sábado, 3 de dezembro de 2016

A HISTÓRIA NÃO CONTADA DOS ESTADOS UNIDOS Por Oliver Stone e Peter Kuznick

30 de novembro de 2016 - 19h49 

Oliver Stone e A História não contada dos Estados Unidos





Autor de filmes emblemáticos sobre a história recente dos Estados Unidos, como Nascido em 4 de julho, Platoon, JFK, Wall Street e outros, Oliver Stone lutou na guerra do Vietnã. Diz que ficou espantado com o que os professores estão contando para seus filhos na escola, que, aliás, continua a ser o mesmo que ele havia aprendido em seu tempo de estudante: “Nós americanos éramos o centro do mundo. Havia um destino manifesto e nós éramos os mocinhos”. O cineasta juntou-se ao respeitado professor de História Peter Kuznick e, após uma pesquisa de cinco anos, a dupla fez um documentário e um livro com esta história não contada do seu país. Escrito em linguagem simples, tem como alvo imediato o público jovem norte-americano.


O que os autores fazem é mostrar a distância entre os acontecimentos relativos à política expansionista e hegemonista dos EUA e as fabulações criadas para justificar e enquadrá-los dentro da ideologia da missão divina concedida (sic) por Deus aos EUA para levar aos outros povos o cristianismo, a democracia e o livre mercado.

No livro, retratam uma política de Estado que, desde as origens, orienta e sustenta um empresariado sedento por concorrer com os impérios coloniais da Grã Bretanha, da França, Alemanha etc. Depois de anexar metade do México, inicia o século XX incorporando as Filipinas, Guam, Pago Pago, Ilha Wake, Atol Midway, Havaí e Porto Rico e reivindicando o controle sobre Cuba. Participa da 1ª. Guerra Mundial para romper o protecionismo das grandes nações e abrir os mercados para seus negócios enquanto impõe altas tarifas para importação. No plano interno, esmaga o movimento operário e sindical com grande violência, suborno e legislação restritiva e persegue ferozmente as associações e aspirações socialistas até reduzi-las à insignificância.

Simpatia pelo nazismo

O livro descreve e apresenta documentos sobre a simpatia e a colaboração dos grandes banqueiros e empresários norte-americanos com Hitler e o governo nazista. Ford, GM,Standard Oil, Alcoa, ITT, GE, Dupont, Kodak, Westinghouse e muitas outras empresas continuaram a fazer negócios com os nazistas até 1941. Ford e GM até aceitaram converter suas fábricas instaladas na Alemanha para a produção de armas. Banqueiros continuaram a negociar com os alemães durante toda a guerra.

Inglaterra, França e EUA se faziam de surdos aos insistentes apelos da URSS de Stalin para formarem uma aliança contra a Alemanha, e, ao mesmo tempo apresentavam apenas débeis protestos aos avanços das tropas de Hitler e Mussolini ocupando outros países (Etiópia, Austria, Thecoslovaquia, Sudetos etc). E vendiam armas a Franco para esmagar o governo republicano espanhol.

Para os autores, EUA e seus aliados fizeram muito pouco para auxiliar “a desesperada comunidade judaica-alemã quando em 1938 uma orgia de violência se desencadeou.” Em 1939, quando Hitler descumpriu os acordos feitos com a França e Inglaterra e invadiu a Thecoslovaquia sem qualquer reação, Stalin, certo de que a URSS estaria sozinha na luta contra o nazismo, procurou ganhar tempo para se armar, assinou o pacto de não agressão com a Alemanha, desviando o rumo da guerra para o Oeste. Em seguida, numa rápida sucessão, o exército alemão conquistou a Dinamarca, Noruega, Holanda e Bélgica. Em junho de 1940, a França desmoronava, com a maior parte de sua classe dominante optando pela colaboração com os nazistas.

Em 1941, diante dos apelos do primeiro-ministro da Inglaterra, Winston Churchill, para os EUA entrarem na guerra contra a Alemanha, Franklin Roosevelt declarou: “Acredito que falo como presidente dos Estados Unidos quando digo que não ajudaremos a Inglaterra nessa guerra se for para eles continuarem a tratar com arrogância os povos coloniais”. Suas palavras significavam que os EUA queriam em troca ter livre acesso aos mercados até então sob o domínio imperial inglês.


Mas Roosevelt havia prometido ao seu povo que não mandaria os jovens norte-americanos para morrer na guerra europeia e precisava de um pretexto para descumprir a promessa. Com o ataque do Japão à base norte-americana de Pearl Harbor, no Havaí, o pretexto estava dado.

Heroísmo estóico da URSS derrotou Hitler

Atacada com ferocidade pelo exército alemão, a URSS clamou em vão pela abertura de um segundo front na Europa durante três anos. Sob influência de Churcill, as tropas aliadas foram desviadas para a África, frente secundária, mas de interesse da Inglaterra para a defesa de seu império (e de seu petróleo no Oriente Médio). A invasão da Normandia só aconteceu depois que o Exército da URSS, numa façanha inacreditável, havia destroçado a até então invencível máquina de guerra alemã, e marchava celeremente para Berlim. Ameaçava tomar controle da segunda maior base industrial e tecnológica do planeta, o que seria desastroso para os interesses dos capitalistas norte-americanos e ingleses. Os autores dizem: “Ainda que susbsista o mito de que os Estados Unidos venceram a 2ª. Guerra Mundial, importantes historiadores concordam que foi a União Soviética e toda sua sociedade, incluindo Josef Stalin, seu brutal ditador, que por meio do absoluto desespero e do heroísmo incrivelmente estóico, forjaram a grande narrativa da 2ª. Guerra Mundial: a derrota da monstruosa máquina de guerra alemã”.

A economia dos EUA quase dobrou durante a guerra, apoiada na indústria de armas. Como Franklin Roosevelt estava doente, sua terceira eleição à presidência envolveu uma batalha e um golpe branco para a escolha do vice-presidente. O progressista Wallace, que era o auxiliar mais próximo de Roosevelt, foi afastado por uma manipulação dos grandes industriais em favor de um senador provinciano e ignorante chamado Harry Truman. Meses depois, ao assumir a presidência após a morte de Roosevelt, segundo os autores, Truman estava “escandalosamente despreparado” para a função. Estimulado pelos representantes dos grandes empresários da indústria do aço e de armamentos e altos funcionários anticomunistas, rompeu unilateralmente os acordos estabelecidos entre Roosevelt e Stalin, suspendeu ajuda prometida para a reconstrução da economia da URSS.

As bombas nucleares sobre Hiroshima e Nagasaki foram jogadas sobre um país que já havia assumido a derrota, desnecessárias, dizem os autores. Depois de ter suas cidades severamente bombardeadas pela aviação norte-americana, e na iminência de a URSS entrar na guerra contra eles, os japoneses estavam buscando ativamente negociações para sua rendição. Na verdade, as bombas foram utilizadas para intimidar a União Soviética e conquistar vantagens nas negociações para o pós-guerra, ainda mais que o exército soviético estava em vias de derrotar a Alemanha e conquistar Berlim e todo o aparato industrial e tecnológico alemão.

A mais polêmica decisão da 2ª. Guerra Mundial foi tomada apesar das fortes restrições internas, mesmo entre os principais generais norte-americanos. O general Dwight Eisenhower, por exemplo, disse que era contra sua utilização porque “os japoneses estavam próximos a se render e não era necessário atingi-los com aquela coisa horrível”.

Os autores descrevem com detalhes o horror das consequências das bombas nucleares sobre a população japonesa e a euforia do presidente Truman ao receber a notícia.

Os EUA no topo do mundo
Ao final da guerra, os EUA ocupavam sozinhos o topo do mundo. O império britânico se desmantelava e a Inglaterra se tornava um estado-cliente dos EUA. A União Soviética estava devastadoramente pobre, mas tinha o maior exército de todos, e os partidos comunistas desfrutavam de crescente influência na Europa, o que causava calafrios na diplomacia norte-americana. Com sua economia florescente, produzindo 50% dos bens industriais do planeta, e detentores do monopólio da arma nuclear, ainda assim os EUA acusavam a URSS de estar prestes a conquistar o mundo. E ameaçavam de usar a bomba contra ela. Com a brutal repressão aos comunistas na Grécia, os EUA inauguraram a Guerra Fria. Internamente, iniciou-se a “caça às bruxas”, as investigações para descobrir comunistas “infiltrados” entre funcionários do governo, artistas, intelectuais. Alguns delatores de seus colegas destacaram-se: Ronald Reagan, Robert Taylor, Gary Cooper e Walt Disney. O grande jornalista I.F. Stone declarou que estavam tentando converter “toda uma geração de americanos em dedo-duros”.

No plano externo, a CIA (Central Intelligence Agency) passou a promover “guerras secretas”, centenas de operações em todo o mundo (mais de oitenta durante o segundo mandato do presidente Truman). Chamada de “exército invisível do capitalismo” a CIA cresceria “exponencialmente nas décadas vindouras”, dizem os autores (o que, aliás, foi completamente confirmado por Snowden, como mostra o filme). Grandes somas do Plano Marshall, destinado à recuperação da Europa, foram desviadas à CIA.

Em 1949, a explosão da bomba atômica soviética e a vitória da revolução comunista na China foram motivo para criar um clima de vulnerabilidade nos EUA. A revista Time deu manchete: “A onda vermelha que ameaça engolfar o mundo”. A guerra da Coréia, em 1950-53, “foi a pior derrota que os norte-americanos já sofreram”, escreveu a revista.

Outro grande abalo para os americanos foi o lançamento do Sputnik pela URSS em 1957, que lançou os EUA numa frenética escalada armamentista. Mas as autoridades sabiam que a vantagem bélica americana era abissal. O arsenal norte-americano chegava a 22 mil bombas nucleares. Através dos aviões espiões U-2 “era possível ver cada folha de grama da URSS”, vangloriou-se Allen Dulles, diretor da CIA. O poder da CIA se estendia: assassinou Patrice Lumumba, líder do Congo e tentou inúmeras vezes assassinar o dirigente cubano Fidel Castro.
A tensão era muito grande em relação à Alemanha, os soviéticos temiam que os EUA cedessem armas nucleares aos alemães. A propaganda anticomunista visando conduzir a opinião pública norte-americana a aceitar a corrida armamentista acabou por criar uma histeria coletiva com a criação de um programa nacional de construção de abrigos atômicos nas casas das pessoas e o direito de matar os vizinhos que quisessem invadir seu abrigo.

Em 1962, a guerra nuclear por um triz

Em 1962, a crise dos misseis soviéticos instalados em Cuba levou ao paroxismo a tensão e houve uma grave ameaça de deflagração da guerra nuclear. O generais queriam atacar Cuba, mas Kennedy resistiu: “se nós os escutarmos e fizermos o que eles querem, nenhum de nós sobreviverá para dizer a eles que estavam errados”, disse. O livro relata o episódio de modo emocionante. Foi o momento em que as duas máquinas militares estiveram a pique de deflagrar a guerra escapando do controle dos seus governantes.

Os autores dão indicações de que a morte do presidente John Kenney de alguma forma se deveu à insatisfação dos “altos escalões das comunidades de inteligência, das forças armadas e dos negócios, sem falar na Máfia, nos segregacionistas e nos cubanos a favor e contra Castro (...) a raiva contra ele era visceral.”

Com Lyndon Johnson na presidência, a guerra do Vietnã se ampliaria, se dariam a instalação de ditaduras militares na América do Sul, novo golpe na Grécia. Na Indonésia, obra da CIA, o banho de sangue só foi menor que o do Vietnã. Aliás, um dos capítulos do livro mais ricos em detalhes trata da guerra do Vietnã, do presidente Richard Nixon e de seu assessor Henry Kissinger. Um exemplo de sua política: segundo Le Duan, dirigente norte-vietnamita, os EUA ameaçaram usar armas nucleares treze vezes. Os autores também mostram a indústria bélica que se desenvolveu para sustentar a guerra.

A criação dos mujahedins, um tiro no pé

Em 1979, dois acontecimentos teriam repercussão histórica de longo prazo. A revolução dos aiatolás no Irã; e, com apoio das ditaduras da Arabia Saudita e do Paquistão, a formação, pelos EUA, de grupos armados fundamentalistas islâmicos para combater o governo pró-soviético do Afeganistão. Nos anos futuros os EUA teriam motivos para se lamentar diante do crescimento exponencial do movimento islâmico radical e em especial pelo ataque às torres gêmeas, em Nova Iorque, em 11 de setembro de 2001.

A partir dali, os Estados Unidos caminhariam para a direita talvez mais que em qualquer outro momento, mergulhando nas guerras fracassadas no Afeganistão e no Iraque, com apoio entusiástico da mídia, praticando a tortura e o assassinato em nome da defesa da democracia e dos direitos humanos.

Os autores perguntam: “quem foi o vencedor real? Depois de trilhões de dólares gastos, duas guerras, centenas de milhares de mortos no mundo todo, uma interminável guerra contra o terror, a perda das liberdades civis, uma presidência fracassada e uma extremamente maculada e o quase colapso da estrutura financeira do império, pode-se dizer que os EUA tiveram uma vitória de Pirro, em que suas perdas tornaram inútil a vitória”.

(Atualização de Resenha publicada em 2015 na revista Retrato do Brasil, da Editora Manifesto).

Livro
A HISTÓRIA NÃO CONTADA DOS ESTADOS UNIDOS
Por Oliver Stone e Peter Kuznick
355 páginas
Faro Editorial, 2015.


*Carlos Azevedo é jornalista, editor e escritor, trabalhou em jornais como Estado de S. Paulo, Folha de S.Paulo e Diário da Noite e nas revistas O Cruzeiro, Quatro Rodas, Caros Amigos e Retrato do Brasil. Foi um dos fundadores do jornal Movimento e da revista Realidade e é autor do livro Cicatriz de Reportagem, reunindo suas melhores reportagens.
http://www.vermelho.org.br/noticia/290465-1

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