terça-feira, 31 de maio de 2016

Cecília Meireles - Rimance

* Cecília Meireles


Onde é que dói na minha vida, 
para que eu me sinta tão mal? 
quem foi que me deixou ferida 
de ferimento tão mortal? 

Eu parei diante da paisagem: 
e levava uma flor na mão. 
Eu parei diante da paisagem 
procurando um nome de imagem 
para dar à minha canção. 

Nunca existiu sonho tão puro 
como o da minha timidez. 
Nunca existiu sonho tão puro, 
nem também destino tão duro 
como o que para mim se fez. 

Estou caída num vale aberto, 
entre serras que não têm fim. 
Estou caída num vale aberto: 
nunca ninguém passará perto, 
nem terá notícias de mim. 

Eu sinto que não tarda a morte, 
e só há por mim esta flor; 
eu sinto que não tarda a morte 
e não sei como é que suporte 
tanta solidão sem pavor. 

E sofro mais ouvindo um rio 
que ao longe canta pelo chão, 
que deve ser límpido e frio, 
mas sem dó nem recordação, 
como a voz cujo murmúrio 
morrerá com o meu coração... 

Cecília Meireles, in 'Viagem' 

http://www.citador.pt/poemas/rimance-cecilia-meireles

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