sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

poesia de antónio reis 01

(1927-1991)

7 de Fevereiro de 2014 às 11:46
Victor Nogueira

‎"O "teu" Eugénio de Andrade tem poemas belos mas o António Reis, para mim, não lhe deve nada, embora seja um poeta algo desenganado: a vida que ele reflecte é um rosto sereno com rugas ao canto dos olhos sorridentes; às vezes duma bondade repousante, outras reflectindo um certo cansaço, um certo desengano. Existe amor - em certa medida tal como o entendes - na simplicidade dos seus "Poemas Quotidianos". Por isso gosto deles." (NSM - 1971.04.11) 

~~~~~~~~

* António Reis


163.

Sei
ao chegar a casa
qual de nós
voltou primeiro do emprego

Tu
se o ar é fresco

eu
se deixo de respirar
subitamente
~~~~~~~~~~

210.

É domingo hoje
mas nós não saímos

é o único dia
que não repetimos

e que dura menos

Mas põe o teu rouge
que eu mudo a camisa
não como quem
de ilusão
precisa

tomaremos chá
leremos um pouco

e iremos à varanda
absortos


~~~~~~~~~

50.

Não é nas mãos
que desespero

As minhas mãos
só trabalham
e adormecem

esfriam
ou arrefecem

Não desmaiam
nem têm rios

Têm ossos
músculos
e sangue

poros também
por onde transpiro

mais nada têm

~~~~~~~~~~
42.

E  nós
os conformados
que fazemos

compramos livros
gravatas

ou separados
morremos

~~~~~~~~~~
343.

Que foi feito de nós

Ah Clara nada invejes
todos mais ou menos
ficamos tolerados
e aguardando
receando como tu
o desemprego e a velhice

vendo
crescer
os nossos filhos sem sorrir


~~~~~~~~~~

Constante
mudar de flores
o nosso amor

sem água às vezes
gestos

contando o dinheiro
passajando a roupa
a dúvida

em silêncio

ou abrindo
a boca

~~~~~~~~~~

203.

Não durmo ainda

Só na cama
o tempo
ainda é meu

como a palavra

Discretamente
me agito
no colchão

Não penso em Deus
na morte

Imprimo
Aqueço-me
Escuto

conservo a posição

A Elsa dorme 

Só na cama
o tempo ainda é dela

como um fruto

~~~~~~~~~~
53.

Adormeces
com a mão sobre os teus seios

como quem protege
o coração

Velada a meio

os próprios dedos
sem desejos
dormem


~~~~~~~~~~
10.

Depois das 7
as montras são mais íntimas

A vergonha de não comprar
não existe
e a tristeza de não ter
é só nossa

E a luz torna mais belo
e mais útil
cada objecto

~~~~~~~~~

Mais sobre o cineasta António Reis em
http://antonioreis.blogspot.pt/


e sobre filmes de AR

Trás-os-Montes
http://www.youtube.com/watch?v=EI7TrHy64bs


Ana
http://www.youtube.com/watch?v=IsRWVpQDRnY


Jaime
http://www.youtube.com/watch?v=0ZTOSx85DHM


Rosa de Areia
http://www.youtube.com/watch?v=urUXBNG-Es4





foto victor nogueira
foto victor nogueira

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