sexta-feira, 23 de setembro de 2016

outono na poesia e nas canções


foto Victor Nogueira - Cela (Coutos de Alcobaça) 
 pôr-do-sol na herdade que foi do General Humberto Delgado

Outono, dos contrastes: dias cálidos ou frígidos, soalheiros ou pluvientos, risonhos ou cinzentonhos, dos poentes tingidos de vermelho ou laranja e as árvores, despindo-se em tons de amarelo, atapetando ruas e jardins de melancólicas folhas secas, esquálidos e despidos ramos erguendo-se por aqui e por ali, com a noite crescendo à custa da diurna claridade minguando.

 Deixo-vos uma selecção do "outono na poesia e nas canções" 

Os poetas ...

Olavo Bilac - Outono. Em frente ao mar. Escancaro as janelas 
Ricardo Reis - Quando, Lídia, Vier o Nosso Outono
Eugénio de Andrade - Outono
David Mourão-Ferreira - Outono
Fernando Pessoa - Uma névoa de Outono o ar raro vela
Miguel Torga - Outono
Mário Quintana - Outono
Cecília Meireles - Canção de Outono
José Afonso - Balada de Outono

... e as vozes
Eric Clapton
Yves Montand
Leo Ferré
Juliette Greco
Chet Baker e Paul Desmond 
Natalie Cole
José Afonso



* Olavo Bilac


Outono. Em frente ao mar. Escancaro as janelas 
Sobre o jardim calado, e as águas miro, absorto. 
Outono... Rodopiando, as folhas amarelas 
Rolam, caem. Viuvez, velhice, desconforto... 

Por que, belo navio, ao clarão das estrelas, 

Visitaste este mar inabitado e morto, 
Se logo, ao vir do vento, abriste ao vento as velas, 
Se logo, ao vir da luz, abandonaste o porto? 

A água cantou. Rodeava, aos beijos, os teus flancos 

A espuma, desmanchada em riso e flocos brancos... 
Mas chegaste com a noite, e fugiste com o sol! 

E eu olho o céu deserto, e vejo o oceano triste, 

E contemplo o lugar por onde te sumiste, 
Banhado no clarão nascente do arrebol... 

Olavo Bilac, in "Poesias" 

* Ricardo Reis

Quando, Lídia, vier o nosso outono 
Com o inverno que há nele, reservemos 
Um pensamento, não para a futura 
Primavera, que é de outrem, 
Nem para o estio, de quem somos mortos, 
Senão para o que fica do que passa 
O amarelo atual que as folhas vivem 
E as torna diferentes. 

Ricardo Reis, in "Odes" 


Heterónimo de Fernando Pessoa 

* Eugénio de Andrade

Outono

O outono vem vindo, chegam melancolias, 
cavam fundo no corpo, 
instalam-se nas fendas; às vezes 
por aí ficam com a chuva 
apodrecendo; 
ou então deixam marcas; as putas, 
difíceis de apagar, de tão negras, 
duras. 

Eugénio de Andrade, in 'O Outro Nome da Terra"

* David Mourão-Ferreira

Outono

Mas quem diria ser Outono
se tu e eu estávamos lá?
(Tínhamos sono…Tanto sono!
É bom dormir ao deus-dará…)

E sobre o banco do jardim,
ante a cidade, o cais e o Tejo,
seria bom dormir assim,
ao deus-dará, como eu desejo…

Mas o teu seio é que não quis:
tremeu de mais sob o meu rosto…

Seria Outono aquele dia,
nesse jardim, doce e tranquilo…?

                         Mas havia
todo o teu corpo a desmenti-lo.

in Obra Poética

* Fernando Pessoa

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.
Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.
Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta               [...]

5-11-1932
Poesias Inéditas (1930-1935). Fernando Pessoa. (Nota prévia de Jorge Nemésio.) Lisboa: Ática, 1955 (imp. 1990).  - 104.


*  Miguel Torga

​​Outono

Tarde pintada 
Por não sei que pintor. 
Nunca vi tanta cor 
Tão colorida! 
Se é de morte ou de vida, 
Não é comigo. 
Eu, simplesmente, digo 
Que há fantasia 
Neste dia, 
Que o mundo me parece 
Vestido por ciganas adivinhas, 
E que gosto de o ver, e me apetece 
Ter folhas, como as vinhas. 

in Diário X, s/editora, 1966, Coimbra

* Mário Quintana

Outono

O outono toca realejo
No pátio da minha vida.
Velha canção, sempre a mesma,
Sob a vidraça descida…

Tristeza? Encanto? Desejo?
Como é possível sabê-lo?
Um gozo incerto e dorido
De carícia a contrapelo…

Partir, ó alma, que dizes?
Colher as horas, em suma…
Mas os caminhos do Outono
Vão dar em parte nenhuma!


(Poema publicado originalmente no livro Canções, retirado de Poesia Completa – Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2005, p. 131) – contribuição de Sonia Regina Villarinho


* Cecília Meireles

Canção de Outono

Perdoa-me, folha seca, 
não posso cuidar de ti.
Vim para amar neste mundo, 
e até do amor me perdi.
De que serviu tecer flores
pelas areias do chão 
se havia gente dormindo 
sobre o próprio coração?

E não pude levantá-la!
Choro pelo que não fiz.
E pela minha fraqueza
é que sou triste e infeliz.
Perdoa-me, folha seca!
Meus olhos sem força estão
velando e rogando aqueles 
que não se levantarão...

Tu és folha de outono 
voante pelo jardim.
Deixo-te a minha saudade
- a melhor parte de mim.
E vou por este caminho,
certa de que tudo é vão.
Que tudo é menos que o vento,
menos que as folhas do chão...

in Poesia completa: Volume 2. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2001

* José Afonso 

Balada de Outono

Águas passadas do rio
Meu sono vazio
Não vão acordar
Águas das fontes calai
Ó ribeiras chorai
Que eu não volto a cantar

Rios que vão dar ao mar
Deixem meus olhos secar
Águas das fontes calai
Ó ribeiras chorai
Que eu não volto a cantar

Águas do rio correndo
Poentes morrendo
P'ras bandas do mar
Águas das fontes calai
Ó ribeiras chorai
Que eu não volto a cantar

Rios que vão dar ao mar
Deixem meus olhos secar
Águas das fontes calai
Ó ribeiras chorai
Que eu não volto a cantar











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