vagueia pelas páginas do livro. De alguma forma, temos a certeza de que tudo acabará bem. :)

A segunda parte do livro é mais leve, o estilo de escrita muda completamente e o cenário é mais luminoso e risonho. Não será coincidência que a primeira parte acabe pouco dias depois do 25 de Abril. :) Aqui José Luís Peixoto, como diz a sinopse, ultrapassa as fronteiras da literatura e interage com o leitor, provocando-o. Esta parte termina a história, não sem alguma estranheza pela personagem que nela nos é apresentada... Quase irreal, quase uma personagem ela própria. :)

Porque vim de um livro completamente diferente (The Cider House Rules) em termos de escrita, John Irving enche as histórias de pormenores e normalmente chego ao fim dos livros dele cansada, fisicamente cansada, entrar na escrita mais simples, sem ser linear de José Luís Peixoto custou-me um pouco. Adaptar-me a uma linguagem mais próxima dos sentimentos, mais límpida foi uma questão que tive de ultrapassar no início. Mas depois desse período de adaptação a leitura, embora feita de uma forma calma, foi de certa forma compulsiva. Não acho que este livro deva ser um livro de leitura rápida mas sim um daqueles em que saboreamos as palavras e a musicalidade da escrita.

Gostei e agora gostava de ler um dos anteriores do José Luís Peixoto pois, pelo que me consta este é diferente de todos os outros.

Recomendo sem reservas!

Boas leituras!
Publicada por N. Martins à(s) 12:10 
Diário de Notícias

LIVROS

José Luís Peixoto dá vida ao rapaz 'Livro'

por Lusa25 agosto 2010Comentar
Escritor José Luís Peixoto
Escritor José Luís Peixoto
Fotografia © Dn / Gonçalo Villaverde

No novo romance de José Luís Peixoto, que chega às livrarias portuguesas a 24 de Setembro, 'Livro' é nome de pessoa, do protagonista da história, centrada na emigração portuguesa para França nas décadas de 1960 e 1970.
'A história é maravilhosa, desde a primeira frase do livro', disse hoje à Lusa Francisco José Viegas, director editorial da Quetzal, que está a reeditar a obra de José Luís Peixoto. E a primeira frase é 'A mãe pousou o livro nas mãos do filho'.
'Uma mãe abandona um filho para poder emigrar e, muitos anos depois, os seus destinos voltam a cruzar-se, num enredo de coincidências portuguesas, amores desencontrados, bibliotecas, livros de que se gosta muito -- e é já o 25 de Abril, com uma segunda geração de emigrantes que são portugueses em França e franceses em Portugal', resumiu.
O livro -- explicou o editor -- está dividido em duas partes distintas: 'A primeira trata especificamente de uma história de emigração, dramática, muito realista, cheia de histórias e de episódios que dificilmente esqueceremos'.
'A segunda trata deste personagem curioso e fascinante, que tem um nome ainda mais estranho: Livro. É o nome dele, do rapaz. Livro. E é um brilhante delírio sobre literatura, bibliofilia, Portugal, a emigração, o cruzamento de culturas...', prosseguiu.
José Luís Peixoto, de 35 anos, vencedor do Prémio Literário José Saramago em 2001 com o seu romance de estreia, 'Nenhum Olhar', publicou depois mais dois romances, 'Uma Casa na Escuridão' (2002) e 'Cemitério de Pianos' (2006), que a crítica considerou estarem ainda sob a sombra do primeiro.
Quanto a 'Livro', o quarto romance, diz Francisco José Viegas que 'é o romance dessa libertação, sem dúvida'.
'Já não é tão autobiográfico, se se quiser; é uma construção romanesca muito séria, muito trabalhada, muito pensada para além do espaço pessoal e intimista', sustentou.
'Penso que é a grande obra da maturidade de José Luís Peixoto que, mantendo os sinais e as marcas que construíram o seu universo de leitores e admiradores, vai mais além, ultrapassa o universo 'dos fãs' e conquistará certamente mais leitores', defendeu o editor.
Segundo Viegas, 'não é por acaso que este livro demorou tanto tempo a ser escrito. É o resultado de um amadurecimento. E também de uma confiança natural, que nasce do facto de o José Luís Peixoto ser um dos autores portugueses mais traduzidos, lidos e apreciados no estrangeiro'.
A Quetzal, que reeditou já, com a colaboração do autor, toda a sua ficção, desde 'Morreste-me' até 'Cemitério de Pianos', prepara-se agora para reeditar a sua poesia ('A Criança em Ruínas', 'A Casa, a Escuridão' e 'Gaveta de Papéis'), que inaugurará a colecção de poesia da editora.
'Vai ser uma colecção muito bonita -- afiançou Francisco José Viegas -- graficamente ainda mais cuidada do que já costumam ser os livros da Quetzal, onde, para abrir, além do José Luís Peixoto, vamos publicar o João Luís Barreto Guimarães e a obra completa de um grande autor cabo-verdiano, um poeta notável e praticamente desconhecido, João Vário'.
Além disso, indicou ainda, no próximo ano a editora publicará um livro infantil de José Luís Peixoto, 'Mãe, Mãe', e, em finais de 2011, um conjunto de novelas.

José Luís Peixoto
TERÇA-FEIRA, 21 DE SETEMBRO DE 2010
Romance-resumo
Crítica a Livro, in Jornal de Letras
Por Miguel Real

Desde a década de 60 que a historiografia do romance português tem provado que não só a forma (a estrutura) ilumina o conteúdo como marca indelevelmente a singularidade de cada narrativa, prestando-lhe um rosto literário específico. Estamos hoje longe, cronológica e teoreticamente, do tempo em que da prisão "António Vale"/Álvaro Cunhal ditava não ter qualquer razão de ser "a objecção de que a sobreposição do conteúdo à forma não é fecunda no ato de criação artística. No próprio processo de criação, como norma para alcançar um nível superior, é válido o princípio - primeiro o conteúdo", bem como o tempo em que Almeida Faria e Nuno Bragança submetiam o conteúdo narrativo ao primado da forma.

Possivelmente, o novo romance de José Luís Peixoto, Livro, ficará na história da literatura portuguesa como o símbolo máximo da sobredeterminação da forma face ao conteúdo. Com efeito, se o autor tivesse optado por outra organização estrutural, o romance, ainda que com o mesmo conteúdo, seria todo outro, radicalmente outro.

Neste sentido, dando primazia à forma, Livro é, espantosamente, uma síntese da história do romance português desde Eça e Camilo.

Primeiro, quando ao conteúdo, é profundamente realista ("a realidade bem observada e a observação bem exprimida", Eça), narrando a história de uma família desencontrada (sem apelido) e de uma vila (sem nome) portuguesas ao longo de 70 anos do século XX, descrevendo situações típicas do subdesenvolvimento do interior rural, bem como da reacção campesina, emigrando para França, na década de 60.

Segundo, Livro abandona-se, não raro, ao naturalismo (vida de Galopim e do irmão deficiente; mulher lobo na raia entre Portugal e Espanha; a morte da velha Lubélia; a existência diária do Daquele da Sorna...).

Terceiro, com a adolescência de Livro (nome do narrador personagem, não título do romance) em Paris, os "eus" psicológicos, até então profundamente sólidos, dotados de entidade pessoal, estilhaçam-se, multiplicando as pulsões no seu interior (Livro opera uma deriva existencial; Adelaide, sua mãe, divide-se interiormente entre educação portuguesa provinciana e os novos costumes parisienses; Constantino, seu putativo pai, falhado o maio de 68 e a Revolução dos Cravos, esquizofreniza-se, incorporando a figura revolucionária de "Lenine", tratando o filho por pai e a mulher por mãe). É a pulsão "presencista" (psicologista) do romance português, nomeadamente a multiplicação dos "eus" de O Jogo da Cabra Cega (1934), de José Régio.

Em quarto lugar, criticando o neorrealismo (p. 238), o narrador assume, na segunda parte, o desconstrutivismo das décadas de 60 e de 70, o fragmentarismo, a auto-referencialidade, o pós-modernismo (p.227), a confluência sincrética, por vezes caótica, de estilos, de textos de proveniência diversa (citação amiúde de nomes de autores, listas de livros, inquérito ao leitor...), evidencia ointelectualoidismo narrativo próprio daquelas décadas (grafia de "Heraclito, o Efésio" em grego clássico), o privilégio da conotação face à denotação...

Em quinto lugar, enquanto totalidade romanesca, recupera a categoria de "grande narrativa" (décadas de 80 e 90) como arte de contar uma história com princípio, meio e fim (as vidas de Adelaide e Ilídio).

Assim, Livro estatui-se, tanto estilisticamente quanto ao nível do conteúdo, como um romance resumo da história do romance português de Eça de Queirós a Francisco José Viegas. Parafraseando Pessoa, Livro é uma espécie de novelo narrativo com a ponta virada para fora, puxada a qual se desenrola a nossos olhos a história portuguesa dos últimos 70 anos (Salazar e a Pide; os párocos de aldeia, coniventes com o poder político; a miséria dos campos; os ricos - a família de Dona Milú - e os pobres - a vila inteira, sem esgotos, sem ruas alcatroadas, sem água canalizada; a história da emigração; o 25 de abril e a adesão à Europa; a riqueza de pato-bravo dos emigrantes; as casas de fachada forrada de azulejos de casa de banho...).

De forma circular, automanifestando a génese do narrador e das condições existenciais da narração, operando por vezes um diálogo explícito com o narratário (p.247), substituindo os capítulos clássicos por fragmentos titulados por letras, números e datas, jogando um puzzle de peças soltas unificadas pela consciência do leitor, Livro constitui um magnífico retrato, à entrada do século XXI, do modo de narração de uma história, simultaneamente obedecendo e subvertendo a tirania da cronologia.

História de uma dupla educação (Ilídio e Livro), José Luís Peixoto mantém o seu lirismo singular em Livro, estatuindo a frase entre a racionalidade do realismo descritivo e a emoção do verso poético. Porém, à medida que nos afastamos deMorreste-me e de Nenhum Olhar, suas primeiras narrativas, o lirismo tem vido a perder uma carga hiperbolizante, denotada pela figura da reiteração, amplificando fragmentos de sentido na consciência do leitor, tornando-se pragmaticamente comedido. De qualquer modo, Livro possui a explícita marca do lirismo, com o princípio da subjectividade do narrador, envolvendo e dominando o princípio da objetividade (o realismo). Lexicalmente, assiste-se a confluência entre um vocabulário rural e um vocabulário urbano, e, por vezes, sobretudo nas falas de Cosme da segunda parte, explicita-se o patuá da emigração portuguesa para França.

Se deveras não nos irritasse o prefixo da palavra "pós-modernismo" (uma mera moda literária que preenche a ausência da palavra correta que a todos nos falta para designar a literatura de hoje), estaríamos tentados a classificar Livro como o grande romance do pós-modernismo português. Preferimos, antes, chamar a atenção do leitor para o facto, iniludível, de que, com Livro, se inicia a maturidade literária de um grande escritor.
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quinta-feira, 16 de maio de 2013

poesia de Paul Verlaine




Il pleut dans mon coeur...
Paul Verlaine (1844-1896)

Il pleut doucement sur la ville.
Arthur Rimbaud


Il pleure dans mon coeur
Comme il pleut sur la ville,
Quelle est cette langueur
Qui pénètre mon coeur ?

Ô bruit doux de la pluie
Par terre et sur les toits !
Pour un coeur qui s'ennuie
Ô le chant de la pluie !

Il pleure sans raison
Dans ce coeur qui s'écœure.
Quoi ! nulle trahison ?
Ce deuil c'est sans raison.

C'est bien la pire peine
De ne savoir pourquoi,
Sans amour et sans haine,
Mon coeur a tant de peine !


Llora en mi corazón...

Llueve suavemente sobre la ciudad
Arthur Rimbaud

Llora en mi corazón
Como llueve sobre la ciudad
¿Qué es esta desazón
Que penetra mi corazón?

Ay, ruido dulce de la lluvia
Por la tierra y sobre los techos
Para un corazón que es abulia
Ay, el canto de la lluvia

Llora y no hay razón
En este corazón que siente asco
¡Qué! ¿Ninguna traición?
Este duelo se da sin razón

Y es así de todos el peor dolor
De no saber por qué
Sin amor y sin rencor
Mi corazón tiene tanto dolor

Libellés : 


Même Féerie 
Paul Valéry (1871-1945)

La lune mince verse une lueur sacrée,
Comme une jupe d'un tissu d'argent léger,
Sur les masses de marbre où marche et croit songer
Quelque vierge de perle une gaze nacrée.

Pour les cygnes soyeux qui frôlent les roseaux
De carènes de plume à demi lumineuse,
Sa main cueille et dispense une rose neigeuse
Dont les pétales font des cercles sur les eaux.

Délicieux désert, solitude pâmée,
Quand le remous de l'eau par la lune lamée
Compte éternellement ses échos de cristal,

Quel coeur pourrait souffir l'inexorable charme
De la nuit éclatante au firmament fatal,
Sans tirer de soi-même un cri pur comme une arme?


Encantamiento

Vierte la luna débil sus albores sagrados
como una basquiña ,de vaporoso argento
sobre moles de mármol que cruza el soñoliento
paso de alguna virgen en velos nacarados.

A los cisnes sedeños que abren los juncales
con su quilla de pluma donde la luz reposa
les deshoja su mano la más nevada rosa,
y en el agua los pétalos difunden espirales.

Soledad extasiada, dulcificante duna,
cuando el agua hervorosa bruñida por la luna
sus voces cristalinas sin término propaga,

-¿qué alma padeciera la magia inexorable
de la rútila noche con su cielo implacable
sin exhalar un grito puro como una daga?

Versión de Carlos López Narváez
Libellés : 

Les pas
Paul Valéry (1871-1945)

Tes pas, enfants de mon silence,
Saintement, lentement placés,
Vers le lit de ma vigilance
Procèdent muets et glacés.

Personne pure, ombre divine,
Qu'ils sont doux, tes pas retenus
!Dieux !... tous les dons que je devine
Viennent à moi sur ces pieds nus !

Si, de tes lèvres avancées,
Tu prépares pour l'apaiser,
A l'habitant de mes pensées
La nourriture d'un baiser,

Ne hâte pas cet acte tendre,
Douceur d'être et de n'être pas,
Car j'ai vécu de vous attendre,
Et mon coeur n'était que vos pas


Los pasos


Pasos nacidos de un silencio
tenue, sagradamente dados,
hacia el recinto de mis sueños
vienen tranquilos, apagados.

Rumores puros y divinos,
todos los dones que descubro
-¡oh blandos pasos reprimidos!-
llegan desde tus pies desnudos.

Si en el convite de tus labios
ecoge para su sosiego
mi pensamiento -huésped ávido-
el vivo manjar de tu beso.

Avanza con dulzura lenta,
con ternura de ritmos vagos:
como ha vivido de tu espera,
mi corazón marcha en tus pasos.
Libellés : 


allade de la mauvaise réputation 
Paul Verlaine (1844-1896)

Il eut des temps quelques argents
Et régla ses camarades
D'un sexe ou deux, intelligents
Ou charmants, ou bien les deux grades,
Si que dans les esprits malades
Sa bonne réputation
Subit que de dégringolades!
Lucullus? Non. Trimalcion.

Sous ses lambris, c'étaient des chants
Et des paroles point trop fades.
Eros et Bacchos indulgents
Présidaient à ces sérénades
Qu'accompagnaient des embrassades.
Puis choeurs et conversation
Cessaient pour des fins peu maussades.
Lucullus? Non. Trimalcion.
L'aube pointait et ces méchants
La saluaient par cent aubades
Qui réveillaient au loin les gens
De bien, et par mille rasades.
Cependant de vagues brigades
- Zèle ou dénonciation -
Verbalisaient chez des alcades.
Lucullus? Non. Trimalcion.


Balada de la mala reputación

A veces tuvo algún dinero
e invitó a sus camaradas
de un sexo o de dos, inteligentes
o encantadores, o bien ambas cosas,
sin que en los espíritus enfermos
su buena reputación
sufriese más que tropezones.
¿ Lúculo ? No, ¡Trimalción !

Bajo sus artesonados, cantos
y palabras nada insípidas,
Eros y Baco, indulgentes,
Presidían aquellas serenatas
Acompañadas por abrazos.
Luego, coros y conversaciones
Cesaban para unos fines poco severos.
¿ Lúculo ? No, ¡Trimalción !
El alba despuntaba y aquellos malvados
la saludaban con cien alboradas
que despertaban, y con mil brindis,
de lejos a las gentes de bien.
Sin embargo, vagos brigadas
-¿ celo o denuncia ? -
verbalizaban en las alcaldías.
¿ Lúculo ? No, ¡Trimalción !

Libellés : 

Promenade sentimentale 
Paul Verlaine (1844-1896)

Le couchant dardait ses rayons suprêmes
Et le vent berçait les nénuphars blêmes ;
Les grands nénuphars entre les roseaux
Tristement luisaient sur les calmes eaux.
Moi j'errais tout seul, promenant ma plaie
Au long de l'étang, parmi la saulaie
Où la brume vague évoquait un grand
Fantôme laiteux se désespérant
Et pleurant avec la voix des sarcelles
Qui se rappelaient en battant des ailes
Parmi la saulaie où j'errais tout seul
Promenant ma plaie ; et l'épais linceul
Des ténèbres vint noyer les suprêmes
Rayons du couchant dans ses ondes blêmes
Et des nénuphars, parmi les roseaux,
Des grands nénuphars sur les calmes eaux.


Paseo sentimental

El ocaso lanzaba sus rayos supremos
Y el viento mecía los nenúfares pálidos;
Los grandes nenúfares, entre las cañas,
Lucían tristemente sobre las aguas quietas.
Yo, erraba solo, paseando mi llaga
A lo largo del estanque, entre los sauces
Donde la vaga bruma evocaba un gran
Fantasma lechoso desesperándose
Y llorando con la voz de los ánades
Que se llaman batiendo sus alas
Entre los sauces donde yo erraba solo
Paseando mi llaga; y la espesa mortaja
De las tinieblas vino a ahogar los supremos
Rayos del ocaso en esas olas pálidas
De los nenúfares entre las cañas,
Los grandes nenúfares sobre las aguas quietas.
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terça-feira, 7 de maio de 2013

Poesia de Arthur Rimbaud



Fêtes de la faim
Arthur Rimbaud (1854-1891)

Ma faim, Anne, Anne,
Fuis sur ton âne.

Si j'ai du goût, ce n'est guères
Que pour la terre et les pierres.
Dinn ! dinn ! dinn ! dinn ! Mangeons l'air,
Le roc, les charbons, le fer.

Mes faims, tournez. Paissez, faims,
Le pré des sons !
Attirez le gai venin
Des liserons ;

Mangez
Les cailloux qu'un pauvre brise,
Les vieilles pierres d'église,
Les galets, fils des déluges,
Pains couchés aux vallées grises !

Mes faims, c'est les bouts d'air noir ;
L'azur sonneur ;
- C'est l'estomac qui me tire.
C'est le malheur.

Sur terre ont paru les feuilles !
Je vais aux chairs de fruit blettes.
Au sein du sillon je cueille
La doucette et la violette.

Ma faim, Anne, Anne !
Fuis sur ton âne.


Fiestas del hambre

Mi hambre, Ana, Ana,
huye a lomos de tu borrico.

Si a algo tengo afición, no será
más que a la tierra y a las piedras.
¡Ding! ¡Ding! ¡Ding! ¡Ding! Pazco aire,
rocas, Tierras, hierro.

Hambres mías, girad. ¡Pastad, hambres,
del prado de los sonidos!
Después del amable y vibrante veneno
de las corregüelas.

Los guijarros que un pobre rompe,
las viejas piedras de iglesia,
los cantos rodados, hijos de los diluvios,
¡panes que yacen en los valles grises!

Mis hambres son los fragmentos de aire negro;
el azul resonante;
es el estómago quien me arrastra.
Es la desdicha.

Por tierra aparecieron las hojas:
voy por las carnes de las frutas pochas.
En el seno del surco recojo
hierba de los canónigos y violetas.

Mi hambre, Ana, Ana,
huye a lomos de tu borrico.
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Sensation
Arthur Rimbaud (1854-1891)

Par les soirs bleus d'été, j'irai dans les sentiers,
Picoté par les blés, fouler l'herbe menue :
Rêveur, j'en sentirai la fraîcheur à mes pieds.
Je laisserai le vent baigner ma tête nue.

Je ne parlerai pas, je ne penserai rien :
Mais l'amour infini me montera dans l'âme,
Et j'irai loin, bien loin, comme un bohémien,
Par la Nature, - heureux comme avec une femme.


Sensación


En los atardeceres azules de verano iré por los senderos,
picoteado por el trigo, a pisar la hierba menuda:
soñador, sentiré su frescura bajo mis pies.
Dejaré que el viento bañe mi cabeza desnuda.

No hablaré ni pensaré nada,
pero el amor infinito ascenderá en mi alma,
e iré lejos, muy lejos, igual que un bohemio,
por la Naturaleza, feliz como junto a una mujer.
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