domingo, 22 de novembro de 2015

José Vilhena na colecção da Hemeroteca



 Foi o nosso humorista mais “picante” de todos os tempos e um dos mais versáteis, pois tanto fazia rir através do verbo, como da caricatura, do cartoon, da ilustração e de outras performances gráficas. Faleceu em Lisboa, no passado dia 3 de Outubro, com 88 anos de idade, e com este pequeno dossier digital pretendemos homenagear a sua criatividade fecunda e escaldante, bem como divulgar os títulos de Vilhena que integram a coleção de publicações periódicas da Hemeroteca Municipal de Lisboa. É inegável que José Vilhena foi uma figura, se associarmos ao conceito a capacidade de intervir no espaço público e de desencadear reações fortes. Ninguém ficava (nem fica) indiferente ao seu cocktail de humor, que combinava doses variáveis de ironia, sátira política e social e sexo.

José Alfredo de Vilhena Rodrigues nasceu a 7 de Julho de 1927, em Figueira de Castelo Rodrigo. Começou a publicar, em meados dos anos 50, em jornais como Diário de Lisboa e Diário Popular e nas revistas Cara Alegre e O Mundo Ri. Também traduzia, compilava e adaptava autores estrangeiros.

Nos anos sessenta, já era um humorista conhecido entre os apreciadores do género. Mas também pela PIDE. A polícia política mantinha-o sob vigilância constante e desconfiava do seu humor que desafiava a ordem moral e social e fazia alusões enviesadas à falta de liberdade, à repressão e a outras misérias. Mas Vilhena não se deixou intimidar, pelo contrário. Lançou-se numa produção frenética, assumindo ele a responsabilidade da edição, isto é fez-se editor. A iniciativa do “humor de bolso” foi um sucesso. Os dois primeiros livros que fez imprimir com a marca «Vilhena», ambos de 1960, foram logo apreendidos: Manual de Etiqueta e História Universal da Pulhice Humana. O próprio Vilhena esteve preso três vezes. Mas o ritmo de edição e as tiragens não pararam de crescer, acompanhando o mercúrio da contestação à ditadura. Em 20 anos (1954-1974), Vilhena redigiu, ilustrou, publicou e distribuiu mais de cinquenta livros, aos quais se somaram mais duas dezenas de traduções e compilações de humoristas estrangeiros.
Uma vez reconquistada a liberdade em Abril de 1974, a criatividade de Vilhena atingiu a sua máxima expressão por via das publicações que lançou. A primeira, a mais célebre e também mais duradoura, foi a revista quinzenal Gaiola Aberta, que apareceu logo em Maio daquele ano e que, durante o “Verão quente”, chegou a fazer tiragens de 150 mil exemplares; teve duas séries: a primeira, manteve-se até Maio de 1983; a segunda, foi ressuscitada em Maio de 2003 e manteve-se nos escaparates até 2006. No interlúdio, outros títulos foram dados à degustação dos leitores, na sua maioria revistas, como:Vida Lisboeta: revista mensal para homens adultos e mulheres emancipadas (1978-1979); A Paródia: comédia Portuguesa. Revista de humor e caricatura (1980); Fala Barato: jornal mensal de arte, cultura e mau humor (1987-1993); O Cavaco: revista do humor possível (1993-95); e O Moralista: revista de humor pagão (1996-2003).
Nesta fase, José Vilhena selecionava os seus modelos ou musas diretamente da passerelle pública, isto é, interessava-se por todas as personalidades, figuras, conhecidas do grande público e potenciais leitores. Descobre-se no seu trabalho alguma inspiração bordaliana, quer por via dos temas e objetos, quer por conta da abordagem burlesca e colorida. Os políticos foram, sem dúvida, a sua primeira preferência, mas Vilhena não menosprezava ninguém: muitos jornalistas, escritores, artistas, gente do jet set, empresários, etc. foram “engaiolados”, por assim dizer. Nem todos apreciaram a pose e a moldura em que se descobriram um dia, ao virar da página; os processos contra Vilhena multiplicaram-se e, com o tempo, começou também a revelar-se o cansaço do caricaturista e também dos leitores.
Era tempo para abordar a obra do humorista em retrospetiva. Em Maio de 1996, a Câmara de Lisboa organizou, no palácio das Galveias, a exposição ”Crónica de uma revolução”, Factos e figuras da revolução de Abril: desenho de José Vilhena, que ficou plasmada em um catálogo (acessível aqui). Mais tarde, em Janeiro de 2003, a Galeria Barata expôs mais de 100 obras de pintura e ilustração. Começaram também a publicar-se antologias, ensaios e estudos académicos centrados na sua obra.
O sítio web O incorrigível e manhoso Vilhena, da responsabilidade de Luís Vilhena, surgiu recentemente para divulgar e celebrar a arte polivalente do autor.
Rita Correia

FICHA TÉCNICAJosé Vilhena (1927-2015) na coleção da Hemeroteca | Investigação: João Carlos Oliveira e Rita Correia | Textos: Rita Correia |Digitalização e tratamento de imagem: Serviço de Digitalização e Imagem da Hemeroteca Municipal de Lisboa | Conceito e webdesign:João Carlos Oliveira

http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/efemerides/vilhena/josevilhena.htm



Cara Alegre: revista de bom humor 
1 de janeiro de 1951 a 15 de outubro de 1958

Propriedade da empresa editora «Os Ridículos», era dirigida de Nelson Barros e totalizou 158 números. Tanto quanto foi possível apurar, a colaboração de José Vilhena terá tido início no ano de 1955.
   
 
Diário de Lisbo
7 de abril de 1921 a 30 de novembro de 1990

O humor esteve sempre presente neste jornal de informação genérica, dirigido por Joaquim Manso, que era também seu proprietário e editor. A colaboração de José Vilhena no D.L. terá tido início em 1955 (alternando com Stuart a ocupação de espaço próprio na edição, geralmente na página 15) e manteve-se até 1958, pelo que não participou no suplemento humorístico A mosca, de 1969. Nessa data, os voos de José Vilhena cruzavam outras páginas.

  
O Mundo Ri  
outubro de 1948 a 1968(?)

Revista mensal, de Lisboa, era propriedade de Nunes Simões, que também assumia a direção. José Vilhena associou-se ao projeto em finais da década de 50, assegurando muitas das capas desta pequena publicação, onde dominavam os autores estrangeiros.
   
 
Gaiola Aberta 
1.ª série, maio de 1975 a maio de 1983
2.ª série, maio de 2003 a maio de 2006

Foi a revista mais lida do seu tempo e aquela que rendeu o processo mais grave que José Vilhena enfrentou: o que resultou de uma fotomontagem envolvendo a princesa Carolina do Mónaco, publicada em novembro de 1981. Além do mal estar resultante do embaraço diplomático, Vilhena foi confrontado com uma queixa-crime apresentada pelo principado do Mónaco, que exigia uma indemnização graúda pelos danos causados. O processo arrastou-se por largos anos, mas a queixa acabou por ser retirada.
 
 
Vida Lisboeta: revista mensal para homens adultos e mulheres emancipadas 
setembro de 1978 a fevereiro de 1979(?)

Foi contemporânea da Gaiola Aberta, mas distingue-se dela por ignorar os políticos e outras figuras públicas. O objeto da sátira era a própria sociedade, a mentalidade, os costumes e as práticas mais comuns ou generalizadas na população urbana. Muito provavelmente causou escândalo, pois a primeira página do n.º 2 ironizava sobre o assunto, advertindo o público, em grande paragonas: «O interior desta revista contém desenhos e textos passíveis de chocar pessoas bem pensantes. Se pertence a esse número não a abra!»
   
 
A Paródia: comédia Portuguesa. Revista de humor e caricatura 
1 de setembro a 1 de outubro de 1980
Ressuscitou o título do jornal fundado por Rafael Bordalo Pinheiro, em 1900, e que em 1903 se fundiu com a revista Comédia Portuguesa, dirigida por Julião Machado e Marcelino Mesquita, dando origem à Paródia: comédia portuguesa, que se manteve alguns anos (1907). A Paródia de Vilhena não teve o mesmo sucesso: saíram apenas dois números. A capa do 1.º número revisita claramente a que inaugurou a publicação de Bordalo (ver aqui).  

Fala Barato: jornal mensal de arte, cultura e mau humor 
julho de 1987 a março de 1988
Nova série, abril de 1988 a 1994(?)

Foi lançado quatro anos depois do fim da 1.ª série da Gaiola Aberta, e de certa forma deu-lhe continuidade, quer na substancia, quer no formato. Embora tenha começado como jornal, em março de 1988 anunciou um «novo visual» e no mês seguinte apresentou-se num formato mais reduzido e “vestido” com capa. O então primeiro-ministro Cavaco Silva foi um alvos preferidos do Fala Barato, que chegou a assumir a contagem dos dias que lhe restavam para honrar a promessa de tirar o país da “cauda da europa” e, em novembro de 1991, após as eleições que renovaram a maioria absoluta, anunciou «A longa noite cavaquista».

 
O Cavaco: revista do humor possível 
outubro de 1994 a outubro de 1995

A ideia de usar o nome do chefe do governo para dar título a publicação humorística causou alguma perplexidade e indignação, mas não era propriamente uma novidade: Rafael Bordalo Pinheiro já o fizera, em 1879, quando lançou o António Maria, em “homenagem” ao líder do partido regenerador e ex-presidente do ministério, António Maria Fontes Pereira de Melo. Embora o país viva agora em regime democrático, estando salvaguardados os direitos, liberdades e garantias do cidadão, esta iniciativa de José Vilhena não deixa de revelar coragem e independência em relação ao poder.
   
 
O Moralista: revista de humor pagão 
abril de 1996 a abril de 2003

Foi a ultima revista produzida por José Vilhena, e não se desviou do receitário do riso já testado: caricaturas, cartoons, banda desenhada, fotomontagens e textos demolidores. Nas capas d’O Moralista, José Vilhena fez desfilar uma série de «estrelas de televisão», em trajes menores ou mesmo nuas, desencadeando a ira das visadas e uma “tempestade” contínua de processos. Mas Vilhena não se deixava intimidar. Para ele o humor era um bem essencial.

http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/efemerides/vilhena/JoseVilhena_Obra.htm


Faleceu José Vilhena

O cartoonista, humorista, escritor e pintor José Vilhena faleceu, dia 3, aos 88 anos, vítima de prolongada doença.
Fundador da revista «O Mundo Ri», em 1955, iniciou nos anos 60 uma série de livros de bolso humorísticos, que o próprio distribuía clandestinamente pelas tabacarias. 
Não escapou à censura e à perseguição do fascismo. Foi preso três vezes pela PIDE.

Logo após a revolução de Abril, funda a revista quinzenal «Gaiola Aberta», e mais tarde as publicações «O Fala Barato», «O Cavaco», «O Moralista» e novamente a «Gaiola Aberta», numa segunda série

http://www.avante.pt/pt/2184/destaque/137343/?tpl=612.

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