sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

amin maalouf - as cruzadas vistas pelos árabes

 Como o próprio nome sugere, o livro narra as opiniões dos árabes sobre as Cruzadas e, sobretudo, sobre os cruzados - os "Franj" (Francos), como eles os chamavam -, tidos como crueis, selvagens, ignorantes e culturalmente atrasados.

Combinando História e Literatura, Maalouf simula uma autobiografia (mas baseada na história real) de Hasan al-Wazzan, um embaixador árabe que, no ano de 1518, em viagem de peregrinação à Meca, foi capturado por piratas sicilianos e entregue ao grande papa da RenascençaLeão X.
Das primeiras invasões, no Século XI, até a derrocada geral das Cruzadas, no Século XIII, o livro constrói uma narrativa inversa àquela que é corrente no mundo ocidental, percorrendo uma longa galeria de figuras humanas famosas, descrevendo os principais fatos belicosos, e exibindo situações pitorescas de um cenário histórico onde os cristãos são vistos como "bárbaros", desconhecedores das regras mais elementares de honra, dignidade e ética social. (Wikipedia)

Les Croisades vues par les Arabes

Les Croisades vues par les Arabes est le premier essai écrit par Amin Maalouf. Il a été publié pour la première fois en1983. Il est traduit en plusieurs langues.

Comme son nom l'indique, le livre raconte le point de vue des Arabes sur les Croisés et les croisades, entre 1096 et 1291. Il raconte les pillages et les massacres perpétrés par les Franjs. On y voit les contrastes de l'époque entre Orient et Occident. Il apporte en plus une réflexion sur l'inversion de la domination de l'Orient sur l'Occident ces derniers siècles à cause des croisades, et malgré la victoire arabe. L'une des causes avancées par l'auteur est la capacité des occidentaux à s'organiser sur place autour de la notion de droit pour établir des règles efficaces de dévolution du pouvoir.

Amin Maalouf s'inspire des historiens et des chroniqueurs arabes de l'époque (en particulier Ibn al-QalanisiOussama Ibn MounqidhIbn Jubair et Ibn al-Athîr). Il a donné une nouvelle image des croisades en Occident.
Ouvrages similaires 
  • Arab Historians of the Crusades (1969), Francesco Gabrieli
  • The Templars & the Assassins: The Militia of Heaven, James Wasserman : fournit de nombreux détails sur les arrangements politiques explicites comme implicites entre Arabes et Croisés, et montre l'important niveau de communications entre les deux camps.
  • Way of Sufi Chivalry (Al-Sulami) et Book of Spiritual Chivalry (Sabzawari) permettent de connaître l'état d'esprit insufflé aux guerriers musulmans. Ces deux livres furent écrits comme guides de motivation des troupes à l'usage des émirs, etformatent en quelque sorte la description des vertus arabes citées plus tard par les historiens que recense Amin Maalouf. Leur lecture confirme (comme celle de La Guerre des Gaules écrit plusieurs siècles auparavant) que la propagande de guerre existe à chaque époque.[  (Wikipedia)



Ao contrário de outros livros de Amin Maalouf como O Périplo de Baldassare,As cruzadas vistas pelos árabes não é um romance histórico ou ficcional – antes um relato puro e duro das várias invasões com o objectivo de conquistar Jerusalém em nome do Papa, entre os séculos XI e XIII.

Em As Cruzadas Vistas Pelos Árabes é-nos apresentada uma visão algo diferente das que estamos acostumados, a dos invadidos por um povo que consideram bárbaro quando comparado científica e culturalmente. Os europeus são descritos como bárbaros, porcos, incultos e sem honra, o que face aos relatos não se pode negar totalmente:
Thabet respondeu: “Trouxeram à minha presença um cavaleiro que tinha um abcesso na perna e uma mulher que sofria de consumpção. Pus um emplastro ao cavaleiro; o tumor abriu e melhorou. À mulher, receitei uma dieta para lhe baixar a temperatura.” Mas chegou então um médico franco e disse: “Este homem não sabe tratar deles !” E, dirigindo-se ao cavaleiro, perguntou-lhe: “O que preferes, viver com uma só perna ou morrer com as duas?” Tendo o paciente respondido que antes queria viver com uma só perna, o médico ordenou: “Tragam-me um cavaleiro robusto com um machado bem afiado”. Vi chegar logo o cavaleiro e o machado. O médico franco assentou a perna sobre um cepo de madeira, dizendo ao recém-chegado :”Dá uma boa machadada para a cortar de lado a lado!” Sob o meu olhar, o homem desferiu na perna um primeiro golpe, depois, como ela ainda estava presa, bateu-lhe uma segunda vez. A medula da perna esguichou e o ferido morreu no mesmo instante. Quanto à mulher, o médico granco examinou-a e disse: “tem em cima da cabeça um demónio que se apaixonou por ela. Cortem-lhe o cabelo!”. Cortaram-lho. A mulher recomeçou então a comer os seus alimentos com alho e mostarda, o que agravou a consumpção. “Nesse caso, é porque o diabo entrou na cabeça”, afirmou o médico deles. E, pegando numa navalha, fez-lhe uma incisão em forma de cruz, deixou à mostra o osso da cabeça e esfregou-o com sal. A mulher morreu ali mesmo.
Escandalizado com a ignorância dos ocidentais, o certo é que Ussama ainda o fica mais com os seus costumes “Os Franj, exclama ele, não têm o sentido da honra! Se um deles sai à rua com a esposa e encontra outro homem, este toma a mão da mulher, puxa-a para o lado a fim de lhe falar, enquanto o marido se afastada aguardando que ela acabe a conversa. Se a coisa dura demasiado tempo, deixa-a com o seu interlocutor e vai-se embora !” E o emir sente-se perturbado: “Reparai nesta contradição. Tal gente não tem ciúmes nem sentido de honra, quando afinal tem tanta coragem! A coragem não provém no entanto senão do sentido da honra e do desprezo que está mal!”.
Chacina após chacina, os Franj (como são conhecidos os europeus invasores) ganham terreno graças às disputas religiosas e familiares na região. Cada cidade tem o seu governador e os sultões raramente são os chefes militares o que dá azo a traições e revoltas. Ao invés de se unirem contra a ameaça comum, cada cidade acaba por lutar praticamente sozinha e nem aquelas que se entregam são por vezes poupadas ao massacre.
O sentido de honra dos Franj é realmente peculiar e facilmente se desconsidera a palavra dada a um árabe por ser de outra religião. Com uma medicina baseada em superstições e uma escassa higiene, só pelo poder dos números é que os Franj conseguem conquistar e manter os territórios – mas não eternamente.
Ainda que As Cruzadas Vistas pelos Árabes seja um ensaio e não um romance, é um livro que aconselho a todos os que apreciam história ou ficção história, em que, para além dos relatos de Amin Maalouf se encontram passagens escritas por alguns dos cronistas da época.

http://acrisalves.wordpress.com/2009/08/31/as-cruzadas-vistas-pelos-arabes-amin-maalouf/

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

fernando namora - calafrio





Minha humilde homenagem ao belíssimo trabalho poético de Fernando Namora!

poesia de fernando namora (marketing)


27 de Fevereiro de 2014 às 2:48
* Fernando Namora (1919/1989)

CANTO TARDIO

Antes que o Inverno chegue
volto a ser cigarra. Canto.
Da laboriosa agonia me liberto e exalto.
Canto sem cessar o tempo
temendo e saboreando o tempo,
galo da aurora
que não tem tempo de acordar dormindo
De celeiro vazio, canto,
surdo aos lobos e aos ratos
que esgadanam o restolho.
Canto no Outono, que é oiro velho
e um rosto rugoso e macio.
Canto só porque é tarde para o canto
e a cantar adio o que tarde veio.
Cantando abro-me às formigas
e ofereço-lhes o indigesto banquete
para que a morrer cantando
me devorem vivo.


EPIGRAMA

Este poeta não tem unhas: tem garras
e não diz raiva: diz rage
não diz amor: diz merde
e di-lo-á até pagar a renda da casa.
Depois...talvez lhe reste
deixar de ser poeta.


 SE

Se eu pudesse
escrever só
para ti
(que é
um modo de dizer:
como a brisa passa
porque é brisa
como as águas
correm porque
são água
como a planta respira
e a fera mata)
se eu pudesse
escrever
sem endereços
sem sobrescritos
sem o medo
de ser lido
de ter escrito
seria a verdade
dos rios
seria a praia nocturna
a sós com o mar
seria o hálito
da boca desnuda
seria montanha
seria o rio
seria o mar
seria a asa.
Seria
eu.


SABER

Serás tu, frustração,
o vinho da poesia?
Serás tu, sofrimento,
o sémen perfeito?
Serás tu, vida,
o escuro canto
que pelo tormento
descobre a chave
de se ver por dentro?
Oh, sabê-lo.
Conhecer o preço
e pagá-lo
sem discutir a demasia.
Estontear os olhos
com o sol de frente
e queimá-los
até à cegueira que recria.
Não temer aquilo
em que a palavra
foi gerada
e gritá-la inteira,
seja um sim, seja um não,
mas de boca cheia.


SEJA

Que o mundo
seja a erva
que na insónia medra.

Seja a chuva
para a sede
que no raio
arde.

Seja seja
a serpente
que na fêmea
se deseja

Seja a onda
seja rio
e o vegetal
que o sorve.

Que o mundo
seja a mão
que noutra mão se abre

E cantando
seja o Verão
que na cigarra
se  expande.


PALAVRAS

De palavras me vesti
no agasalho do nada.
Palavras foram o vinho
de uma sede inventada.
E agora que as desfolho,
que me resta?
A memória de uma sede
que ao beber cresta.

Em palavras me enleei
numa selva gorda e quente.
E agora que as descarno,
que me fica?
A memória de uma vida
que a viver mente.

Pois deito as palavras fora,
recuso-lhes o mel e o cheiro.
É acre o tutano
mas verdadeiro.


OS VELHOS

Os velhos pegam-se à vida
só porque é vida,
fazendo dos sobejos 
um festim.
E tu, enjoado,
que a mordes
como um fruto que se deita fora
inda inteiro!


CAVALO DE BRONZE

Ao chicote do sol
relincha colérico
o cavalo de bronze
na praça do sol
no pasmo de bronze
No galope de lume
na fúria contida
de tendões vibrando
relincha o corcel
na praça do sol
da estátua de bronze
E a gente que passa
na praça do sol
sonâmbula e cega
de uniforme vestida
de bronze moldada
no pasmo do sol
da vida pasmada
na praça aturdida
de sol coalhada
no cavalo de bronze
se vê fustigada
Não precisa de espaço
a sua corrida
não precisa de água
a fúria contida
é de pedra a ira
nos olhos vazados
do corcel de bronze
que galopa ao sol
da estrada de bronze
Mas não pára o chicote
de o expulsar
da ira de bronze
no pasmo do sol
na estátua de bronze
da praça moldada
em gente aturdida
Num dia de sol
num corpo de bronze
a vida foi vida
sonhada perdida
num corpo de bronze
num dia de sol
do cavalo de bronze
Não há ira nem sol
não há gente acordada
não há gente com vida
se o cavalo é de bronze
num chicote sem ira
da praça pasmada
do cavalo de bronze
do cavalo
de bronze.


CALAFRIO

Não sei como eles ainda escutam
as cóleras de guizos,
como eles não vêm os coágulos
onde o sangue tingiu os girassóis.
De ciprestes são as áleas
que escoltam a música dos sinos
e o céu desfolha-se
em estrelas apagadas.
Pois sobre o rugido dos coveiros
que se levante a surdez.
A alva, quando nasce,
é calafrio.



  • Maria João De Sousa Obrigada, Victor Nogueira, pela excelente partilha!
  • Silvia Mendonça Penso ser poeta. Porém, quando leio poemas como os de Fernando Namora, me questiono: posso dizer que sou poeta, compondo versos toscos, diante de versos tão criativos e bem acabados? Gosto de ler o que me faz pensar, que me levam a questionamentos. Bravo! Grata por compartilhar, Victor Nogueira. Beijos de mim.
  • Deolinda Figueiredo Mesquita Muito Bom!!! Obrigada, Victor. 
  • Elsa Vicente Excelente partilha, obrigada...abraço
  • Victor Nogueira