quinta-feira, 18 de agosto de 2016

Lorca - Viva la vida!

 
  • Gustavo Carneiro 



Viva la vida!

Não é possível saber se foi ao som do tão famoso quão tenebroso grito de Viva la Muerte! que os fascistas assassinaram, faz hoje 70 anos, Federico Garcia Lorca, um dos mais notáveis poetas e dramaturgos espanhóis e um empenhado combatente pela república democrática e apoiante da Frente Popular. O crime foi cometido às escondidas e o seu cadáver permanece ainda hoje em local incerto, muito provavelmente enterrado no local da execução, algures nas montanhas a norte da cidade andaluza.

Durante anos os contornos da sua execução permaneceram envoltos em mistério. Obra de grupos falangistas mais ou menos arrivistas, diziam uns; querelas familiares antigas, garantiam outros. Documentos da polícia de Granada publicados em 2015 pelo jornal britânico Guardian vieram confirmar o que há muito se suspeitava: a captura e posterior fuzilamento do autor de A Casa de Bernarda Alba resultaram de ordens expressas das autoridades militares fascistas de Granada.

Federico Garcia Lorca nunca foi «político», no sentido mais estrito do termo. Foi, sim, como o próprio dizia, um revolucionário – pois «não há verdadeiro poeta» que não o seja. O que é certo é que as suas convicções políticas, concepções culturais e postura pessoal e artística eram em tudo opostas à Espanha clerical e conservadora que os fascistas se esforçavam por manter e em muitos aspectos recuperar. Em muitos dos seus poemas e peças teatrais criticava severamente a moral conservadora, machista e classista que permanecia no seu país, ao mesmo tempo que exaltava a influência cigana e muçulmana na cultura andaluza e as virtudes das classes populares.

A cultura nova, democrática e progressista por que se batia tinha raízes profundas na cultura dos povos de Espanha.

Cultura é factor de progresso 
Com a instauração da II República, em Abril de 1931, o poeta nascido em Fuentevaqueros empenhou-se com particular ardor num vasto conjunto de projectos culturais progressistas e de educação popular, percorrendo o país para participar em conferências e sessões e ajudando a fundar um grupo de teatro itinerante, La Barraca, que privilegiava as apresentações nas zonas rurais desfavorecidas.

Numa das sessões, na sua terra natal, onde foi inaugurar a primeira biblioteca pública, pôs em evidência o papel que, em sua opinião, a cultura desempenha na libertação e emancipação das classes laboriosas: «Esta biblioteca tem de cumprir um fim social, porque se cuidar e der alento ao número de leitores, e pouco a pouco se for enriquecendo com obras, dentro de alguns anos já se notará na aldeia, não tenhais dúvida, um maior nível cultural. E se esta geração que me ouve não aproveita por falta de preparação tudo o que os livros lhe podem dar, aproveitarão os seus filhos. Porque é necessário que saibam todos que os homens não trabalham para si, mas sim para os que vêm atrás e que este é o sentido de moral de todas as revoluções e, em última instância, o verdadeiro sentido da vida.»

Garantindo que «os avanços sociais e as revoluções se fazem com livros», Lorca acrescentaria no mesmo discurso ao povo de Fuentevaqueros que «de nada servem as armas e o sangue se as ideias não forem bem orientadas e bem digeridas nas cabeças. E que é preciso que os povos leiam para que aprendam não só o verdadeiro sentido da liberdade, mas também o sentido actual da compreensão mútua e da vida». 

Poesia de esperança 
O trágico destino do poeta foi partilhado por muitos compatriotas seus – operários e camponeses, trabalhadores dos serviços e comerciantes, profissionais liberais e intelectuais – que nesses primeiros dias da Guerra Civil se encontravam nas regiões ocupadas pelas tropas fascistas sublevadas em Julho de 1936. Nos meses e anos que se seguiram, muitos outros, espanhóis e membros das heróicas Brigadas Internacionais, de diferentes nacionalidades, tombaram nas duras e decisivas batalhas em defesa da República e contra o fascismo – que, como era já então evidente, ambicionava bem mais do que a mera subjugação da Espanha republicana.

A vitória franquista, só possível graças à intervenção das forças nazi-fascistas alemãs e italianas e à criminosa «política de neutralidade» da França, Grã-Bretanha e EUA, constituiu um estímulo ao desencadear da cruzada anticomunista e antidemocrática de Hitler e dos poderosos interesses económicos que este servia. Não por acaso, a Segunda Guerra Mundial começaria pouco depois de resolvida a questão espa

Sete décadas após o assassinato daquele que foi uma das mais famosas vítima do fascismo em Espanha, permanecem o exemplo e as palavras do poeta que uma vez disse que «o mais terrível dos sentimento é o de ter a esperança perdida». Sigamos o conselho.

http://www.avante.pt/pt/2229/argumentos/141663/

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