segunda-feira, 28 de novembro de 2016

O CHOQUE DA POBREZA CUBANA

O CHOQUE DA POBREZA CUBANA

SEGUNDA-FEIRA, 28 DE NOVEMBRO DE 2016

A morte de Fidel foi mais um pretexto para a o avanço da ideologia dominante na propagação da ideia de que ou há este caminho ou não há caminho nenhum. Da social-democracia mais à esquerda ou mais à direita, poucos são os que têm coragem de assumir que as conquistas cubanas são tão profundas e importantes que não podemos compará-las com as democracias haitianas, porto-riquenhas ou dominicanas. É que, por incrível que possa parecer, é com esses países que Cuba deveria ser comparada. Porque foram países brutalmente colonizados, explorados nos seus recursos e nos seus povos. Porque era lá que os homens de família que deslocavam em negócios de saias, enquanto enchiam a boca com o moralismo e a santa madre igreja. No entanto, o progresso cubano foi tão expressivo que o comparamos com os países desenvolvidos, ou exploradores, como preferirem. E, por incrível que possa parecer, Cuba supera esses países em categorias tão importantes como a saúde infantil, materna, educação, tratamento do HIV, acesso à habitação. Mas o que importa isso?

Como é que é possível um país não ser aberto só porque o seu líder sofreu 638 tentativas de assassinato por parte da maior potência mundial, fora as tentativas de golpe de Estado?

Claro que o embargo não explica tudo. Afinal, o que pode explicar um país não poder efectuar trocas comerciais com outros? Olhemos para nós, que não nos importamos nada, nem há manchetes e campainhas e alarmes de cada vez que a nossa balança comercial se inclina para um lado ou para o outro? Um embargo não explica tudo.

Um embargo não explica tudo. Os cubanos pedem sabonetes e champôs aos turistas, onde já se viu. E o embargo não tem nada a ver com isto. Ainda se fossem sem-abrigo e pedissem pão, isso sim, era liberdade, democracia e desenvolvimento. 

Então e tu? Já visitaste Cuba? Ou reges-te pela imprensa, que lhe é tão favorável. Claro que sim. A imprensa, ao serviço da classe dominante que abomina e silencia tudo o que foi alcançado com a revolução cubana. A mesma imprensa que, no entanto, é obrigada a noticiar que é em Cuba que são operados doentes portugueses com cataratas. Fora isso, Cuba é um pesadelo. Nunca lá foste, pois não? Então não sabes nada.

O embargo não explica que o sistema eleitoral cubano não seja democrático porque não está de acordo com as nossas democracias amadurecidas, como a dos EUA, em que é possível, numa eleição uninominal, ser eleito alguém com menos votos. Mas pelo menos há eleições. Em Cuba também, mas não importa. As de Cuba são más porque são em Cuba.

E a pobreza em Cuba? Que é muito mais pobreza do que em qualquer cidade sul-americana? Os pobres em Cuba deviam ser pobres como os do Haiti, não é como os cubanos. Onde já se viu, andarem a pedir sabonetes. Já disse que deviam pedir comida e um abrigo, sei lá, não disse? Isso sim, é pobreza menos má, porque é nossa, e olhamos e atravessamos a rua e está resolvido. Agora pobreza quando vamos de férias? Onde já se viu? Nós habituados a ir a Paris, Londres, Barcelona, Madrid, Berlim e lá não há miséria, seus burros. São carências. Claro que não tem a ver com a expulsão dos habitantes locais das grandes cidades para os arredores, transformando-as em enormes centros turísticos, sem a pobreza, que incomoda tanto.

Sim, os putos sabem ler e escrever em Cuba, ao contrário de 200 milhões de crianças por todo o Mundo. Têm aulas de música, desporto e artes que aqui só temos se pagarmos. Muito. Mesmo muito. Pá, mas aquilo não é uma democracia porque não pensam como nós.

Sim, a saúde, está bem. Só porque tem um médico para cada 150 pessoas? Isso justifica alguma coisa? Até parece que, aqui, se eu precisar de um médico não posso ir ao privado. Está bem, tenho de ter um seguro de saúde e pagar por isso. Mas pronto. Posso ficar no público à espera. E se for urgente temos as urgências. Pagamos? Ok, mas ganhamos muito mais que os cubanos, até andam alguns a ver se a gente chega aos 557 euros por mês, em vez dos 600, é porque devemos estar bem. Depois, é pagar luz, água, gás, passe social, renda ou empréstimo e paga-se a consulta nas urgências com o que sobrar.

Fidel foi um criminoso porque matou pessoas durante a revolução. Que importa se o país permaneceu ameaçado, interna e externamente, pelos EUA? Onde já se viu, fazer uma revolução e assassinar pessoas? Isto não ia lá com veludo, ou com cores, ou com estações do ano, como se tem visto com tanto sucesso? Era preciso uma revolução tão revolução? 

Depois há os outros, que sim, Cuba tem coisas boas, como o ensino e a educação, mas. Claro que mas. Uma das principais opositoras cubanas vive na ilha, é paga por George Soros e é conhecida por ser blogger, entrando e saindo da ilha quando quer. Numa ilha sem internet, sem nada, onde se comunica por sinais de fumo. De charuto, claro. Nem liberdade, como canais de rádio e TV que emitem diariamente a partir de Miami. Para onde vão os democratas cubanos, com subsídios do governo norte-americano, desde que não cheguem de avião. Se chegarem de avião, não têm visto.

E os médicos, engenheiros, professores que passam por tantas dificuldades? E os nossos todos aqui tão bem nos callcenter e na Uber ou emigrados ou a servirem de mão-de-obra barata nos supermercados, através das empresas de trabalho temporário? Pelo menos podem sair do país. Em Cuba também, desde que não vão de avião e para os EUA.

Matou pessoas, Fidel. Foi um criminoso sem um pingo de humanidade. Democracia em Cuba, só mesmo em Guantánamo. Devia ter sido mais como nós, que somos cheios de humanidade, mas estamos no lado dos que votaram para eleger um presidente que se recusou a condenar o Apartheid. Curiosamente, Fidel foi uma das pessoas a quem Mandela agradeceu todo o apoio dado à causa dos negros sul-africanos, bem como à libertação de países daquele continente.E o Amílcar Cabral. Tudo bem, mas não era preciso matar pessoas, até parece que não se resolvia a descolonização de outra forma, com paciência e jeitinho.

A malta é de esquerda e está com a Palestina. Fidel é um criminoso admirado na Palestina pelo apoio dado àquele povo, às tantas temos aqui um problema, mas não, porque teremos sempre um mas. Matou pessoas e tudo numa revolução. Que bruto. Em vez de abrir o país à democracia de modelo burguês ocidental, como fez ao Chile de Allende. Morreu mas pelo menos morreu cheio de democracia imposta pelos nossos aliados. O Pinochet é que sabia.

A gente é de esquerda e até esteve pelo Obama. Guantánamo? Mas ele é mesmo cool. Viste-o naquele talk-show? Super engraçado.

E aquelas férias na Tailândia? Que importa o turismo sexual, os pobres lá são muito melhores. Mesmo que, à chegada, nos digam quais os locais para onde podemos ir sem correr o risco de ser assaltados. A pobreza lá é muito melhor. Não pedem champô nem sabonetes. Isto sim, são pobres à maneira. Nem falo na Índia. Lá é que a pobreza é como deve ser.

E Marrocos? É lindíssimo o Saara Ocidental. Presos saarauís? Mas os pobres lá são de categoria, tens é de entrar e fechar-te no hotel e escolher bem o percurso com os guias. Estes ao menos não te pedem champôs. Mas, se puderes deixar ficar uns dólares… Aquele deserto é lindo.

A gente quer é escrever as nossas sentenças nos nossos smartphones feitos com mão-de-obra escrava, a nossa roupa cosida por crianças e poder dar às nossas crianças os brinquedos que são feitos por crianças mais pequenas do que elas. Nenhuma delas é cubana, podem ser haitianas, salvadorenhas ou porto-riquenhas, mas aquela pobreza lá, com pessoas que pedem champôs e sabonetes, choca muito qualquer um.

Cuba não é o paraíso na terra. Mas também não é o inferno que são os seus vizinhos sul-americanos. Por muito que isso custe a quem gostava que fosse.

domingo, 27 de novembro de 2016

Fidel, por Gabriel Garcia Marquez

* MANUEL AUGUSTO ARAUJO

27 DE NOVEMBRO DE 2016

Em memória de um HOMEM! Deixei passar propositadamente o dia de ontem, registando o que foi por aí foi escrito e visto sobre Fidel de Castro!

Registando com enorme indignação o que a poderosa máquina de propaganda imperialista consegue instilar até inesperadamente em muita gente, alguma que muito se tem indignado com Trump mas que, chegado o momento, não se distinguem de Trump. Nada de novo a oeste! Também nada de novo muita gente de esquerda perdida nos seus labirintos e sem encontrarem o fio de ariadne que os salvaria do minotauro e já sem sequer saber como fabricar as asas de Ícaro. Que poderia escrever sobre FIdel? Que música estou a ouvir por Fidel? Texto, o de Gabriel Garcia Marquez bem como a música de Dvorak aqui ficam.

FIDEL  
fcastro
A sua devoção pela palavra. O seu poder de sedução. Vai buscar os problemas onde estão. O Ímpeto e a inspiração são próprios do seu estilo. Os livros reflectem muito bem a amplitude dos seus gostos. Deixou de fumar para ter a autoridade moral para combater o tabagismo. Gosta de preparar as receitas de cozinha com uma espécie de fervor científico. Mantém-se em excelentes condições físicas com várias horas de ginástica diária e natação frequente. Paciência invencível. Disciplina férrea. A força da imaginação arrasta-o até ao imprevisto. Tão importante como aprender a trabalhar é aprender a descansar.
Fatigado de conversar, descansa conversando. Escreve bem e gosta de fazê-lo. O maior estímulo da sua vida é a emoção do risco. A tribuna de improvisador parece ser o seu meio ecológico perfeito.

Começa sempre com uma voz inaudível, com um rumo incerto, mas aproveita qualquer assunto para ir ganhando terreno, palmo a palmo, até que uma espécie de grande vaga se apodera da audiência. É a inspiração: o estado de graça irresistível e deslumbrante, que só o negam aqueles que não tiveram a glória do viver. É anti-dogmático por excelência. José Martí é o seu autor de cabeceira e teve o talento de incorporar o seu ideário à corrente sanguínea de uma revolução marxista.

Na essência do seu pensamento poderia estar a certeza de que para fazer trabalho de massas é fundamental ocupar-se dos indivíduos.

Isto poderia explicar a sua confiança absoluta no contacto directo.

Tem uma linguagem, para cada ocasião e um modo distinto de persuasão para cada interlocutor. Sabe situar-se ao nível de cada um e a sua informação casta e variada permite-lhe mover-se com facilidade em qualquer meio. Uma coisa é segura: esteja onde esteja, como esteja e com quem esteja, Fidel Castro está ali para ganhar.

A sua atitude perante a derrota, ainda que seja nos actos mínimos da vida quotidiana, parece obedecer a uma lógica privada: nem sequer a admitem e não tem um minuto de sossego enquanto não consegue inverter os termos e convertê-la numa vitória.

Ninguém consegue ser mais obsessivo quando se propôs chegar ao fundo de qualquer coisa. Não há projecto colossal e milimétrico, em que ele não se empenhe de uma forma apaixonada.

E em especial se tem que defrontar-se com a adversidade. Nunca como então parece com melhor disposição, Alguém que acredita conhecê-lo bem, disse-lhe: as coisas devem andar muito mal, porque você está esfusiante.

Insistir e aprofundar as coisas é uma das suas formas de trabalhar. Exemplo: o assunto da dívida externa da América Latina, apareceu pela primeira vez nas suas conversas há alguns anos, e foi desenvolvendo-se, ramificando-se, aprofundando-se. A primeira coisa que disse, como uma simples conclusão aritmética, era que a dívida era impagável. Depois apareceram as medidas escalonadas: As repercussões das dívida na economia dos países, o seu impacto politico e social, a sua influência decisiva nas relações internacionais, a sua importância providencial para uma politica unitária da América Latina… até chegar a uma visão totalizadora, a que expôs numa reunião internacional convocada para o efeito e que o tempo se encarregou de demonstrar.

A sua mais rara virtude de politico é essa capacidade de vislumbrar a evoluções dos factos até às suas consequências remotas… no entanto, não exerce esta faculdade por revelações, mas como resultado de um raciocínio árduo e tenaz. O seu auxiliar supremo é a memória que usa até ao abuso em conversas privadas com raciocínios espantosos e operações aritméticas de uma rapidez incrível.

Tudo isto, requer o auxílio de uma informação incessante e bem mastigada e digerida. A sua tarefa de acumulação informativa começa desde o momento em que acorda. Pequena almoça com mais de 200 páginas de notícias de todo o mundo. Durante o dia, fazem-lhe chegar informações urgentes, calcula que cada dia tem que ler 50 documentos, a esses têm que se somar as informações dos serviços oficiais e as conversas com os seus visitantes e tudo aquilo que possa despertar o interesse da sua curiosidade infinita.

As respostas têm de ser exactas, pois é capaz de descobrir a mais pequena contradição numa frase casual. Outra fonte vital de informação são os livros. É um leitor voraz. Ninguém consegue explicar como tem tempo nem qual é o método que utiliza para ler tanto e com tanta rapidez, ainda que ele insista que não tem nenhum talento especial para isso.

Muitas vezes levou um livro de madrugada e na manhã seguinte comenta-o. Lê inglês mas não o fala.

Prefere ler castelhano e a qualquer hora está disposto a ler o mais pequeno papel que lhe caia nas mãos.

É um leitor habitual de assuntos económicos e históricos. É um bom leitor de literatura que segue com atenção.

Tem o costume de interrogar os seus visitantes. Perguntas sucessivas até descobrir o porquê do porquê do porquê.

Quando um visitante da América Latina lhe deu um dado apressado sobre o consumo de arroz dos seus compatriotas, ele fez os seus cálculos mentais e disse-lhe: que estranho, quer dizer que cada um come quatro libras de arroz por dia.

Uma das suas tácticas é perguntar coisas que sabe para confirmar os seus dados. E em alguns casos para medir o calibre do seu interlocutor e tratá-lo em consequência.

Não perde ocasião para informar-se. Durante a guerra de Angola descreveu uma batalha com tantos pormenores e minúcia, numa recepção oficial, que foi difícil convencer o diplomata europeu de que Fidel Castro não tinha participado nela.

O relato que fez da captura e assassinato do Che, o que fez do assalto do quartel da Moneda e da morte de Salvador Allende ou o que disse dos estragos do ciclone Flora, davam grandes reportagens faladas.

A sua visão da América Latina e do seu futuro, é a mesma de Bolívar e de Martí, uma comunidade integral e autónoma, capaz de mover o destino do mundo. O pais do qual sabe mais depois de Cuba, os Estados Unidos. Conhece a fundo as características da sua gente, as suas estruturas de poder, as segundas intenções dos seus governo, e segundas intenções dos seus governos, e isto ajudou-o a contornas a tormenta incessante do bloqueio.

Numa entrevista de várias horas, detém-se em cada assunto, quando se aventura em temas menos conhecidos, nunca descuida a precisão, consciente que uma só palavra mal usada pode causar estragos irreparáveis. Jamais recusou responder a nenhuma pergunta, por mais provocadora que seja, nem perdeu nunca a paciência. Sobre os que escamoteiam a verdade para não lhe causar mais preocupações que as que tem: descobre-o. A um funcionário que o fez, disse-lhe: Ocultam-me verdades para não me preocupar, mas no fim, quando descobrir, morrerei pelo choque de enfrentar tantas verdades que me deixaram de dizer. As mais graves, no entanto, são as verdades lhe ocultam para encobrir erros e deficiências, pois ao lado dos enormes sucessos que sustentam a revolução – as conquistas politicas, científicas, desportivas e culturais – há uma enorme incompetência burocrática monstruosa que afecta toda a vida diária e em especial a felicidade doméstica.

Quando fala com a gente da rua, as conversas ganham expressividade e a franqueza crua dos afectos reais. Chamam-no: Fidel. Rodeiam-no sem riscos, tratam-no por tu, discutem, contradizem-no, protestam, como num canal de transmissão imediata por de onde circulam a verdade aos borbotões. É então que se descobre o ser humano insólito, que o resplendor da sua própria imagem não deixa conhecer: um homem de costumes austeros e ilusões insaciáveis, com uma educação formal à antiga, de palavras cautelosas e ténues e incapaz de conceber nenhuma ideia que não seja descomunal.

Sonha que os “seus” cientistas encontrem o remédio final contra o cancro e criou uma politica externa de potencia mundial, numa ilha 84 vezes mais pequena que o seu inimigo principal.

Tem a convicção que a conquista mais do ser humano é a boa formação da sua consciência e que os estímulos morais, mais do que os estímulos materiais, são capazes de mudar o mundo e empurrar a história.

Ouvi-o nas suas escassas horas de meditação à vida, evocar as coisas que poderia ter feito de outra maneira para ganhar mais tempo de vida. Ao vê-lo muito aborrecido pelo peso de tantos destinos de pessoas, perguntei-lhe o que quisera fazer neste mundo, respondeu-me de imediato: parar num local qualquer.

Gabriel Garcia Marquez in Rebellion

Antonín Dvořák - Requiem
Krassimira Stoyanova, soprano
Elīna Garanča, mezzo-soprano
Stuart Skelton, tenor
Robert Holl, bass
Symphonieorchester des Bayerischen Rundfunks
Mariss Jansons, conductor

https://pracadobocage.wordpress.com/2016/11/27/21915/

Juan Gelman - Fidel


Fidel
Por Juan Gelman
Del poemario “Gotán” (1962).


dirán exactamente de fidel
gran conductor el que incendió la historia etcétera
pero el pueblo lo llama el caballo y es cierto
fidel montó sobre fidel un día
se lanzó de cabeza contra el dolor contra la muerte
pero más todavía contra el polvo del alma
la Historia parlará de sus hechos gloriosos
prefiero recordarlo en el rincón del día
en que miró su tierra y dijo soy la tierra
en que miró su pueblo y dijo soy el pueblo
y abolió sus dolores sus sombras sus olvidos
y solo contra el mundo levantó en una estaca
su propio corazón el único que tuvo
lo desplegó en el aire como una gran bandera
como un fuego encendido contra la noche oscura
como un golpe de amor en la cara del miedo
como un hombre que entra temblando en el amor
alzó su corazón lo agitaba en el aire
lo daba de comer de beber de encender
fidel es un país
yo lo vi con oleajes de rostros en su rostro
la Historia arreglará sus cuentas allá ella
pero lo vi cuando subía gente por sus hubiéramos
buenas noches Historia agranda tus portones
entramos con fidel con el caballo


in http://otempodascerejas2.blogspot.pt/2016/11/figura-memoravel.html

sábado, 19 de novembro de 2016

Alberto Caeiro - O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,

* Alberto Caeiro

 

XX

O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia,

O Tejo tem grandes navios
E navega nele ainda,
Para aqueles que vêem em tudo o que lá não está,
A memória das naus.

O Tejo desce de Espanha
E o Tejo entra no mar em Portugal.
Toda a gente sabe isso.
Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia
E para onde ele vai
E donde ele vem.
E por isso, porque pertence a menos gente,
É mais livre e maior o rio da minha aldeia.

Pelo Tejo vai-se para o Mundo.
Para além do Tejo há a América
E a fortuna daqueles que a encontram.
Ninguém nunca pensou no que há para além
Do rio da minha aldeia.

O rio da minha aldeia não faz pensar em nada
Quem está ao pé dele está só ao pé dele.
7-3-1914
“O Guardador de Rebanhos”. In Poemas de Alberto Caeiro. Fernando Pessoa. (Nota explicativa e notas de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1946 (10ª ed. 1993).
  - 46.
“O Guardador de Rebanhos”. 1ª publ. in Athena, nº 4. Lisboa: Jan. 1925.

http://arquivopessoa.net/textos/3555

Somos aquilo que juntamos

OPINIÃO


Vejo com ironia também em vários jornais a obsessão de “conquistar” os jovens com artigos escritos por jornalistas quarentões convencidos que têm 15 anos.
Parece que há “boas notícias” e que o Diabo adiou a visita a Portugal pelo menos por uns meses. Podemos, pois, ir para outros territórios respirar um pouco.
Visitei recentemente, em Nova Iorque, o Interference Archive, um pequeno arquivo, vivendo do trabalho voluntário, trabalhando para a comunidade em Brooklyn e com uma interessante série de publicações. É um arquivo “radical” muito voltado para recolher documentação dos movimentos sociais e para o activismo comunitário, tendo em anexo um programa de rádio e podcasts. Muitos aspectos deste arquivo são próximos do trabalho que fazemos no Ephemera e por isso me interessaram em particular.
Um dos cartazes do arquivo tem a seguinte frase: “We are what we archive”, somos aquilo que arquivamos. Excelente, é isso mesmo. Somos aquilo (e aqueles) que “juntamos”, e como por aqui tendemos a ser omnívoros e a ter como palavra de ordem “não deite nada fora” do que serve para a nossa memória colectiva, temos uma ambição holística, ou seja, uma forma de loucura mansa. Seja.
Vamos a um caso pessoal e concreto, que penso ter  algum interesse para a actual discussão sobre os jornais em papel e online. O que é que eu “arquivo” na comunicação social portuguesa corrente, para alimentar a secção de periódicos e, mais significativamente, a de recortes?
Os recortes estão muito subestimados por estes dias, mas para quem investiga, ou simplesmente está a escrever sobre alguma coisa, os recortes são preciosos. Sim, nem tudo está no Google, e, sim, nem tudo na Internet faz o papel da surpresa de “descobrir” algo que nos é muito útil. O papel ainda aí continua a ter várias vantagens. O folhear em procuras imprecisas é uma tecnologia superior no papel, e o modo de olhar o que está em papel e para o que está no ecrã não tem o mesmo tempo e modo, nem os mesmos resultados.
É verdade que posso entrar na categoria escassa de “grande leitor” da imprensa, e isso não abunda, nem é regra. Mas há quem o seja, e a quantidade, como pregava o materialismo dialéctico, transforma-se muitas vezes em qualidade. Leio todos os dias o PÚBLICO, Diário de NotíciasiCorreio da ManhãJornal de Notícias e Jornal de Negócios, em papel, e várias vezes por semana o Observador online. Na verdade, para ser mais exacto, leio o PÚBLICO online de um modo geral antes de o ler em papel, e a leitura em papel dos outros jornais é desfasada no tempo, visto que, não vivendo em Lisboa parte da semana, só os recebo dias depois da sua saída. Mas, mesmo o PÚBLICO online, leio-o na versão “impressa”, ou seja, um fac-símile da versão em papel. Não leio as duas da mesma maneira, mesmo sendo iguais; há artigos que leio só em papel e o tempo que demoro é diferente, mais longo em papel. Leio igualmente O Diabo, a Sábado, a Visão, o Time Out, o Sol e o Expresso. O único jornal partidário que leio sistematicamente é o Avante!, que também, nos dias de hoje, é o único que há.
Parece muita coisa para leitura semanal, mas como há um número considerável de notícias que são iguais em vários jornais, a parte útil concentra-se em reportagens próprias, em entrevistas e na opinião, consideravelmente menos do que o conjunto de títulos pode indicar. Demoro, aliás, cada vez menos tempo a ler jornais, mesmo com esta abundância, porque cada vez menos o que lá vem me interessa, mas esta questão de conteúdo fica para outra altura.
De todos estes jornais “arquivo” integralmente o PÚBLICO e o i, e as revistas e jornais semanais, e nos outros marco os artigos que quero guardar com uma palavra-chave, pode ser o autor ou o assunto, para arquivar nos “recortes”. Há um padrão nesses recortes: no Diário de Notícias, alguns artigos de opinião e algumas páginas especiais no início do jornal e o antigo suplemento cultural agora integrado no corpo de jornal, o que claramente o minimiza; no Jornal de Notícias muito pouca coisa; no Correio da Manhã as páginas dos suplementos de domingo com testemunhos sobre a guerra colonial (há anos que os guardo), e os artigos de Eduardo Cintra Torres sobre televisão (a que se somam os seus artigos  no Jornal de Negócios sobre publicidade); no Jornal de Negócios algumas páginas especiais na primeira parte do jornal, embora tenha guardado toda a série sobre os mais “influentes”, uma iniciativa interessante, mesmo que controversa, e ocasionalmente um artigo de opinião. Na opinião do Diário de Notícias e do Jornal de Negócios guardo os artigos com que mais discordo, ou os que mais me irritam, com intenção futura, raras vezes realizada, de escrever sobre eles. Embora leia sempre o Ferreira Fernandes, não sei bem porquê nunca os recortei, a não ser quando têm uma componente memorialística. O Diabo é uma janela sobre uma direita muito especial, a dos “nacionalistas revolucionários” mais jovens e a dos nostálgicos do salazarismo, pelo que tem interesse próprio. No Avante!, que aliás também guardo integralmente, leio e digitalizo os artigos sobre a história do PCP e da oposição e as necrologias “oficiais”, muitas vezes ocultando, numa frase anódina, uma vida importante na luta contra a ditadura.
Dos semanários e do PÚBLICO e do i não recorto nada, visto que os guardo inteiros, entre outras coisas, no caso dos jornais, pela sua excepcional qualidade gráfica. Mas guardo também integralmente os suplementos Dinheiro Vivo (do Diário de Notícias), W (do Jornal de Negócios) e Ípsilon (do PÚBLICO). Digitalizo para arquivar dos jornais e revistas que não recorto, artigos, entrevistas e testemunhos que me interessam para os trabalhos de história que faço. Entram num arquivo electrónico organizado por pessoas e temas, como, por exemplo, “dicionário biográfico” e “PCP – Barreiro” muitas vezes com cópia para várias entradas. Sempre que há uma necrologia que me interessa, procuro no Google e na imprensa local mais dados, de pessoas há muito esquecidas. A morte costuma lembrá-las por breves dias.
Por bizarro que pareça, demoro mais tempo a ler o Sol do que o Expresso, em parte porque o Expresso é muito previsível politicamente e o Sol é uma mistura de “recados” (aliás, como o Expresso) com os artigos mais absurdos da imprensa portuguesa; por isso leio-o com uma curiosidade, digamos assim, entomológica.
Vejo com ironia também em vários jornais a obsessão de “conquistar” os jovens com artigos escritos por jornalistas quarentões convencidos que têm 15 anos. Do mesmo modo, leio pouco o noticiário “cultural” dos jornais, em particular dos semanários, mas também de diários como o PÚBLICO, que parecem mostrar um país de abundantes “criadores” em todas as artes, de que um ano depois não há qualquer rastro.
Do mesmo modo que as grandes empresas “mandam” no jornalismo económico, o imenso sector da arte subsidiada, principalmente nas grandes cidades, e a rede de conhecimentos pessoais e cumplicidades geram um efeito idêntico no mundo cultural, um dos que mais dependem de lóbis. No jornalismo cultural há excepções que leio sempre, como é o caso do António Guerreiro.
Tomem esta lista de “arquivamentos” como pessoal e subjectiva e por isso muitas vezes pode ser injusta ou genérica. Também deve haver esquecimentos, a mais humana das coisas. Mas é assim que “movo” o meu olhar, o meu digitalizador, as minhas pastas, a antitesoura (a que não é da censura, mas… também é), pela massa do papel dos pixels.
Há mais coisas para dizer, e se o Diabo continuar de férias, volto de novo.
https://www.publico.pt/politica/noticia/somos-aquilo-que-juntamos-1751711?page=-1

sexta-feira, 11 de novembro de 2016

(chamava-se Mariana Torres ...)

História esquecida
de uma operária assassinada
pela Guarda Republicana
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(chamava-se Mariana Torres ...)
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Há 96 anos, as mulheres das fábricas de Setúbal, com sa­­lários que oscilavam entre os 350 e os 400 reis, exigiam au­­mentos de 50 reis por hora. O advento das máquinas de sol­dar e a crise da indústria conserveira ameaçavam pôr no desemprego milhares de operários. Declarada a greve a 21 de Fevereiro de 1911 – tinha a República cinco meses –, de­pressa se revelou a intransigência dos patrões. Sucederam--se os incidentes violentos, ao ponto de o administrador do concelho encerrar duas associações operárias e banir da cidade dois sindicalistas. No dia 25 de Fevereiro, o opera­ria­do de Setúbal declarou a greve geral. Foram enviados para a cidade vários contingentes militares e a canhoneira Zaire. Os trabalhadores, intimidados, regressaram ao traba­lho no dia 28, mas não as mulheres: recusavam retomar o tra­balho enquanto não lhes dessem os aumentos de salário. Os industriais respondem então com o lock-out. A 13 de Março, dão-se confrontos na fábrica Costa e Carvalho, in­va­dida pelas grevistas quando se apercebem de que mulheres da família do patrão as substituíam no trabalho de enlatar o peixe. São insultadas e agredidas por alguns dos 50 solda­dores presentes (os soldadores, categoria mais bem paga, não tinham aderido à greve). Paulino de Oliveira, re­publi­cano conhecido e irmão da proprietária, chega ao pon­to de dar chibatadas a várias mulheres. Em seguida, co­mo as mu­lheres vaiassem os soldados da Guarda Repu­blicana que protegiam as carroças de peixe em serviço na fá­brica, a guar­da carregou, dispersando as grevistas a tiro e à coronhada. Entre os operários, muitos feridos e dois mor­tos: Mariana Torres e António Mendes. Todas as fábricas reabriram na segunda semana de Abril, com as operárias e os operários derrotados e de luto. Signifi­ca­tivamente, da jovem operária assassinada nada se sabe, e até o seu nome se perdeu nos relatos, só muito mais tarde tendo sido recuperado.Dois dias depois dos assassinatos de Setúbal tinha-se rea­­lizado em Lisboa uma reunião de protesto de represen­tantes das associações operárias e a 20 de Março foi procla­mada uma paralisação do trabalho por 24 horas, reclaman­do a demissão do administrador do concelho de Setúbal, a readmissão de alguns dos despedidos e a libertação dos ope­rários que tinham sido presos. Muitos milhares de ope­rários de Lisboa abandonaram as fábricas e oficinas em apoio dos seus camaradas setubalenses.Aquela tarde de 13 de Março, ao fim de três semanas de con­flito, foi “a primeira nódoa de sangue na República”(1) e “um dos [seus] mais tremendos pesadelos”(2) . E também um grande revés para as mulheres, que passaram a trabalhar 9 horas em vez de 8, e para os moços de fábrica, que pas­sa­ram a receber pelo trabalho nocturno 40 reis, quando antes recebiam 50. O sindicalista Carlos Rates, que animara a greve, foi detido(3).

Uma feminista contraditória

A sangrenta repressão na fábrica Costa e Car­va­lho pôs em causa Ana de Castro Osório, a mais ilus­tre feminista da época, pela sua ligação familiar à dona da fábrica e a Paulino de Oliveira, seu marido. Criticada no Germinal de Se­túbal pelo anarquista Martins dos Santos(4), Ana de Castro Osório respondeu, em artigo no Radical (propriedade de seu marido), que “a greve das mulheres das fábricas de con­serva foi extemporânea e, mais ainda, injusta”. Discorda­va que se transformasse a associação num órgão reivindicativo e aconselhava antes as operárias a cotizar-se para fundar uma escola primária para elas e para os filhos. Acusava a gre­­ve de “ser estimulada e aproveitada pelos que nutrem ódio à República” e as grevistas de serem manipuladas como “carne de canhão para o triunfo dos superiores”, isto é, os ope­rários soldadores das fábricas de conservas. Em resposta à alegação das operárias de que defendiam o pão dos seus filhos, Ana de Castro Osório justificava que “os fabricantes também defendem o dos seus” e “lutam para sustentar uma indústria que não tem grandes condições de resistência”. Como os sindicalistas, em resposta, organizam o boicote à venda do jornal, O Radical contra-ataca, a 6 de Abril: “O pouco senso, menos desculpável até que o das mulheres, de todo incultas e inexperientes, chegou à loucura de tenta­rem uma greve geral – querendo bloquear burgueses e não bur­gueses, a cidade inteira, pela fome, pela sede, e até pela… imundície amontoada!” Por último, numa derradeira edição, o jornal republicano ataca “As mulheres… desgovernadas”: “Até as mais intransigentes, as mais danadas, já vão solicitar bilhetinho, um cartão misericordioso, que lhes permita obter trabalho noutras fábricas!… (…) Malditos!(5)”A amargura veemente desta praga estava relacionada com a iminente partida do casal e o fecho inesperado do jor­nal. Com efeito, em Maio, Ana de Castro Osório acom­panhou ao Brasil o marido, subitamente nomeado cônsul de Portu­gal em S. Paulo, numa ausência que alguns equi­pararam a exí­lio. Regressada a Portugal em 1913, a feminista não mais retornou a Setúbal e passou a residir em Lisboa.Na cidade sadina, e durante vários anos, a data do 13 de Mar­ço foi assinalada com concorridas manifestações públi­cas de protesto junto às campas dos grevistas mortos, segui­das de sessões de propaganda promovidas pelas associações operárias.A República e as mulheres do povoA Liga Republicana das Mulheres Portuguesas, organizada em 1909 por Ana de Castro Osório, nunca teve mais de 500 aderentes. A sua desmoralização ter-se-á acen­tuado quando, a 14 de Março desse ano de 1911, o Partido Re­pu­blicano aprovou a lei eleitoral sem consagrar o sufrágio uni­versal, como sempre prometera, deixando de fora pratica­mente todas as mulheres. Os incidentes da greve e a polémi­ca gerada em volta das posições assumidas por Ana de Cas­tro Osório terão contribuído também para este afasta­mento em massa.Dias depois dos dramáticos incidentes de Setúbal, esta es­­crevia, em resposta a uma operária que se queixava do de­­sinteresse das intelectuais em educar as operárias: “A mu­lher do povo é que, em geral, não tem correspondido à boa vontade que as intelectuais têm tido para com ela, malsinan­do-lhe os seus intuitos umas vezes, desconhecendo-os ou­tras, e ainda outras acolhendo todas as iniciativas que lhes cum­pria auxiliar com a sua presença e boa vontade, com a mais escarninha indiferença”. E concluía, numa nota em que fica patente a decepção: “Em todas as terras onde as senhoras que pertencem à Liga têm tentado chamar a si a mulher do povo, pouco ou nada se tem conseguido”(6).Esta atitude reflecte o sentimento geral das restantes re­­pu­­blicanas daquele tempo. Longe ia já o tempo em que Ana de Castro Osório via com entusiasmo a luta social: “…A mulher tem o direito, mais, tem o dever de entrar na lide e, ao lado do oprimido, do fraco, pugnar pela felicidade ou pela menor desgraça dos que sofrem”.(7) Aliás, por esta al­tura, e certamente para marcar a sua distância em relação a determinadas sensibilidades na Liga, ela fundou, com ou­tras, a Associação de Propaganda Feminista, cujo fim era “ele­­var a mulher pela educação e pela instrução”. Num dis­curso de 1912, dirá: “A nossa luta não é, por agora, a cam­panha frondista das ruas e dos comícios. Não! Deixemos a outras esse papel glorioso e ruidoso que é necessário tam­bém, e caminhemos nós, sem nos hostilizarmos mutuamen­te, porque todas as propagandas femininas são úteis…”(8) O núcleo de 200 a 300 burguesas combativas que antes de 1910 liderava esse movimento de opinião – irmãs de lu­ta dos políticos republicanos – prosseguirá, agora virado para dentro, a sua estratégia de classe, que deixava de fora a grande maioria das portuguesas. A visibilidade da causa fe­minista declina a partir de 1913, quando se torna claro que o grupo parlamentar republicano nunca consagrará o di­reito de voto para todas as mulheres, já para não falar na igual­dade na família, no trabalho e na educação.O feminismo anti-operário, tornado dominante, limitará a sua actividade aos aspectos associativos e assistenciais e ao apoio incondicional à política dos dignitários republica­nos (incluindo a campanha para o alistamento no Corpo Ex­­pedicionário Português que irá combater em França), ape­­sar do apoucamento das suas reivindicações mais avança­das por parte daqueles. As mulheres das outras classes fi­ca­ram votadas ao ostracismo.À medida que se ia afirmando o carácter burguês do mo­­vimento de emancipação, também nas lutas operárias dei­­xaram de ter lugar os ideais feministas, tornados impopulares e considerados como uma causa estranha à classe. Co­mentários deste género eram frequentes: “A mulher quer o voto? Não! Faço-lhe essa justiça. Quem o pretende é uma re­duzida minoria de ambiciosas de espírito tacanho, que nada mais vêem que a bonita figura que poderiam vir a fa­zer num parlamento, falando e discutindo, rubras, indi­gnadas, em rasgos sublimes de oratória.”(9) Foi o descaso dos republicanos em geral pela condição fe­minina nas camadas laboriosas e o desprezo dos seus su­ces­­sivos governos pelas cidadãs que proporcionou a Salazar, em 1928, um forte apoio das mulheres do povo. A “penúria agradável” da “casa portuguesa” em que o dita­dor as quis fazer viver, sendo já outra história, é no entanto a conse­quência desta.
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Texto de Ana Barradas
In "Greve das conserveiras de Setúbal"
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Fontes :


(1) O Radical, 19 de Março.
(2) O operariado e a República Democrática, 1910-1914, p. 265.
(3) Carlos Rates, mais tarde fundador do Partido Comunista, era então dirigente da Associação dos Trabalhadores e da União Local de Trabalhadores.
(4) Germinal, 25/2/1911.(5) O Radical, a 27 de Abril.
(6) O Radical de 6/4/1911,

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quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Carta de Flamula - Escritura de Vila do Conde – ano de 953


Escritura de Vila do Conde – ano de 953
Kartula de villa comitis. In ripa maris.

In nomine domini.
Ego flamula prolis pelagius et iberia. Vobis gonta abba et fratres et sorores habitantes cenobio vimaranes in domino salutem amen.

Annuit namque serenitatis meae asto animo et propria mea voluntate ut facerem uobis sicut ef facio textum scripture uenditionis et firmitatis. De villas nostras proprias que habemus in ripa maris prope riuulo Aue subtus montis Tirroso. Idest villa de comite quomodo diuidet cum villa fromarici. et cum villa euracini. et inde per aqua maris usque. in suos terminos antiquos ab integro. uobis concedimus cum suas salinas. et cum suas piscarias. et ecclesia que est fundata in castro uocitato sancto iohanne per suos terminos ab integro. uobis illa concedimus cum omni sua prestancia quicquid in se obtinet.

Et concedimus uobis alia villa uocitata quintanella ab integro. per suos terminos quomodo diuidet cum villa fromarici. et villa tauquinia. et perge ad archa de peori et divide cum villa argevadi. et cum villa anserici. et inde per cararia maurisca. et inde ad archa qui sta super ipsa villa. et inde in aula maris et torna ad termino de fromarici ubi prius incoabimus. pomares. ficares. aquas cursiles. uel incursiles. et omnis sua prestancia quicquid in se obtinet ab integro. uobis concedimus cum cunctis prestationibus suis secundum eas obtinuerunt genitores nostri Pelagius e Iberia. sic et nostra criacione uobis damus in ipsas villas et ut eis benefaciatis. Id sunt filios de baltario. et de trasilli. et filios de gresulfo. et de genilli ac de gondulfo.
Ac accepimus de uos duas mulas placibiles. una saia de fanzanzal. cum sua uatanna tiraz. manto azingiaue cum suo panno fazanzale. uno uaso imaginato et exaurato. duas pelles anninias. fiunt sub uno mille solidos. ipsum nobis bene complacuit.
Ita ut de hodie die et in omni tempore sit omnia de iuri nostro abraso ab integro. et ad parte monasterii vimaranes sit traditum atque confirmatum perhenniter deserviendum. Si quis tamen quod fieri non credimus aliquis homo contra hunc factum nostrum ad irrunpendum veniret. que nos in iudicio deuindicare non potuerimus aut uos in uoci nostre quomodo duplemus uobis ipsas villas. et ad parte iudicis terre auri duo talentum. et hoc factum nostrum in cunctis obtineat firmitatis roborem.
Notum VII kalendas aprilis. Era DCCCCLXXXXI. Flamula deo vota in hanc cartulam uenditionis et firmitatis a me facta manu mea rouoro.
Aloitus cellonovensis manu mea confirmo
Amarildus manuldi manu mea confirmo
Iafar sarrazinis manu mea confirmo
Palatinus armentari presbiter confirmo
Arias diaconi manu mea confirmo
Affonso testis. Menno testis.
Zonio testis. Vermudo testis. Zidi guntemeriz testis. Quiriaco testis. Jovino testis. Guntemiro terstis.

Hoduarius aloitiz manu mea confirmo
Aldereto seniorinis manu mea confirmo
Lucidus confratris manu mea confirmo
Pelagiusavianiz manu mea confirmo
Eidinus presbiter manu mea confirmo
Gundesindus zanonit manu mea confirmo
Froila christinit manu mea confirmo
Gundemiro manu mea confirmo
Clerigus astrulfis manu mea confirmo


Tradução

Em nome do Senhor, ámen.
Eu, Châmoa, filha de Paio e Ibéria, saúdo-vos a vós, abade Gonta e Irmãos e Irmãs que habitais no Mosteiro de Guimarães. Ámen.

Decidi, na serenidade da minha consciência e de minha própria vontade, fazer-vos, como faço, uma escritura de venda e segurança das nossas vilas que possuímos à beira-mar, junto ao rio Ave, sob o monte de Terroso. Isto é, Vila do Conde, como confronta com a Vila de Formariz e com a Vila de Varzim, e daí pela água do mar, segundo os seus limites antigos, e inteira. Concedemo-vo-la com as suas salinas e com os seus pesqueiros. E a igreja que se encontra no castro chamado S. João, pelos seus termos e inteira, concedemo-vo-la com todos os pertences que possui.

E concedemo-vos outra vila, chamada Quintanela, inteira, pelos seus limites, como confronta com a vila de Formariz e com a vila de Touguinha; e continua até aos marcos de Pior, e confronta com a vila de Argivai e com a vila de Anseriz, e daí pela estrada mourisca; e daí, até ao marco que está acima da mesma vila; e daí, à beira-mar, volta ao limite de Formariz, onde antes começámos. Concedemo-vos os pomares, os figueirais, as águas correntes e paradas e tudo quanto em si possui, inteiramente, como a possuíram os nossos pais Paio e Ibéria e a nossa criação. Damo-vo-lo nessas vilas para que cuideis dele. Estão aí os filhos de Balteiro e de Trasilho, e os filhos de Gresulfo, e de Genilho e de Gondulfo.

E recebemos de vós duas mulas mansas, uma saia de fansansal com sua badana tiraz, um manto de pele de esquilo com o seu pano fansansal, um vaso com imagens e dourado, duas peles de jumento. Totaliza mil soldos. Isso nos satisfaz.

Que de hoje para todo o sempre seja tudo isto retirado da nossa posse e entregue à parte do Mosteiro de Guimarães, e confirmado para seu constante serviço.

Se, todavia, o que cremos que não acontecerá, alguém vier contra este nosso contrato, para o desfazer, não poderemos justificá-lo em juízo, ou nós contra vós, dobraremos essas vilas e mais dois talentos de ouro para o juiz da terra. E que em tudo este nosso acto obtenha garantia de segurança.

26 de Março de 953.

Eu, Châmoa Deovota, confirmo com a minha mão nesta escritura de venda e segurança feita por mim.

Hodoário Aloites, confirmo com minha mão.
Aldereto Senhorins, confirmo com minha mão.
Irmão Lúcido, confirmo com minha mão.
Paio Arianes, confirmo com minha mão.
Padre Eidino, confirmo com minha mão.
Gundesindo Sanões, confirmo com minha mão.
Froila Cristins, confirmo com minha mão.
Gundemiro, confirmo com minha mão.

Aloito Celonovense, confirmo com minha mão.
Amareldo Manuldes, confirmo com minha mão.
Jafar Sarracins, confirmo com minha mão.
Palatino Armentares, confirmo com minha mão.
Árias Diácones, confirmo com minha mão.
Afonso, testemunha. Meno, testemunha.
Sónio, testemunha. Vermudes, testemunha. Cides Guntemires, testemunha. Quiríaco, testemunha. Jovino, testemunha. Guntemiro, testemunha.

Châmoa


PUBLICADA POR JOSÉ FERREIRA À(S) 12:04 
http://villacomitis.blogspot.pt/2009/10/vc2.html

Mentio de malefactoria c. 1210


O «Mentio de malefactoria» é um documento, em que D. Lourenço Fernandes da Cunha se queixa das violencas e malfeitorias que lhe fez el-rei D. Sancho, pessoalmente e por intermédio de Vasco Mendes.





[1] H(ec) [est] mentio de malefactoria q(u)am rex donn(us) Sanci(us) fec(it) donno Laurẽcio F(er)nandi (et) p(re)cep(it) fac(er)e q(uo)d ei fecit [2] Velasc(us) Men(en)di. In p(r)imis accepit ei LXXXa. modios int(er) pane (et) uinũ et XXV int(er) archas (et) [3] cupas et X. scutos et II.as, culcitres (et) II plumacios et int(er) scannos (et) lectos XI et calda- [4] rias (et) m(en)sas (et) scutellas (et) uasos muitos (et) capellos de ferro (et) porcos decẽ (et) oues (et) capras [5] et XV m(o)r(a)b(itino)s, q(ui) leuauer(unt) de suis hominib(us) q(ui) spectauer(unt) et multa, alia arma. Sup(er) hoc depo- [6] pulauer(unt) ei LXX.a casalia, unde est p(er)ditũ p(re)sentẽ fructu (q(uo)d in eis habebat (et) q(uo)d debet euenire. [7] (et) C homines d(e) maladia, q(u)i ita p(er)dider(unt). Deinde miser(unt) ignẽ in sua q(u)intana de Cuina (et) cre- [8] mauer(unt) eã totã q(uia) pré igne nichil ibi remansit. Et dirribauer(unt) de ipsa turre q(u)antã potuer(unt) [9] (et) q(uo)d n(on) potuer(unt) miser(unt) in eã ignẽ q(u)i eã findidit, q(uo)d nũq(u)am potest e(ss)e em(en)data. Et etiã magis [10] custaret eã fac(er)e q(uo)d mille (et) D m(o)r(a)b(itino)s. (Et) q(u)anta casalia habebat cora ipsa dieta q(u)in- [11] tana cremauer(unt)ea. Sup(er) hoc acceper(unt) ei unũ sarracenũ bonũ. [12] Et sciãt o(mne)s homines q(u)i hãc sc(r)ipturã uid(er)int q(uo)d ego Laurẽti(us) F(er)nandi n(on) feci nec dixi q(uo)d recepissẽ [13] hãc destructionẽ (et) malefactoria q(uo)d recepi.

 https://www.hs-augsburg.de/~harsch/lusitana/Cronologia/seculo13/Malefactorio/mal_manu.html