domingo, 30 de agosto de 2015

dois sonetos de antónio ferreira

* António Ferreira


Dos mais fermosos olhos, mais fermoso
Rosto, que entre nós há, do mais divino
Lume, mais branca neve, ouro mais fino,
Mais doce fala, riso mais gracioso:

Dum Angélico ar, de um amoroso
Meneio, de um esprito peregrino
Se acendeu em mim o fogo, de que indigno
Me sinto, e tanto mais assi ditoso.

Não cabe em mim tal bem-aventurança.
É pouco uma alma só, pouco uma vida,
Quem tivesse que dar mais a tal fogo!

Contente a alma dos olhos água lança
Pelo em si mais deter, mas é vencida
Do doce ardor, que não obedece a rogo.

António Ferreira, in 'Poemas Lusitanos'

Soneto XXXIII  

Eu vi em vossos olhos novo lume,
qu’apartando dos meus a névoa escura,
viram outra escondida formosura,
fora da sorte, e do geral costume.

Em vão seu arco Amor armar presume,
que esse alto esp´rito, essa constância dura,
a outro mais alto Amor guarda a fé pura,
em mais divino fogo se consume.

Nesta desconfiança inda s’acende
em mim um vão desejo de aprazer-vos,
e para isso só busco engenho, e arte.

Senhora, que al fará quem chega a ver-vos,
(já que o desejo a mais se não estende)

que dar-vos de su’alma toda parte?

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