segunda-feira, 13 de outubro de 2025

"Que Presidente da República para Portugal? - Contra a tentação presidencialista"

Presidenciais 2026

Costa ajusta contas com Marcelo em prefácio de novo livro: “Legitimidade reforçada do PR em nada tem contribuído para a estabilidade”

Rita Dinis, Jornalista

 “Éramos felizes e não sabíamos”, chegou a dizer Marcelo sobre a coabitação com Costa. No prefácio do livro “Que Presidente da República para Portugal?”, de Vital Moreira, o ex-primeiro-ministro defende como o PR deve ser um mediador e promotor de consensos – coisa que, escreve Costa, Marcelo não foi, a não ser na pandemia

Num sistema de governo parlamentar (e não semipresidencialista) como é o português, o Presidente da República deve ter uma função "essencialmente moderadora", como "garante do regular funcionamento das instituições", deve ser promotor de "acordos de regime", deve ter um "sábio uso da gravitas da palavra" e deve usar a sua "autoridade política para prevenir crises e mobilizar consensos políticos e sociais". Mas não é isso que tem acontecido, conclui o ex-primeiro-ministro e atual presidente do Conselho Europeu, António Costa, no prefácio do novo livro , com o título "Que Presidente da República para Portugal? - Contra a tentação presidencialista", do constitucionalista Vital Moreira.

Prova disso, escreve, são as dez dissoluções da Assembleia da República que aconteceram nos últimos 25 governos do regime democrático, incluindo em contextos de maioria absoluta, como foi o caso do seu último governo. "Vinte e cinco governos e dez dissoluções da Assembleia da República em 50 anos confirmam que a legitimidade eleitoral reforçada do PR em nada contribuiu para a estabilidade, antes pelo contrário", considera António Costa, lembrando que "todos os presidentes utilizaram no segundo mandato" essa legitimidade reforçada para "confrontar a solução de governo existente, mesmo que dispondo de maioria na AR".

António Costa, recorde-se, viu a Assembleia da República ser dissolvida por duas vezes às mãos de Marcelo Rebelo de Sousa, provocando a queda de dois dos seus governos e a consequente ida a eleições. A primeira aconteceu em outubro de 2021, aquando do chumbo do Orçamento do Estado para 2022, e resultou na maioria absoluta do PS; a segunda aconteceu em novembro de 2023, depois de António Costa ter apresentado a sua demissão como primeiro-ministro na sequência do comunicado da PGR que o visava na investigação judicial da Operação Influencer. Nessa altura, Costa alegou que o PS dispunha de maioria absoluta no Parlamento, pelo que deveria nomear um novo primeiro-ministro, mas Marcelo entendeu que a maioria absoluta do PS estava personalizada na figura de António Costa e, caindo um, caía o outro também. É essa espinha que está entalada: logo na altura, o então líder do PS considerou que tinha faltado "bom senso" ao Presidente .

Depois disso, Marcelo, que foi eleito em 2016 com 52% dos votos, e reeleito em 2021 com uns esmagadores 60%, ainda usaria mais uma vez o poder de dissolução, depois de Luís Montenegro ter visto uma moção de confiança rejeitada pelo Parlamento, na sequência da investigação à empresa familiar de Luís Montenegro, que levou ao reforço da votação do PSD nas urnas.

No prefácio do livro sobre os poderes do Presidente da República da autoria do constitucionalista e ex-deputado do PS Vital Moreira, Costa começa por sublinhar que não está em causa qualquer recuo no modo de eleição direta do Presidente da República, consagrado na Constituição, mas não deixa de realçar que essa forma de eleição direta - que reforça a legitimidade eleitoral do Presidente, na medida em que é eleito com a maioria dos votos dos portugueses - não tem sido sinónimo de estabilidade, nem sequer de acordos de regime ou de prevenção de crises.

Costa até pega no exemplo italiano e alemão, onde o PR é eleito de forma indireta, para dizer que não só não é por isso que aqueles Presidentes têm a autoridade beliscada, como até se verifica que há, naqueles casos, um "reforço do seu papel verdadeiramente moderador".

Segundo o ex-primeiro-ministro, raros foram os Presidentes que conseguiram promover verdadeiros acordos de regime, devendo esse mérito ser concedido aos partidos do regime, PS e PSD. "Os verdadeiros acordos de regime, na política externa, na defesa nacional ou na integração europeia, foram mais fruto da coincidência de posições políticas do PS e PSD, consolidada pela força centrípeta da NATO e da UE, do que da ação de qualquer presidente", escreve, enumerando aquilo que diz terem sido "exceções" a este entendimento.

"A legitimidade conferida pela eleição direta do PR não se traduziu, nos sucessivos mandatos presidenciais, na autoridade política para prevenir crises e mobilizar consensos políticos e sociais. As exceções que confirmam a regra são raras", escreve, dando como "poucos exemplos que a memória regista" os casos de Mário Soares e a sua "magistratura de influência" na mobilização do programa de erradicação das barracas nas áreas metropolitanas; o caso de Jorge Sampaio na defesa da causa de Timor ou até o caso de Cavaco Silva na mediação da crise do "irrevogável" que salvou a coligação de Passos Coelho. Sobre Marcelo Rebelo de Sousa - o Presidente com o qual coabitoudurante a quase totalidade do seu tempo como primeiro-ministro - Costa identifica a sua "valiosa ação pedagógica durante a pandemia da Covid-19". Ou seja, em tudo o resto, Marcelo não soube mediar consensos nem prevenir crises, e o carimbo das três dissoluções ajudam a ilustrá-lo.

Dissolução só com maioria alternativa

No livro, Vital Moreira, também autor do blogue Causa Nossa, que tem sido muito crítico dos mandatos de Marcelo Rebelo de Sousa, defende duas propostas de alteração constitucional que vão no sentido de conferir maior centralidade ao Parlamento num sistema de governo que é parlamentar: uma delas é a necessidade de o programa de Governo ser votado e aprovado na Assembleia da República (atualmente só tem de ser discutide e a votação só ocorre se algum partido o propuser); a outra é a consagração da figura da moção de censura construtiva, há muito defendida por António Costa.

A combinação destas duas alterações, no entender de Costa, "reforçaria de modo inequívoco o parlamento como fonte da legitimidade do governo, que perante si responde politicamente". Por outras palavras, o ex-primeiro-ministro lembra que o Governo responde perante o Parlamento e não perante o Presidente da República.

Segundo Costa, estas alterações são sobretudo necessárias num contexto em que a crescente fragmentação parlamentar faz com que seja cada vez mais difícil haver maiorias absolutas de um só partido (o governo que encabeçou em 2022/2023 era uma raridade ao nível europeu), e num contexto em que facilmente se formam aquilo a que Costa chama de "maiorias artificiais".

"A criação de maiorias artificiais por via de mudanças no sistema eleitoral é altamente penalizador da representatividade democrática. É, por isso, necessário incentivar o diálogo parlamentar, uma cultura de compromisso que assegure o necessário apoio parlamentar para a execução de um programa de governo", escreve, defendendo que o programa de governo ganhe aqui uma nova centralidade no momento de o PR decidir a dissolução da Assembleia da República "por proposta do primeiro-ministro".

Paralelamente, com a figura da moção de censura construtiva, defendida por Vital Moreira e secundada por António Costa, o derrube do governo via Parlamento só passaria a ser possível "mediante a designação por maioria de um novo primeiro-ministro acompanhado do respetivo programa de governo". Ou seja, o derrube do governo por parte dos partidos com representação parlamentar só passaria a ser possível se esses mesmos partidos tivessem uma solução alternativa. Isto evitaria "os riscos de um parlamentarismo disfuncional" e evitaria as situações de impasse em que o Governo cai por falta de apoio parlamentar, mas, não havendo alternativa naquele quadro parlamentar, é preciso convocar novas eleições.

Neste sentido, Vital Moreira defende também que a Assembleia da República deve ser dissolvida quando é incapaz de fazer aprovar um programa de governo e quando não é capaz de aprovar um Orçamento do Estado - coisa que, na prática, aconteceu sob a batuta de Marcelo, mas que, a menos de três meses das eleições presidenciais, não é o entendimento partilhado por todos os candidatos. Sobre o Orçamento do Estado e o seu papel, Costa sugere uma "dessacralização" do Orçamento tal como a que Luís Montenegro fez com a proposta para 2026: em vez de ser visto como uma espécie de moção anual de confiança ou censura ao Governo, deve ser um "mero instrumento de execução obrigatória dos atos legislativos vigentes", derivado da lei de enquadramento orçamental.

Ainda sobre Marcelo Rebelo de Sousa e o entendimento que fez - e faz - do seu mandato presidencial, António Costa deixa a dúvida: terá Marcelo abdicado do "sábio uso da gravitas da palavra", como sucessivamente lhe apontou Vital Moreira, por ser esse o seu entendimento da função presidencial, ou terá sido por causa das circunstâncias do "novo ecossistema comunicacional" dominado pelo peso das redes sociais? "Poderá um PR diretamente eleito pelos cidadãos regressar ao sábio uso da gravitas da palavra, ou o novo ecossistema comunicacional desenhou um novo espaço público onde tal não é possível?", questiona.

E deixa ainda outra pergunta no ar, à atenção dos candidatos presidenciais que concorrem para a sucessão de Marcelo: Como é possível compatibilizar a "omnipresença" do PR com um sistema em que é ao governo que cabe a direção política do país, e onde o governo responde "perante a AR e não perante o PR"? É a pergunta para um milhão de euros que Costa e Marcelo parecem não ter sabido responder nos últimos oito anos e que António Costa deixa agora ao próximo Presidente da República - para refletir.

https://expresso.pt/politica/eleicoes/presidenciais/

sábado, 11 de outubro de 2025

Flávio Almada - Reflexão “Erradicar a Cova da Moura”


Militarizar as subjetividades significa implodir todos os vínculos possíveis de solidariedade, pois estamos numa guerra de todos contra todos. A candidata da coligação PSD/CDS à Câmara da Amadora, Suzana Garcia, acompanhada pelo dirigente do PSD e ministro das Infraestruturas e Habitação, Miguel Pinto Luz, durante uma visita à Cova da Moura, na Amadora, 1 de Setembro de 2025 (fotografia de José Sena Goulão/Lusa)

Reflexão “Erradicar a Cova da Moura”: entre o léxico do genocídio e a militarização das subjectividades

No passado dia 25 de agosto de 2025, a candidata à Câmara Municipal da Amadora Suzana Garcia afirmou já ter um programa elaborado com o Ministério das Infraestruturas para a “erradicação da Cova da Moura”. Para além de “vou mesmo erradicar aquilo tudo”, a higiene urbana que considerou na sua linguagem – “um dos piores cancros da cidade” – também faz parte das prioridades da candidata, apoiada pelo PSD, CDS, PPM, RIR e MPT.

No dia seguinte, o Ministério das Infraestruturas e Habitação desmentiu a candidata do PSD, negando a existência de qualquer acordo relativamente à  “erradicação” da Cova da Moura.

No entanto, Miguel Pinto Luz, o ministro que desmentiu Susana Garcia, marcou presença na campanha eleitoral desta candidata no dia 1 de Setembro. Uma visita que era para ser na Cova da Moura, mas não saiu do parque de estacionamento, localizado fora do bairro, junto ao Polidesportivo.

Seguindo, antes mesmo da candidata Susana Garcia, o partido fascista Chega espalhou diversos outdoors em toda a Amadora, apresentando a imagem do seu candidato à Câmara Municipal, Rui Paulo Sousa, ao lado de André Ventura.

A maioria desses outdoors está localizada nas entradas dos bairros habitados maioritariamente por pessoas racializadas, empobrecidas e economicamente mais vulneráveis, ostentando a seguinte inscrição: “vamos limpar a Amadora“. 

Em sequência, Rui Paulo Sousa expressou a mesma opinião, com a seguinte declaração na sua página do Facebook: “Vamos limpar a Amadora da bandidagem, da violência gratuita e devolver o município aos Amadorenses de bem!”.

Perante tudo isto, propomo-nos aqui fazer algumas considerações.

Em primeiro lugar, é preciso dizer que não existem “barracas” no bairro Alto da Cova da Moura. Isto revela, já em si, que o teor da linguagem utilizada procura ludibriar a mente milhares de pessoas que vivem atarefadas, na batalha pela sobrevivência e a dos seus filhos que desconhecem a Cova da Moura.

É preciso também dizer, pelo que sabemos à data [1 de Setembro], que não houve nunca nenhuma conversa entre a Suzana Garcia e os moradores da Cova da Moura, o que revela o hábito do paternalismo racista de quem se sente no direito de decidir o futuro de milhares de pessoas, sem que estas tenham uma única palavra a dizer sobre as suas vidas.

Tanto Suzana Garcia, como Rui Paulo Sousa deram grandes dentadas aos discursos coloniais dos séculos passados, conjugando romantismo nacionalista com visões teleológicas da história,  prognosticadoras da realização dos destinos da nação e da raça, sob a incumbência de um suposto trabalho sacrificial de salvar e expiar os males do “indígena”.

Expressões como “limpar a Amadora” ou “erradicação da Cova da Moura” revelam com notável clareza como a linguagem zoológica está presente, geralmente, no discurso da direita e da extrema-direita, relativamente aos imigrantes, pessoas racializadas e pobres, inserindo-se naquilo que Frantz Fanon chamou de “vocabulário colonial”.

São discursos higienistas que associam a Cova da Moura, os bairros empobrecidos e racializados aos corpos patogénicos. Só faltava recomendar abertamente a pulverização de antiparasitários e outros químicos para extirpar os vetores das doenças.

Em segundo lugar, embora possa parecer estranho (e em verdade não deveria ser), mas insinuar “limpar Amadora” e/ou “vou mesmo erradicar aquilo tudo” indiciam que os efeitos do genocídio em curso na Palestina já se fazem sentir em Portugal, quando olhamos para a carga semântica das expressões e dos léxicos supracitados.

Quanto a nós, essas expressões ecoam com “limpar Gaza”, pronunciado pelo fascista e narcisista Donald Trump, ou “Gaza deve ser terraplenado”, dito pelo fascista ministro israelita Bezalel Smotrich e outros nazi-sionistas de Israel que neste preciso momento prosseguem com o genocídio, em livestream, sobre o povo palestiniano.

Importa enfatizar que Susana Garcia fez um vídeo intitulado “Vamos erradicar a Cova da Moura” onde aparece a conduzir um buldózer, numa sequência de imagens das casas da Cova da Moura, afirmando: “estou aqui para arrasar com o clandestino […]

Esse vídeo remeteu-nos para o genocídio que está em curso na Palestina, conduzido pelo macabro estado de Israel, com a cumplicidade do Governo português.

Em Gaza, para quem não sabe ou finge não saber, os buldózeres foram transformados pelas Forças de Defesa de Israel (IDF) num instrumento de destruição em massa. Em particular, os D9s, fornecidos pela empresa norte-americana Caterpilar, foram blindados e equipados com metralhadoras e espingardas. E inclusive houve ofertas de emprego aos condutores de buldózeres para a demolição de Gaza e cujo valor oscilava entre 800 e 1000 euros, por dia.  

O nazi-sionista Rabbi Avrahma Zarbiv, da Brigada Givati das Forças de Defesa de Israel, por exemplo, tornou-se numa celebridade quando admitiu numa entrevista para uma televisão israelita que, como condutor de um D9, demoliu 50 edifícios por semana em Gaza, entre os quais hospitais, escolas, casas particulares, centros de ajuda humanitária e outras infraestruturas da Palestina.

Foram essas razões que levaram a organização The Hind Rajab Foundation (HRF) a pedir a sua prisão imediata por violações graves da Convenção de Genebra de 1949 e do Estatuto de Roma de 1998.

Ademais, o atual genocídio na Palestiniana configura-se (para a história do presente e a memória da geração futura) como o primeiro genocídio em livestream. Isto é, vê-se em direto e em qualquer parte do globo na televisão, nos jornais, nos telemóveis, o que demonstra que o mundo está submetido a um experimento: a industrialização da chacina, a espetacularização da violência sanguinária, o genocídio difundido ao vivo e cuja indignação, salvo raras exceções, deixa muito a desejar.

Numa entrevista no Sumud Podcast, a psiquiatra e psicanalista palestiniana Samah Jabr disse o seguinte: “o que está a acontecer na Palestina e o facto de ser televisionado, o facto de a lei internacional e os direitos humanos não conseguirem parar esta carnificina, está a abalar a crença de muitas pessoas à volta do mundo na humanidade. Isto é traumatizante para além das fronteiras da Palestina ocupada. Não apenas na violência, no silêncio, no choque, na cumplicidade internacional – não diria da comunidade internacional, mas na cumplicidade essencialmente do Ocidente, na cumplicidade dos Estados Unidos, dos Britânicos e no silêncio de muitos países europeus e africanos. O facto de os instrumentos que foram criados para prevenir as atrocidades humanas e o genocídio não se aplicarem aos palestinianos e tornaram-se disfuncionais, isto está a abalar o sistema de crença de muitos grupos vulnerabilizados em todo o mundo”.

Samah Jabr alerta-nos que a naturalização da violência absoluta, despersonalização do povo palestiniano, cujo níveis de ilegalidades e indiferençaseriam inaceitáveis em outra situação, terá a  longo prazo os seus efeitos nefastos.

E podemos dizer que já o sentimos por essas bandas em coisas que apenas os fascistas segredavam baixinho nos seus grupelhos, nas caixas de comentários de internet, mas que hoje são ditas como se fossem normais, inclusive com direito a entrevista no horário nobre da televisão.

Em terceiro lugar, essas duas campanhas fazem parte do projecto neoliberal segundo o qual é preciso fazer uma cruzada de um nós, que invoca o espectro da raça (com todos os seus delírios e fantasias que vêm no pacote), contra eles, instalando o medo, a desconfiança e, consequentemente, “a militarização das subjectividades”.

A militarização da subjetividade tem como objetivo principal “naturalizar a paranoia como modo geral de socialização. Ou seja, construir subjetividades a partir de narrativas de complô dos mais improváveis, das lutas contínuas contra inimigos sempre inesperados, de preservação de fronteiras, dos riscos de contágio e de contato. O que por sua vez pede um modelo de personalidade rígida, fixa, como uma ‘tipologia’.

Trata-se de uma tática que reforça o individualismo inculcado na sociedade, estimulando o princípio salva-se quem puder, cada um faz por si, cada um sabe de si, do qual as indústrias culturais nos acostumaram.

Militarizar as subjetividades significa também implodir todos os vínculos possíveis de solidariedade, pois estamos numa guerra de todos contra todos, que pode inclusive receber nomes como “empreendedorismo”.

Isto acontece porque estamos perante uma crise do capital que exigiria que houvesse uma transformação profunda das condições que geram essas múltiplas crises sistémicas – políticas, ecológicas, económicas, sociais e até de ideias.

Com efeito, como escreveu Vladimir Safatle a propósito do fascismo, a gestão dos problemas “consiste em dizer, nas entrelinhas: não há́ como gerir mais as crises do sistema capitalista a partir do próprio sistema capitalista. No entanto, como não há́ outra alternativa possível, o que resta é salvar uma parte da sociedade e deixar o resto perecer, expulsar o resto de nossas fronteiras, deixá-los na mais absoluta miséria, submete-los a máxima espoliação através do aumento exponencial da violência policial, da precariedade de suas vidas.

Essa política identitária procura inculcar ou/e mobilizar o imaginário racista e classista, que remonta à época colonial, oleada pela atual maquinaria neoliberal.

 

E, com efeito inventar ou/e reatualizar a figura de um inimigo interno, neste caso a Cova a Moura, historicamente criminalizado, para ser usado como bode expiatório, ao qual é atribuído a paternidade dos problemas sociais.

Isto é, camufla-se, portanto, os verdadeiros motivos das frustrações das pessoas da Amadora que trabalham, arduamente, mas que estão cada vez mais empobrecidas, sufocadas pelo aumento estrondoso das rendas e dos bens essenciais de alimentação, culpabilizando outros pobres.

Em quarto lugar, “erradicar a Cova da Moura”,  tal como Suzana Garcia propala, é uma operação que esconde os verdadeiros propósitos e interesses: realizar o antigo desejo das imobiliárias que há décadas cobiçam os terrenos da Cova da Moura.

Pois, os terrenos da Cova a Moura são valiosos devido à localização – perto do centro da cidade – com vias de rápido acesso às autoestradas para sul e norte do país, existência de transportes próximos (autocarros, comboios e metro com a estação da Reboleira), aeroporto, praias, sem esquecer a sua bela vista.

Uma vez que a turistificação, a colonização do espaço pelo capital, transformou Lisboa numa cidade-hotel, expulsando quem não tem dinheiro para as periferias das periferias, a Cova da Moura tornou-se ainda mais apetecível às classes médias e às empresas imobiliárias.

E aos olhos da Susana Garcia e dos seus avatares políticos, os moradores da Cova da Moura serão meros objetos e espetadores da “erradicação”. Ela está redondamente enganada.

Para fechar, aproveitamos para lembrar que a Suzana Garcia terá de mostrar onde há barracas na Cova da Moura. Essa distorção do real só comprova que ela não conhece sequer o lugar sobre o qual fala e quer governar.

https://lisboaparapessoas.pt/2025/10/08/erradicar-cova-da-moura/

sábado, 4 de outubro de 2025

Discurso do presidente Donald Trump na 80ª Assembleia Geral da ONU

Discurso do presidente Donald Trump na 80ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York, nos Estados Unidos  (23.set.2025).

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Muito obrigado. Agradeço muito. E eu não me importo de fazer um discurso sem um teleprompter, porque o teleprompter não está funcionando. Estou muito feliz de estar aqui com vocês mesmo assim. Então, eu vou falar mais do meu coração e eu posso dizer que quem este está agora cuidando do teleprompter, tá? Vai ter um problemão aí para vocês. Olá, senhora primeira dama. Muito obrigado, muito obrigado por estarem aqui na senhor presidente que em teoria teria de aparecer em frente ao presidente dos Estados Unidos e não está funcionando. Vamos ver como vai ser o discurso. Passaram desde que eu estive aqui nessa salão e falei de um mundo sobre um mundo próspero e paz no meu primeiro mandato. Desde então, as armas da guerra destruíram a paz que eu criei em dois continentes. Uma era de calma e estabilidade deu caminho a uma de grandes crises das maiores do nosso tempo. E aqui nos Estados Unidos, 4 anos de fraqueza, falta de lei, radicalismo durante o último governo trouxeram, levaram a nossa nação a uma série de desastres repetidos. Há um ano, o nosso país estava em um grande problema, mas hoje, apenas em 8 meses do meu governo, nós somos o país mais quente do mundo. E não há nenhum país nem próximo disso. Os Estados Unidos são abençoados com a economia mais forte, as fronteiras mais fortes, a força militar mais forte, as amizades mais fortes e o espírito mais forte do que qualquer outra nação na face da Terra. É de fato a era de ouro dos Estados Unidos. Nós estamos revertendo rapidamente a calamidade econômica que herdamos do governo anterior, incluindo um aumento de preços desastroso e uma inflação recorde, como nunca tivemos antes. Sob minha liderança, os custos de energia estão caindo, os preços da gasolina estão caindo, os preços dos alimentos também, e do financiamento imobiliário. A inflação foi combatida. A única coisa que está subindo é o mercado de ações. Na verdade, batemos um recorde no mercado de ações 48 vezes nesse período. O crescimento está aumentando, a manufatura está aumentando e o mercado de ações, como eu disse, está indo melhor do que qualquer outra forma. Os trabalhadores estão tendo aumentos de salários numa velocidade maior do que nos últimos 60 anos. Nos 4 anos do presidente Biden, nós tivemos menos de 1 trilhão de dólares em novos investimentos nos Estados Unidos. Nos 8 meses do meu governo, nós já asseguramos compromissos e já pagamos 17 trilhões de dólares. Pense nisso.

Quatro anos, pouco mais de 1 trilhão. E agora já temos 17 trilhões investidos nos Estados Unidos, vindos de todas as partes do mundo. Nós implementamos o maior corte de impostos na história americana e o maior corte de regulamentos nos Estados Unidos, na história americana. Muitas das pessoas aqui nessa sala estão investindo nos Estados Unidos e estão fazendo investimentos incríveis apenas em 8 meses. No meu primeiro mandato, nós construímos a maior economia da história do mundo e agora estamos construindo a mesma coisa novamente. Na verdade, ela é ainda maior e ainda melhor. Os números ultrapassam o meu recorde do primeiro mandato. Na fronteira sul, nós conseguimos acabar, repelir a invasão colossal e nos últimos 4 meses o número de imigrantes ilegais entrando em nosso país foi zero. É difícil de acreditar porque se olharmos para o que acontecia há um ano atrás, havia milhões e milhões de pessoas entrando, deixando prisões em situações de saúde mental, traficantes de droga de todo o mundo. Eles vinham de toda parte do mundo e entravam o nosso país com essa política ridícula de fronteiras abertas do governo Biden. A nossa mensagem é muito simples: você vem ilegalmente aos Estados Unidos, você será preso ou volta para o lugar de onde veio ou algo pior do que isso. Você sabe o que eu quero dizer? Quero agradecer o país de El Salvador pelo serviço muito bem sucedido e profissional que eles têm feito. É o receber e colocar na prisão muitos dos criminosos que entraram em nosso país e que estavam aqui por causa do governo anterior. E eles foram tirados, não temos escolha. E outros países também não têm escolha, porque eles vivem a mesma situação com a imigração que está destruindo seus países. E é preciso fazer algo. Os Estados Unidos são respeitados novamente no palco global como nunca antes. Passamos, por exemplo, há 4 anos atrás, nós éramos motivo de risada em todo o mundo. No na cúpula da OTAN em junho, praticamente todos os membros da OTAN foram momentaneamente se cumprimentar ao aumentar os gastos de defesa sob meu pedido de 2% para 5% do PIB, tornando a nossa aliança muito mais forte e poderosa do que antes. Em maio, eu visitei meus parceiros e amigos no Oriente Médio e reconstruí nossas parcerias no Golfo. E valorizei nossos relacionamentos com a Arábia Saudita, com o Qatar, com os Emirados Árabes Unidos e outros países.

Meu governo negociou um acordo comercial histórico atrás de outro, incluindo com o Reino Unido, União Europeia, Japão, Coreia do Sul, Vietnã, Indonésia e Filipinas, Malásia e muitos outros. Num período de 7 meses, eu acabei com sete guerras que não tinham fim, como diziam. Diziam que essas guerras não tinham solução. Duas delas já aconteciam há 31 anos, uma há 36 anos, uma há 28 anos. Eu encerrei sete guerras. E elas estavam acontecendo em todos os casos, com milhares de pessoas sendo mortas, incluindo no Camboja, Tailândia, Kosovo e Sérvia, Congo e Ruanda, Paquistão e Índia, Israel e Irã, Egito e Etiópia, e a Armênia e Azerbaijão. Nenhum outro presidente ou primeiro-ministro ou nenhum outro país fez algo próximo disso. E eu fiz isso em apenas 7 meses. Isso nunca havia acontecido antes. Eu tenho muita honra de ter feito isso. É terrível que eu tenha feito isso ao invés das Nações Unidas terem feito isso. E, infelizmente, em todos os casos, as Nações Unidas nem tentaram ajudar. Eu encerrei sete guerras lidando com os líderes de cada um deles e com todos esses países. E eles não receberam nenhum telefonema da Organização das Nações Unidas oferecendo ajuda para fazer um acordo. Quando eu subi aquela escada rolante, a primeira dama estava ali do meu lado. Nós estávamos lindos naquele dia. E o teleprompter não funciona. Tá vendo? Algumas coisas que eu tenho da ONU: uma escada rolante que não funciona e um teleprompter que não funciona. Tá vendo? Obrigado. Bom, voltou. Obrigado. Bom, acho que eu vou continuar assim que é mais fácil. Muito obrigado. Eu não pensei nisso na época porque eu estava ocupado salvando milhões de vidas. Esse é o custo de acabar com essas guerras. Mas eu percebi que as Nações Unidas não estavam ali para eles. Eles não estavam lá. Eu pensei que durante essas negociações, que não são fáceis, qual é o propósito da Organização das Nações Unidas que tem um potencial imenso, mas não está à altura desse potencial. Ela não está à altura desse potencial. Pela maior parte do tempo, pelo menos agora, ela parece ter palavras vazias e seguir uma carta apenas com palavras vazias. Elas não resolvem uma guerra.

A única coisa que resolve uma guerra é a ação. E depois de eu encerrar essas guerras e também de negociar os Acordos de Abraão — sobre os quais o nosso país não recebeu nenhum crédito — todo mundo fala que eu deveria receber o Prêmio Nobel da Paz por cada uma dessas conquistas. Mas para mim a maior conquista, o maior prêmio serão os filhos e filhas daqueles que viverão com seus mães e pais. Porque milhões de pessoas não serão mais mortas em guerras sem fim. O que importa não é ganhar prêmios, é salvar vidas. Nós salvamos milhões e milhões de vidas com essas sete guerras e estamos trabalhando com outras. Por muitos anos eu fui um desenvolvedor imobiliário em Nova York, conhecido como Donald J. Trump. Eu apostei na renovação, na reconstrução desse prédio, desse complexo das Nações Unidas. Eu me lembro bem que na época iria custar 500 milhões de dólares e eu pensei em trabalhar nesse piso de mármore, no que eu daria o melhor possível… mas eles ofereceram plástico, foram em outra direção e acabou sendo algo muito mais caro. Foi feito um produto inferior e eu percebi que eles estavam construindo com conceitos tão errados e tão caros que o projeto era uma fortuna. No fim eu estava certo. Eles gastaram entre 4 bilhões de dólares nessa reforma e não têm solos de mármore que eu havia prometido. Olhando para a construção e o estado daquela escada rolante, acho que o trabalho ainda não acabou — o trabalho que deveria ter acabado anos atrás. O projeto foi tão corrompido que me pediram para falar ao Congresso sobre o desperdício imenso de dinheiro. No fim custou mais do que 5 bilhões. Infelizmente, muitas coisas nas Nações Unidas estão acontecendo assim, mas em escala muito maior. É muito triste ver se a ONU consegue gerir ou ter um papel de gestão ou de ajuda. A liderança e amizade dos Estados Unidos é o que pode trazer um mundo mais próspero, um mundo no qual seremos muito mais felizes. Mas para chegar lá, nós devemos rejeitar as abordagens falhas do passado e confrontar as maiores ameaças da nossa história. Não há perigo maior ao nosso planeta do que as armas de destruição mais poderosas já feitas pelo homem. No meu primeiro mandato, eu trabalhei em um acordo para conter essas armas. Minha posição é muito simples: o mundo não pode patrocinar o terror e não pode permitir que o Irã possua essa arma mais perigosa que existe.

Eu então falei com aquele líder supremo, fizemos uma oferta generosa, ofereci cooperação em troca de uma suspensão do programa nuclear iraniano. A resposta do regime continua sendo uma ameaça aos vizinhos. Muitos dos ex-militares iranianos não estão mais conosco. Três meses atrás, com a nossa operação Martelo da Meia-Noite, usamos sete bombardeiros B-2 que derrubaram 14 bombas de 30.000 libras. Nenhum outro país tinha equipamento para fazer o que fizemos com as maiores armas da Terra. Nós odiamos usá-las, mas foi algo que há 22 anos as pessoas tentavam parar: o programa nuclear iraniano. Nós acabamos com a capacidade do país. Foi a guerra de 12 dias, como chamaram, entre Israel e Irã. Os dois lados concordaram que não iriam mais lutar, como todos sabem. Eu estou bastante comprometido em buscar o cessar-fogo em Gaza. Nós vamos conseguir isso. Infelizmente, o Hamas continua rejeitando as ofertas para fazer a paz. Não podemos esquecer do 7 de outubro. Reconhecer o estado palestino é encorajar o conflito contínuo. Seria uma recompensa para os terroristas do Hamas por suas atrocidades. Eles se recusam a devolver os reféns. Ao invés de desistir e ceder ao Hamas, nós temos uma mensagem clara: libertem os reféns agora. Libertem os reféns agora. Unimos aqui: nós temos que parar a guerra em Gaza. Devemos parar imediatamente. Precisamos negociar a paz, trazer os reféns de volta. Queremos todos de volta, não queremos dois ou quatro. Eu estive com Steve Wkof e Marco Rubio e nos envolvemos nisso. Estamos muito envolvidos. Não queremos dois reféns de volta, ou três, ou um. Queremos todos, inclusive os corpos dos 38 mortos de volta a seus familiares. Queremos rapidamente. Eu tenho trabalhado de forma incansável para parar os assassinatos na Ucrânia. Das sete guerras que eu parei, achei que essa seria a mais fácil por causa do meu relacionamento com o presidente Putin. Sempre foi muito bom. Eu achei que seria mais fácil. Mas numa guerra você nunca sabe o que vai acontecer. Há muitas surpresas boas e ruins.

Todo mundo achou que a Rússia ganharia essa guerra em três dias. E não foi assim. Seria só um conflito pequeno e já dura 3 anos e meio. E os assassinatos vão de 5 a 7 mil jovens soldados mortos toda semana. E outros ainda são mortos quando drones e foguetes são lançados. É uma guerra que nunca deveria ter começado se eu fosse presidente. Isso mostra como a liderança ruim pode prejudicar um país. A única questão de vidas que teríamos salvo. Tantas mortes desnecessárias. A China e a Índia acabam financiando, estão ajudando essa guerra por continuarem comprando o petróleo russo. Mas sem nenhuma desculpa, mesmo países da OTAN não cortaram os seus suprimentos de energia russa. E os produtos de energia russa, como vocês sabem, eu descobri isso duas semanas atrás. Eu não estava feliz. Pensem nisso: eles estão financiando a guerra contra eles próprios. Vocês já sabiam disso? Se a Rússia não conseguir fazer um acordo para financiar a guerra, os Estados Unidos estão preparados para impor isso. Nós temos uma rodada muito forte de tarifas que podem acabar com esse banho de sangue, acredito, rapidamente. Mas para que essas tarifas sejam eficazes, as nações europeias — vocês reunidos aqui — devem se juntar a nós em adotar as mesmas medidas. Vocês estão mais perto deles. Nós temos um oceano entre nós. Vocês estão lá. A Europa tem de se levantar, tem de trazer a sua posição para isso. Eles estão comprando petróleo e gás da Rússia enquanto estão lutando contra a Rússia. É vergonhoso. E eu acho que é vergonhoso que eu tenha descoberto isso. Então, eu acho que estou pronto para discutir isso hoje com as nações europeias que estão reunidas aqui. Eu acho que eles não vão ficar muito felizes de me ouvir nisso, mas enfim, é a maneira. Eu falo o que vem à minha cabeça, eu falo a verdade. Eu quero reduzir a ameaça de armas nos dias de hoje. Então eu estou também falando de como podemos acabar com o desenvolvimento de armas biológicas.

E armas biológicas, armas nucleares são horrorosas. Nós vamos incluir as armas nucleares também nessa discussão. Queremos o fim do desenvolvimento de armas nucleares. Nós sabemos, elas são tão poderosas que nunca podemos usá-las. Se usarmos alguma vez, o mundo literalmente pode acabar. Não haverá Nações Unidas para falarmos a respeito. Há poucos anos atrás, nós vivemos a experiência devastadora da pandemia global. E apesar dessa catástrofe mundial, muitos países continuaram com pesquisas muito arriscadas em armas biológicas e patógenos feitos pelo homem que são terrivelmente perigosos. Estou anunciando hoje que meu governo vai liderar um esforço internacional para produzir uma convenção de armas biológicas. Nós estamos trabalhando com líderes no mundo e com pioneiros no sistema de verificação de inteligência artificial. Nesse sentido, esperamos que a ONU possa ter um papel construtivo e que também esteja trabalhando nesses projetos iniciais com IA. Ela pode ser muito boa, porque muitas pessoas estão dizendo que pode ser uma das melhores coisas já feitas, mas ela também pode ser perigosa. Então, nós temos de dar um bom uso, um uso incrível. E esse é um exemplo de bom uso da inteligência artificial. A ONU não só não está resolvendo os problemas que deveria, como está criando novos problemas para resolver. O melhor exemplo é a questão política do nosso tempo, que é a imigração descontrolada. Ela está fora de controle. Nossos países estão sendo arruinados. A ONU está financiando um ataque aos países ocidentais e suas fronteiras. Em 2024, a ONU financiou 370 milhões em assistência financeira para apoiar cerca de 6.000 migrantes viajando aos Estados Unidos. Pensem nisso: a ONU está apoiando pessoas que estão entrando ilegalmente nos Estados Unidos. Ela também está fornecendo comida, abrigo, transporte, cartões de débito para imigrantes ilegais.

Dá para acreditar nisso? Nessas pessoas que infiltram o nosso país pela fronteira sul. Milhões de pessoas chegaram na fronteira sul, milhões e milhões, 25 milhões ao longo de 4 anos por causa da incompetência do governo Biden. E agora eles pararam. Eles não estão vindo mais porque sabem que não vão conseguir. Mas sabe, é algo totalmente inaceitável que a ONU, que deveria parar com essas invasões, as financie. Nos Estados Unidos, nós rejeitamos a ideia desse número imenso de pessoas vindo de países estrangeiros, viajando metade do mundo, cruzando nossas fronteiras, violando nossa soberania, causando crimes sem controle e acabando com a nossa rede de segurança. Nós asseguramos que os Estados Unidos pertencem aos americanos e encorajamos todos os países a se posicionarem em defesa de seus cidadãos. Eu não vou falar nomes, mas eu vejo. Eu poderia citar cada um de vocês. Seus países estão sendo destruídos. A Europa está em sérios problemas. Está sendo invadida por uma força de imigrantes ilegais como nunca antes. Imigrantes ilegais estão entrando na Europa. Ninguém está fazendo nada para mudar isso. É insustentável. Porque eles escolheram ser politicamente corretos e não há nada de bom nisso. Em Londres, por exemplo, têm um prefeito terrível, horroroso, e a cidade mudou tanto. E agora eles querem ter a Sharia, a lei islâmica. Mas é um país diferente, não dá para fazer isso. A imigração e as ideias suicidas de energia vão ser a morte da Europa Ocidental. É algo que não pode ser sustentado. Para manter um mundo bonito, cada país deve ter o direito de controlar suas fronteiras. Como fazemos agora: limitar o número de imigrantes entrando no nosso país e pagando para que recebam de volta em seus países. Nosso país foi construído com sangue, suor e lágrimas, e muito dinheiro foi feito nesse país. Agora ele está sendo arruinado.

Povos orgulhosos deveriam ter o direito de proteger suas comunidades, suas sociedades, de serem sobrecarregadas por pessoas que nunca viram antes, com costumes diferentes, com religiões diferentes. Migrantes que violaram leis, que usam pedidos de asilo falsos ou que pedem status de refugiado por razões ilegítimas são enviados de volta para casa imediatamente. Nós sempre temos um coração grande para pessoas que estão lutando e temos compaixão, mas temos de resolver o problema do nosso país, não criar problemas. Estamos ajudando várias pessoas que não conseguiram voltar. De acordo com o Conselho da Europa, em 2024, quase 50% dos presidiários nas prisões alemãs eram estrangeiros. Na Áustria, o número é 53% nas prisões. Na Grécia, 54%. Na Suíça, 72%. Quando as suas prisões estão tão lotadas com aqueles que se dizem asilados, que se dizem pessoas bondosas, e eles retribuem a bondade com crime, é a falha desse experimento das fronteiras abertas. Nós precisamos acabar com isso. Nos Estados Unidos, nós tivemos uma ação firme para fechar, acabar com a imigração sem controle. Assim começamos a prender e deportar todos que cruzavam a fronteira e retirar os imigrantes ilegais dos Estados Unidos. Eles pararam de vir. Eles não estão vindo mais. Nós estamos recebendo muito crédito por isso, porque eles não estão vindo mais. Foi um ato humanitário para todos envolvidos. Porque nas viagens milhares de pessoas morriam, as mulheres eram estupradas, apanhavam. Era uma viagem muito longa, terrível. Era o tráfico humano horroroso acontecendo na região. E o que fizemos foi uma vitória, porque nós salvamos tantas vidas de pessoas que não conseguiriam terminar essa jornada. Esse caminho está lotado de mortos. Há corpos em todo o caminho, na floresta, nas estradas. Eles passam por áreas tão quentes que não conseguiam nem respirar. São áreas tão quentes que você sufoca. Corpos por toda parte. Mas eles não estão vindo mais. Estamos, portanto, salvando um número tremendo de vidas. Minha equipe fez um trabalho fantástico e eu tenho muito orgulho de dizer isso.

Nós tivemos o melhor número de pesquisas que já tivemos e acho que parte disso vem por causa da fronteira. As políticas de Joe Biden na economia favoreciam assassinos de gangues, traficantes de pessoas, traficantes de crianças, cartéis de drogas e prisioneiros do mundo todo. O governo anterior perdeu 300.000 crianças que foram traficadas para dentro dos Estados Unidos sob o governo Biden. Muitas foram estupradas, exploradas, abusadas e vendidas. Vendidas. A mídia das fake news não fala, não escreve sobre isso. Muitas crianças desapareceram ou morreram. Nós encontramos muitas dessas crianças e as devolvemos aos seus pais. Nós perguntamos de onde vinham. Eles diziam o país, ou então nós descobríamos e mandávamos de volta. As mães corriam para as portas de casa chorando, sem acreditar que estavam recebendo de volta seus filhos. Fizemos isso com quase 35.000 até agora. Qualquer sistema que resulta no tráfico massivo de crianças é maldoso em sua raiz. No entanto, é exatamente isso que essa migração globalista tem feito. Nos Estados Unidos, um governo Trump está trabalhando e continuará trabalhando para rastrear quem são esses vilões. Assim como devolvemos essas 35.000 crianças — talvez mais — ainda há mais de 300.000 que estão perdidas ou mortas aqui. Nós queremos encontrá-las também. Eu designei também medidas para proteger nossos cidadãos dos cartéis de drogas. As pessoas não colocam mais grandes cargas de drogas em barcos. Viram o que aconteceu com as embarcações da Venezuela e não querem mais. Nós virtualmente paramos a chegada de drogas pelo oceano. Essas drogas matam pessoas. Centenas de milhares de pessoas foram designadas como membros de cartéis e agora como organizações terroristas internacionais. Incluindo as piores do mundo, como a MS-13, o Trem de Arágua da Venezuela. Essas organizações torturam, mutilam e assassinam.

Eles são inimigos da humanidade. Por essa razão, nós começamos a usar o poder das forças militares dos Estados Unidos para destruir os terroristas da Venezuela e as redes de traficantes lideradas por Nicolás Maduro. Nós vamos acabar com a existência de vocês. É o que estamos fazendo. Não temos escolha. Não acredito que perdemos 300.000 pessoas no ano passado para as drogas, especialmente fentanil. A energia é uma área em que os Estados Unidos estão indo maravilhosamente bem, como nunca antes. Nós acabamos com aqueles chamados renováveis — falsamente chamados de renováveis — porque são uma piada. Elas não funcionam, são caras, não são fortes o suficiente para indústrias. As eólicas não funcionam, são patéticas e caras. Precisam ser reconstruídas o tempo todo, enferrujam e estragam. É a energia mais cara já inventada. E na verdade não é energia. Nós deveríamos fazer dinheiro com energia, não perder dinheiro. Mas com isso se perde. Os governos precisam subsidiar, e você não pode sustentar subsídios grandes assim. Muitas dessas turbinas são construídas na China. Nós demos à China muito crédito. Eles fizeram essas fazendas eólicas. Eles construíram, mas sabe o quê? Agora eles usam carvão, usam gás, usam quase tudo, porque não gostam da eólica. A Alemanha, eu dou muito crédito à Alemanha, mas ela entrou nessa agenda verde. Eles estavam seguindo esse caminho da energia verde, mas acabaram indo terrivelmente, tanto na imigração quanto na energia. Eles estavam falindo. E agora, com a nova liderança que entrou, estão de volta com combustíveis fósseis e com nuclear, que é bom, seguro quando feito de forma adequada. Eles voltaram ao que eram, abriram novas empresas, nova produção de energia. E estão indo bem. Eu acho que vou dar muito crédito à Alemanha por isso, porque o que eles faziam era um desastre.

Lembram? Eles estavam virando totalmente verdes, e o verde acabou falindo. É isso que representa. Não é politicamente correto. Eu sou criticado por dizer isso, mas é a verdade. Quanto ao crime, nós estamos diminuindo o crime em Washington, a capital do país. Washington DC era a capital do crime dos Estados Unidos. Agora, depois de 12 dias, é uma cidade segura. As pessoas podem sair para jantar, podem ir a restaurantes com suas esposas, andar na calçada no meio da rua. Minha equipe fez um trabalho fantástico. Nós chamamos a Guarda Nacional, que assumiu a tarefa. Eles não são politicamente corretos, mas deram conta do negócio. Washington agora é uma cidade totalmente segura novamente. Eu convido vocês a jantarem comigo em um restaurante local. Podemos andar até lá, não precisamos ir de carro blindado. Falando de petróleo e gás, no Mar do Norte, eu conheço bem. Aberdeen era a capital do petróleo da Europa. O Mar do Norte tem uma força tremenda de petróleo, ainda não explorada. Eu disse ao primeiro-ministro que era um imenso ativo econômico para o Reino Unido. Eu espero que ele tenha ouvido, porque falei três dias seguidos sobre o petróleo do Mar do Norte. É uma área linda que não pode ser estragada com turbinas eólicas ou plantas solares. O diretor do Programa Ambiental da ONU previu uma catástrofe global por mudança climática, como um holocausto nuclear. Em 1989 disseram que em uma década as nações sumiriam do mapa. E aqui estamos. O aquecimento global não aconteceu. Costumava ser o resfriamento global, depois o aquecimento global, depois a mudança climática. Mudança climática é o maior golpe já feito contra a humanidade.

Não importa se o mundo está esquentando ou esfriando. Todas essas previsões da ONU estavam erradas. Foram feitas por gente burra. E os destinos dos países foram decididos por isso. Isso acabou levando países a entrarem nesse golpe do verde, por exemplo. Tem uma campanha que diz: “O Trump estava certo sobre tudo”. Tem até um boné sobre isso. Eu não quero me gabar muito, mas é verdade. Eu tenho estado certo sobre tudo. Estou falando isso porque é algo que vocês precisam ouvir. A energia verde é um golpe. O seu país vai falir. Se vocês não impedirem, vocês vão fazer com que seus países falhem. Eu sou presidente dos Estados Unidos, mas eu me preocupo com a Europa. Eu amo a Europa, eu amo os europeus. Eu odiaria ver a Europa arrasada pela energia e pela imigração. Esse monstro de duas caudas destrói tudo. Vocês querem ser politicamente corretos e estão destruindo sua herança. Vocês devem assumir o controle, imediatamente, acabar com o desastre da imigração e da catástrofe da energia falsa, antes que seja tarde. A pegada de carbono é uma grande mentira feita por pessoas com más intenções. Está levando à destruição. Essa pegada de carbono era algo importante. Anos atrás, quando Obama estava aqui, ele falou disso. Ele entrou no Air Force One, um imenso Boeing 747, e voava de Washington para o Havaí para jogar golfe. Ele falava sobre pegada de carbono nesse avião lindo. Isso é um golpe. Então, a Europa conseguiu reduzir sua pegada de carbono em 37%. Parabéns, Europa. Ótimo trabalho. Isso custou empregos, muitas empresas fecharam, mas vocês reduziram em 37%. Todo esse sacrifício não fez diferença porque houve um crescimento de 54% nas emissões, muito vindo da China e arredores. A China e países vizinhos produzem mais CO₂ do que todas as nações desenvolvidas juntas.

Todos os países estão trabalhando com essa pegada de carbono. Isso é besteira. Aliás, é pura besteira. Nos EUA ainda temos ambientalistas radicais. Eles querem fechar fábricas, querem que tudo pare. Não querem mais gado, querem matar o gado. Mas nós temos uma fronteira, um formato. Nós temos o ar mais limpo que já tivemos. O problema é que outros países, como a China, poluem e esse ar vem até nós. O mesmo com o lixo: a Ásia joga no oceano, e em duas semanas chega em Los Angeles. Temos muito lixo em Los Angeles, em São Francisco, e multam pessoas por jogar um cigarro na praia. Loucura. O efeito principal dessas políticas de energia verde não é ajudar o meio ambiente, mas redistribuir atividade industrial e econômica. Vai para países que poluem mais e quebram regras, e eles ficam ricos. As contas de eletricidade na Europa são quatro ou cinco vezes mais altas que na China. Três vezes mais que nos EUA. Nos EUA nossas contas estão baixando. Os preços da gasolina estão caindo. Eu sempre digo: drill, baby, drill. Vamos perfurar. É isso que estamos fazendo. Como resultado, era incomum ver ar-condicionado nesses países, e agora querem, mas não dá pelo custo da energia. Nos EUA temos cerca de 1.300 mortes por calor por ano. Na Europa são mais de 100.000, até 175.000 por ano. Isso não é a Europa que eu amo e conheço. E tudo em nome de parar o aquecimento global falso. Por isso, nos EUA eu saí do Acordo de Paris falso. Os EUA pagavam muito mais do que qualquer outro país. A China não precisava pagar nada até 2030. A Rússia recebeu metas fáceis. Nós teríamos que pagar 1 trilhão de dólares. Eu disse: “Isso é outro golpe”. Os EUA estão sendo explorados há muitos anos. Isso não vai mais acontecer. Então, eu comecei uma produção maciça de energia e assinei decretos presidenciais para buscar petróleo.

Mas nem precisamos buscar muito, porque temos mais petróleo do que qualquer outro país no mundo. E se acrescentarmos carvão, temos mais do que qualquer um. Eu chamo de carvão lindo e limpo. Estamos prontos para fornecer energia barata para outros países, se precisarem. Estamos exportando com orgulho energia para o mundo. Agora somos o maior exportador. Queremos comércio robusto com todas as nações, mas justo e recíproco. O mesmo vale para o clima: os países que seguem regras quebram, os que não seguem se dão bem. É por isso que os EUA estão aplicando tarifas a outros países. No meu governo usamos tarifas como defesa. No meu primeiro mandato entraram centenas de bilhões em tarifas. Tivemos a menor inflação. Agora temos inflação baixa de novo e centenas de bilhões entrando no país. Vamos usar tarifas para defender nossa soberania e segurança, contra países que tiraram vantagem dos EUA por décadas. Incluindo governos corruptos e incompetentes. O Brasil agora tem tarifas imensas em resposta aos seus esforços de censura, repressão, corrupção e perseguição política. Eu não tenho problema em dizer isso. Eu encontrei o líder do Brasil, conversamos por 30 segundos. Concordamos em nos encontrar na próxima semana. Ele parece um homem agradável. Eu gosto dele, ele gosta de mim. Tivemos uma excelente química. Isso é um bom sinal. No passado, o Brasil tarifou os EUA de forma injusta. E por isso nós também aplicamos tarifas de volta. Como presidente, eu defendo a soberania e os direitos dos cidadãos americanos. Eu lamento dizer que o Brasil está indo mal e continuará indo mal. Eles só irão bem se trabalharem conosco. Sem a gente, eles vão falhar, como outros falharam. É verdade.

No próximo ano, os EUA vão celebrar 250 anos da nossa gloriosa independência. Um testamento do poder duradouro da liberdade americana e do espírito americano. Também receberemos a Copa da FIFA e os Jogos Olímpicos depois. Será uma grande celebração da liberdade e da conquista humana. E juntos veremos os milagres que começaram em 4 de julho de 1776, quando fundamos a luz para todas as nações. Eu disse que os EUA, em honra desse aniversário, esperam que outros países se inspirem no nosso exemplo. Juntem-se a nós para defender a liberdade de discurso, a liberdade de expressão e a liberdade de religião. Hoje, a religião mais perseguida no planeta é o cristianismo. Vamos assegurar nossa soberania e saudar as qualidades que tornam nossa nação tão especial. Para encerrar, quero repetir: a imigração e o alto custo da energia renovável estão destruindo grande parte do nosso mundo livre. Precisamos de fronteiras fortes e fontes tradicionais de energia se quisermos ser grandes novamente. Toda nação neste salão tem uma rica cultura, uma herança nobre que a torna única. De Londres a Lima, de Roma a Atenas, de Paris a Tóquio, de Amsterdã a Nova York — estamos sobre os ombros de heróis e titãs que construíram nossas nações. Eles desafiaram batalhas, cruzaram desertos, atravessaram oceanos e planícies. Foram soldados, trabalhadores, exploradores. Construíram cidades, transformaram vilas em metrópoles, tribos em reinos, ideias em indústrias. Nós somos campeões desse povo e não devemos nunca desistir. Seus valores moldam nossa identidade, sua visão molda nosso destino magnífico. Agora nós temos a tarefa de proteger as nossas nações, que eles defenderam com sangue, suor e vida. Vamos preservar esse direito sagrado do nosso povo: proteger fronteiras, assegurar segurança, preservar tradições e lutar pelos sonhos e pela liberdade.

Vamos pensar em uma visão bonita de mundo. Vamos trabalhar juntos para construir um planeta mais bonito, mais brilhante, de paz, mais rico e melhor do que antes. Isso pode acontecer. Vai acontecer. Eu espero que possamos começar agora. Vamos tornar nossos países melhores, mais seguros e mais bonitos. Vamos cuidar do nosso povo. Muito obrigado. Que Deus abençoe todas as nações.

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Vladimir Putin - Intervenção na 22ª Reunião Anual do Clube de Discussão Valdai


22ª Reunião Anual do Clube de Discussão Valdai . O nome do evento deste ano é "O Mundo Policêntrico: Instruções de Uso". A sessão plenária foi conduzida pelo Diretor de Pesquisa do Clube Valdai,  Fyodor Lukyanov .

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Diretor de Pesquisa da Fundação para o Desenvolvimento e Apoio ao Clube de Discussão Internacional de Valdai, Fyodor Lukyanov: Senhoras e senhores, convidados do Clube de Valdai!

Estamos iniciando a sessão plenária do 22º fórum  anual do Clube de Discussão Internacional de Valdai. É uma grande honra para mim convidar o Presidente da Federação Russa, Vladimir Putin, para este palco.

Senhor Presidente, muito obrigado por mais uma vez encontrar tempo para se juntar a nós. O Clube Valdai tem o grande privilégio de se reunir com o senhor por 23 anos consecutivos para discutir as questões mais atuais. Acredito que ninguém mais tenha tanta sorte.

A 22ª reunião  do Clube Valdai, que ocorreu nos últimos três dias, foi intitulada “O Mundo Policêntrico: Instruções de Uso”. Estamos tentando passar da mera compreensão e descrição deste novo mundo para questões práticas: isto é, compreender como viver nele, já que ainda não está totalmente claro.

Podemos nos considerar usuários avançados, mas ainda somos apenas usuários deste mundo. Você, no entanto, é pelo menos um mecânico e talvez até um engenheiro desta ordem mundial tão policêntrica, por isso aguardamos ansiosamente algumas diretrizes de uso suas.   

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Presidente da Rússia, Vladimir Putin: É improvável que eu consiga formular quaisquer diretrizes ou instruções – e esse não é o ponto, porque as pessoas muitas vezes pedem instruções ou conselhos apenas para não segui-los mais tarde. Esta fórmula é bem conhecida.


Deixe-me oferecer minha visão sobre o que está acontecendo no mundo, o papel do nosso país nisso e como vemos suas perspectivas de desenvolvimento.


O Clube de Discussão Internacional de Valdai se reuniu pela 22ª vez  , e essas reuniões se tornaram mais do que uma boa tradição. As discussões nas plataformas de Valdai proporcionam uma oportunidade única para avaliar a situação global de forma imparcial e abrangente, revelar mudanças e compreendê-las.


Sem dúvida, a força singular do Clube reside na determinação e na capacidade de seus participantes de enxergar além do banal e do óbvio. Eles não seguem simplesmente a agenda imposta pelo espaço global da informação, onde a internet contribui – tanto com o bem quanto com o mal, muitas vezes difícil de discernir –, mas propõem suas próprias questões não convencionais, oferecem sua própria visão dos processos em andamento, tentando levantar o véu que encobre o futuro. Esta não é uma tarefa fácil, mas frequentemente é alcançada aqui em Valdai.


Temos observado repetidamente que vivemos numa era em que tudo está mudando, e muito rapidamente; eu diria até radicalmente. É claro que nenhum de nós consegue prever o futuro completamente. No entanto, isso não nos isenta da responsabilidade de estarmos preparados para ele. Como o tempo e os acontecimentos recentes demonstraram, devemos estar prontos para tudo. Em tais períodos da história, cada um tem uma responsabilidade especial pelo seu próprio destino, pelo destino do seu país e pelo mundo em geral. Os riscos hoje são extremamente altos.


Como já mencionado, o relatório do Clube Valdai deste ano é dedicado a um mundo multipolar e policêntrico. O tema está na pauta há muito tempo, mas agora requer atenção especial; aqui, concordo plenamente com os organizadores. A multipolaridade que, de fato, já emergiu está moldando a estrutura dentro da qual os Estados atuam. Deixe-me tentar explicar o que torna a situação atual única.


Em primeiro lugar, o mundo atual oferece um espaço muito mais aberto – na verdade, pode-se dizer, criativo – para a política externa. Nada é predeterminado; os desenvolvimentos podem tomar diferentes direções. Muito depende da precisão, exatidão, consistência e ponderação das ações de cada participante na comunicação internacional. No entanto, nesse vasto espaço, também é fácil se perder e se desorientar, o que, como podemos ver, acontece com bastante frequência.


Em segundo lugar, o espaço multipolar é altamente dinâmico. Como eu disse, a mudança ocorre rapidamente, às vezes repentinamente, quase da noite para o dia. É difícil se preparar para ela e, muitas vezes, impossível de prever. É preciso estar pronto para reagir imediatamente, em tempo real, como dizem.


Em terceiro lugar, e de particular importância, está o fato de que este novo espaço é mais democrático. Ele abre oportunidades e caminhos para uma ampla gama de atores políticos e econômicos. Talvez nunca antes tantos países tenham tido a capacidade ou a ambição de influenciar os processos regionais e globais mais significativos.


Em seguida. As especificidades culturais, históricas e civilizacionais de diferentes países desempenham agora um papel mais importante do que nunca. É necessário buscar pontos de contato e convergência de interesses. Ninguém está disposto a jogar segundo as regras estabelecidas por outrem, em algum lugar distante – como cantava um chansonnier muito conhecido em nosso país, "além das brumas", ou além dos oceanos, por assim dizer.


Nesse sentido, o quinto ponto: quaisquer decisões só são possíveis com base em acordos que satisfaçam todas as partes interessadas ou a esmagadora maioria. Caso contrário, não haverá solução viável, apenas frases feitas e um jogo infrutífero de ambições. Portanto, para alcançar resultados, harmonia e equilíbrio são essenciais.


Por fim, as oportunidades e os perigos de um mundo multipolar são inseparáveis. Naturalmente, o enfraquecimento da ditadura que caracterizou o período anterior e a expansão da liberdade para todos são inegavelmente um desenvolvimento positivo. Ao mesmo tempo, nessas condições, é muito mais difícil encontrar e estabelecer esse equilíbrio tão sólido, o que em si mesmo representa um risco óbvio e extremo.


Esta situação no planeta, que tentei descrever brevemente, é um fenômeno qualitativamente novo. As relações internacionais estão passando por uma transformação radical. Paradoxalmente, a multipolaridade tornou-se uma consequência direta das tentativas de estabelecer e preservar a hegemonia global, uma resposta do sistema internacional e da própria história ao desejo obsessivo de organizar todos em uma única hierarquia, com os países ocidentais no topo. O fracasso de tal esforço era apenas uma questão de tempo, algo sobre o qual sempre falamos, aliás. E, pelos padrões históricos, aconteceu com bastante rapidez.


Trinta e cinco anos atrás, quando o confronto da Guerra Fria parecia estar chegando ao fim, esperávamos o alvorecer de uma era de cooperação genuína. Parecia que não havia mais obstáculos ideológicos ou de outra natureza que pudessem impedir a resolução conjunta de problemas comuns à humanidade ou a regulação e resolução de disputas e conflitos inevitáveis com base no respeito mútuo e na consideração dos interesses de cada um.


Permitam-me aqui uma breve digressão histórica. Nosso país, buscando eliminar as bases para o confronto em bloco e criar um espaço comum de segurança, declarou duas vezes sua disposição para ingressar na OTAN. Inicialmente, isso foi feito em 1954, durante a era soviética. A segunda vez foi durante a visita do presidente americano Bill Clinton a Moscou em 2000 – já mencionei isso – quando também discutimos esse tema com ele.


Em ambas as ocasiões, fomos rejeitados categoricamente. Reitero: estávamos prontos para um trabalho conjunto, para medidas não lineares na esfera da segurança e da estabilidade global. Mas nossos colegas ocidentais não estavam preparados para se libertar dos grilhões dos estereótipos geopolíticos e históricos, de uma visão de mundo simplificada e esquemática.


Também falei publicamente sobre isso quando discuti com o Sr. Clinton, com o Presidente Clinton. Ele disse: "Sabe, é interessante. Acho que é possível." E então, à noite, ele disse: "Consultei meu pessoal – não é viável, não é viável agora." "Quando será viável?" E foi isso, tudo se esvaiu.


Em suma, tivemos uma oportunidade genuína de levar as relações internacionais em uma direção diferente e mais positiva. No entanto, infelizmente, uma abordagem diferente prevaleceu. Os países ocidentais sucumbiram à tentação do poder absoluto. Era de fato uma tentação poderosa – e resistir a ela exigiria visão histórica e uma boa formação, tanto intelectual quanto histórica. Parece que aqueles que tomaram as decisões naquela época simplesmente não tinham os dois.


De fato, o poder dos Estados Unidos e seus aliados atingiu seu ápice no final do século XX . Mas nunca houve, nem jamais haverá, uma força capaz de governar o mundo, ditando a todos como agir, como viver e até mesmo como respirar. Tentativas semelhantes já foram feitas, mas todas falharam.


No entanto, devemos reconhecer que muitos acharam a chamada ordem mundial liberal aceitável e até conveniente. É verdade que uma hierarquia limita severamente as oportunidades para aqueles que não estão no topo da pirâmide, ou, se preferir, no topo da cadeia alimentar. Mas aqueles na base foram isentos de responsabilidade: as regras eram simples: aceite os termos, encaixe-se no sistema, receba sua parte, por mais modesta que seja, e contente-se. Outros pensariam e decidiriam por você.


E não importa o que digam agora, não importa o quanto tentem disfarçar a realidade – foi assim que aconteceu. Os especialistas aqui reunidos se lembram e entendem isso perfeitamente.


Alguns, em sua arrogância, se viam no direito de dar lições ao resto do mundo. Outros se contentavam em jogar com os poderosos como moedas de troca obedientes, ávidos por evitar problemas desnecessários em troca de um bônus modesto, mas garantido. Ainda existem muitos políticos assim na parte antiga do mundo, na Europa.


Aqueles que ousaram se opor e tentaram defender seus próprios interesses, direitos e pontos de vista foram, na melhor das hipóteses, tachados de excêntricos e, na prática, receberam a seguinte resposta: "Vocês não terão sucesso, então desistam e aceitem que, comparados ao nosso poder, vocês são insignificantes". Quanto aos verdadeiramente teimosos, foram "educados" pelos autoproclamados líderes globais, que nem se davam mais ao trabalho de esconder suas intenções. A mensagem era clara: resistir era inútil.


Mas isso não trouxe nada de bom. Nenhum problema global foi resolvido. Pelo contrário, novos problemas se multiplicam constantemente. Instituições de governança global criadas em épocas anteriores deixaram de funcionar ou perderam grande parte de sua eficácia. E não importa quanta força ou recursos um Estado, ou mesmo um grupo de Estados, possa acumular, o poder sempre tem seus limites.


Como o público russo sabe, existe um ditado na Rússia: "Não há contra-ataque para um pé-de-cabra, exceto outro pé-de-cabra", ou seja, não se leva uma faca para um tiroteio, mas sim outra arma. E, de fato, essa "outra arma" sempre pode ser encontrada. Esta é a própria essência dos assuntos mundiais: uma força contrária sempre surge. E tentativas de controlar tudo inevitavelmente geram tensão, minando a estabilidade interna e levando as pessoas comuns a fazerem uma pergunta muito justa aos seus governos: "Por que precisamos de tudo isso?"


Certa vez, ouvi algo semelhante de nossos colegas americanos, que disseram: "Ganhamos o mundo inteiro, mas perdemos a América". Só posso perguntar: valeu a pena? E vocês realmente ganharam alguma coisa?


Uma clara rejeição às ambições excessivas da elite política das principais nações da Europa Ocidental emergiu e está se intensificando entre as sociedades desses países. O barômetro da opinião pública indica isso em todos os níveis. O establishment não quer ceder o poder, ousa enganar diretamente seus próprios cidadãos, agrava a situação internacionalmente, recorre a todos os tipos de truques dentro de seus países – cada vez mais à margem da lei ou até mesmo além dela.


No entanto, transformar perpétuamente os procedimentos democráticos e eleitorais em uma farsa e manipular a vontade dos povos não vai funcionar. Como aconteceu na Romênia, por exemplo, mas não entraremos em detalhes. Isso está acontecendo em muitos países. Em alguns deles, as autoridades estão tentando banir seus oponentes políticos, que estão conquistando maior legitimidade e maior confiança dos eleitores. Sabemos disso por nossa própria experiência na União Soviética. Você se lembra das canções de Vladimir Vysotsky: "Até o desfile militar foi cancelado! Eles vão banir tudo e todos em breve!" Mas não funciona, proibições não funcionam.


Enquanto isso, a vontade do povo, a vontade dos cidadãos desses países é clara e simples: que os líderes dos países lidem com os problemas dos cidadãos, cuidem de sua segurança e qualidade de vida, e não persigam quimeras. Os Estados Unidos, onde as demandas populares levaram a uma mudança suficientemente radical no vetor político, são um exemplo disso. E podemos dizer que exemplos são sabidamente contagiosos para outros países.


A subordinação da maioria à minoria, inerente às relações internacionais durante o período de dominação ocidental, está dando lugar a uma abordagem multilateral e mais cooperativa. Ela se baseia em acordos entre os principais atores e na consideração dos interesses de todos. Isso certamente não garante harmonia e ausência absoluta de conflitos. Os interesses dos países nunca se sobrepõem totalmente, e toda a história das relações internacionais é, obviamente, uma luta para alcançá-los.


No entanto, a atmosfera global fundamentalmente nova, na qual o tom está sendo cada vez mais definido pelos países da Maioria Global, traz a promessa de que todos os atores, de alguma forma, terão que levar em consideração os interesses uns dos outros ao buscar soluções para questões regionais e globais. Afinal, ninguém consegue atingir seus objetivos sozinho, isolado dos outros. Apesar da escalada de conflitos, da crise do modelo anterior de globalização e da fragmentação da economia global, o mundo permanece integral, interconectado e interdependente.


Sabemos disso por experiência própria. Vocês sabem quantos esforços nossos oponentes têm feito nos últimos anos para, digamos descaradamente, expulsar a Rússia do sistema global e nos empurrar para o isolamento político, cultural e informacional, além da autarquia econômica. Pelo número e alcance das medidas punitivas impostas a nós, que eles vergonhosamente chamam de "sanções", a Rússia se tornou a recordista absoluta da história mundial: 30.000, ou talvez até mais, restrições de todos os tipos imagináveis.


E daí? Eles alcançaram seu objetivo? Acho que é evidente para todos os presentes: esses esforços fracassaram completamente. A Rússia demonstrou ao mundo o mais alto grau de resiliência, a capacidade de resistir à mais poderosa pressão externa que poderia ter quebrado não apenas um país, mas uma coalizão inteira de Estados. E, nesse sentido, sentimos um orgulho legítimo. Orgulho pela Rússia, pelos nossos cidadãos e pelas nossas Forças Armadas.


Mas eu gostaria de falar sobre algo mais profundo. Acontece que o próprio sistema global do qual eles queriam nos expulsar simplesmente se recusa a deixar a Rússia ir. Porque precisa da Rússia como parte essencial do equilíbrio global: não apenas por causa do nosso território, da nossa população, da nossa defesa, do nosso potencial tecnológico e industrial, ou da nossa riqueza mineral – embora, é claro, todos esses sejam fatores de importância crítica.


Mas, acima de tudo, o equilíbrio global não pode ser construído sem a Rússia: nem o equilíbrio econômico, nem o estratégico, nem o cultural ou logístico. Nenhum. Acredito que aqueles que tentaram destruir tudo isso já começaram a perceber. Alguns, no entanto, ainda tentam teimosamente atingir seu objetivo: infligir, como dizem, uma "derrota estratégica" à Rússia.


Bem, se eles não conseguem enxergar que este plano está fadado ao fracasso e persistem, ainda espero que a própria vida ensine uma lição até mesmo aos mais teimosos deles. Eles fizeram muito barulho muitas vezes, ameaçando-nos com um bloqueio total. Chegaram a dizer abertamente, sem hesitação, que querem fazer o povo russo sofrer. Essa é a palavra que escolheram. Eles elaboraram planos, cada um mais fantástico que o anterior. Acho que chegou a hora de se acalmar, de olhar ao redor, de se orientar e de começar a construir relações de uma maneira completamente diferente.


Também entendemos que o mundo policêntrico é altamente dinâmico. Ele parece frágil e instável porque é impossível consertar permanentemente a situação ou determinar o equilíbrio de poder a longo prazo. Afinal, há muitos participantes nesses processos, e suas forças são assimétricas e complexas. Cada uma tem suas próprias vantagens e pontos fortes competitivos, que em cada caso criam uma combinação e composição únicas.


O mundo de hoje é um sistema excepcionalmente complexo e multifacetado. Para descrevê-lo e compreendê-lo adequadamente, leis simples da lógica, relações de causa e efeito e os padrões que delas decorrem são insuficientes. O que se faz necessário aqui é uma filosofia da complexidade – algo semelhante à mecânica quântica, que é mais sábia e, em alguns aspectos, mais complexa do que a física clássica.


No entanto, é precisamente devido a essa complexidade do mundo que a capacidade geral de acordo, na minha opinião, tende a aumentar. Afinal, soluções unilaterais lineares são impossíveis, enquanto soluções não lineares e multilaterais exigem uma diplomacia muito séria, profissional, imparcial, criativa e, às vezes, não convencional.


Portanto, estou convencido de que testemunharemos uma espécie de renascimento, um renascimento da alta arte diplomática. Sua essência reside na capacidade de dialogar e chegar a acordos – tanto com vizinhos e parceiros com ideias semelhantes, quanto – não menos importante, mas mais desafiador – com oponentes.


É precisamente nesse espírito – o espírito da diplomacia do século XXI – que novas instituições estão se desenvolvendo. Entre elas, a crescente comunidade dos BRICS, organizações de grandes regiões como a Organização de Cooperação de Xangai, organizações eurasianas e associações regionais mais compactas, mas não menos importantes. Muitos desses grupos estão surgindo em todo o mundo – não vou listá-los todos, pois vocês já os conhecem.


Todas essas novas estruturas são diferentes, mas estão unidas por uma qualidade crucial: não operam com base no princípio da hierarquia ou da subordinação a uma única potência dominante. Não são contra ninguém; são a favor de si mesmas. Permitam-me reiterar: o mundo moderno precisa de acordos, não da imposição da vontade de ninguém. A hegemonia – de qualquer tipo – simplesmente não consegue e não conseguirá lidar com a escala dos desafios.


Garantir a segurança internacional nessas circunstâncias é uma questão extremamente urgente, com muitas variáveis. O crescente número de atores com diferentes objetivos, culturas políticas e tradições distintas cria um ambiente global complexo que torna o desenvolvimento de abordagens para garantir a segurança uma tarefa muito mais complexa e difícil de enfrentar. Ao mesmo tempo, abre novas oportunidades para todos nós.


Ambições baseadas em blocos, pré-programadas para exacerbar o confronto, tornaram-se, sem dúvida, um anacronismo sem sentido. Vemos, por exemplo, a diligência com que nossos vizinhos europeus tentam remendar e tapar as rachaduras que atravessam a construção da Europa. No entanto, eles querem superar a divisão e consolidar a unidade instável da qual costumavam se gabar, não abordando efetivamente questões internas, mas inflando a imagem de um inimigo. É um truque antigo, mas a questão é que as pessoas nesses países veem e entendem tudo. É por isso que eles vão às ruas, apesar da escalada externa e da busca contínua por um inimigo, como mencionei anteriormente.


Eles estão recriando a imagem de um velho inimigo, aquele que criaram há séculos, que é a Rússia. A maioria das pessoas na Europa tem dificuldade em entender por que temem tanto a Rússia a ponto de, para se opor a ela, precisarem apertar ainda mais o cinto, abandonar seus próprios interesses, simplesmente renunciar a eles e adotar políticas que são claramente prejudiciais a si mesmas. No entanto, as elites governantes da Europa unida continuam a fomentar a histeria. Afirmam que a guerra com os russos está quase à porta. Repetem esse absurdo, esse mantra, repetidamente.


Francamente, quando às vezes observo e ouço o que eles dizem, penso que não conseguem acreditar nisso. Não conseguem acreditar quando dizem que a Rússia está prestes a atacar a OTAN. É simplesmente impossível acreditar nisso. E, no entanto, estão fazendo seu próprio povo acreditar. Então, que tipo de pessoas são essas? Ou são totalmente incompetentes, se realmente acreditam nisso, porque acreditar em tal absurdo é simplesmente inconcebível, ou simplesmente desonestos, porque eles próprios não acreditam, mas estão tentando convencer seus cidadãos de que isso é verdade. Que outras opções existem?


Francamente, sinto-me tentado a dizer: acalme-se, durma em paz e resolva os seus próprios problemas. Veja o que está acontecendo nas ruas das cidades europeias, o que está acontecendo com a economia, a indústria, a cultura e a identidade europeias, as dívidas avultadas e a crescente crise dos sistemas de segurança social, a migração descontrolada e a violência desenfreada – incluindo a violência política – a radicalização de grupos de esquerda, ultraliberais, racistas e outros grupos marginais.


Observem como a Europa está deslizando para a periferia da competição global. Sabemos perfeitamente quão infundadas são as ameaças sobre os chamados planos agressivos da Rússia com os quais a Europa se assusta. Acabei de mencionar isso. Mas a autossugestão é algo perigoso. E não podemos simplesmente ignorar o que está acontecendo; não temos o direito de fazê-lo, em nome da nossa própria segurança, para reiterar, em nome da nossa defesa e segurança.


É por isso que estamos monitorando de perto a crescente militarização da Europa. É apenas retórica ou chegou a hora de reagirmos? Ouvimos, e vocês também sabem, que a República Federal da Alemanha está dizendo que seu exército precisa voltar a ser o mais forte da Europa. Pois bem, estamos ouvindo atentamente e acompanhando tudo para entender exatamente o que isso significa.


Acredito que ninguém tenha dúvidas de que a resposta da Rússia não tardará a chegar. Para dizer o mínimo, a resposta a essas ameaças será altamente convincente. E será, de fato, uma resposta – nós mesmos nunca iniciamos um confronto militar. É insensato, desnecessário e simplesmente absurdo; desvia a atenção dos problemas e desafios reais. Cedo ou tarde, as sociedades inevitavelmente responsabilizarão seus líderes e elites por ignorarem suas esperanças, aspirações e necessidades.


No entanto, se alguém ainda se sentir tentado a nos desafiar militarmente – como dizemos na Rússia, a liberdade é para os livres – que tente. A Rússia já provou inúmeras vezes: quando surgem ameaças à nossa segurança, à paz e à tranquilidade de nossos cidadãos, à nossa soberania e aos próprios fundamentos de nosso Estado, respondemos rapidamente.


Não há necessidade de provocação. Não houve um único caso em que isso tenha terminado bem para o provocador. E não se deve esperar nenhuma exceção no futuro – e não haverá nenhuma.


Nossa história demonstrou que a fraqueza é inaceitável, pois cria tentação – a ilusão de que a força pode ser usada para resolver qualquer questão conosco. A Rússia jamais demonstrará fraqueza ou indecisão. Que isso seja lembrado por aqueles que se ressentem do próprio fato de nossa existência, aqueles que alimentam o sonho de nos infligir essa suposta derrota estratégica. Aliás, muitos dos que falaram ativamente sobre isso, como dizemos na Rússia, "alguns já não estão aqui, outros estão longe". Onde estão essas figuras agora?


Há tantos problemas objetivos no mundo — decorrentes de fatores naturais, tecnológicos ou sociais — que gastar energia e recursos em contradições artificiais, muitas vezes fabricadas, é inadmissível, um desperdício e simplesmente tolo.


A segurança internacional tornou-se um fenômeno tão multifacetado e indivisível que nenhuma divisão geopolítica baseada em valores pode quebrá-la. Somente um trabalho meticuloso e abrangente, envolvendo parceiros diversos e fundamentado em abordagens criativas, pode solucionar as complexas equações da segurança do século XXI . Dentro dessa estrutura, não há elementos mais ou menos importantes ou cruciais – tudo deve ser abordado de forma holística.


Nosso país tem defendido consistentemente – e continua a defender – o princípio da segurança indivisível. Já o disse muitas vezes: a segurança de alguns não pode ser garantida à custa de outros. Caso contrário, não há segurança alguma – para ninguém. A implementação deste princípio provou ser infrutífera. A euforia e a sede desenfreada de poder entre aqueles que se viam como vencedores após a Guerra Fria – como já afirmei repetidamente – levaram a tentativas de impor noções unilaterais e subjetivas de segurança a todos.


Isso, de fato, tornou-se a verdadeira causa raiz não apenas do conflito ucraniano, mas também de muitas outras crises agudas do final do século XX e da primeira década do século XXI . Como resultado – como alertamos – ninguém hoje se sente verdadeiramente seguro. É hora de retornar aos fundamentos e corrigir os erros do passado.


No entanto, a segurança indivisível hoje, em comparação com o final da década de 1980 e início da década de 1990, é um fenômeno ainda mais complexo. Não se trata mais apenas de equilíbrio militar e político e de considerações de interesse mútuo.


A segurança da humanidade depende de sua capacidade de responder aos desafios impostos por desastres naturais, catástrofes provocadas pelo homem, desenvolvimento tecnológico e rápidos processos sociais, demográficos e informacionais.


Tudo isso está interligado e as mudanças ocorrem em grande parte por si mesmas, frequentemente, já disse, de forma imprevisível, seguindo sua própria lógica e regras internas e, às vezes, ouso dizer, até mesmo além da vontade e das expectativas das pessoas.


A humanidade corre o risco de se tornar supérflua em tal situação, apenas uma observadora de processos que jamais conseguirá controlar. O que é isso senão um desafio sistêmico para todos nós e uma oportunidade para todos nós trabalharmos juntos de forma construtiva?


Não há respostas prontas aqui, mas acredito que a solução para os desafios globais requer, primeiro, uma abordagem livre de viés ideológico e pathos didático, no estilo de "Agora eu vou lhe dizer o que fazer". Segundo, é importante entender que esta é uma questão verdadeiramente comum e indivisível, que requer esforços conjuntos de todos os países e nações.


Cada cultura e civilização deve dar a sua contribuição, porque, repito, ninguém conhece a resposta certa isoladamente. Ela só pode ser gerada por meio de uma busca conjunta e construtiva, da combinação – e não da separação – de esforços e experiências nacionais de vários países.


Permitam-me repetir mais uma vez: conflitos e colisões de interesses existiram e, claro, permanecerão para sempre – a questão é como resolvê-los. Um mundo policêntrico, como já disse hoje, é um retorno à diplomacia clássica, quando a solução exige atenção e respeito mútuo, mas não coerção.


A diplomacia clássica era capaz de levar em conta as posições dos diferentes atores internacionais e a complexidade do "concerto" formado pelas vozes de diferentes potências. Ainda assim, em certo momento, foi substituída pela diplomacia ocidental de monólogos, pregações intermináveis e ordens. Em vez de resolver conflitos, certas partes começaram a impor seus próprios interesses egoístas, considerando os interesses de todos os outros indignos de atenção.


Não é de se admirar que, em vez de uma solução, os conflitos tenham se agravado ainda mais, até a transição para uma fase armada sangrenta, que levou a um desastre humanitário. Agir dessa maneira significa fracasso em resolver qualquer conflito. Os exemplos nos últimos 30 anos são incontáveis.


Um deles é o conflito palestino-israelense, que não pode ser resolvido seguindo as receitas da diplomacia ocidental desequilibrada, que ignora grosseiramente a história, as tradições, a identidade e a cultura das pessoas que vivem lá. Tampouco contribui para estabilizar a situação no Oriente Médio em geral, que, pelo contrário, está se degradando rapidamente. Agora, estamos nos familiarizando mais detalhadamente com as iniciativas do presidente Trump. Parece-me que alguma luz no fim do túnel ainda pode surgir neste caso.



A tragédia na Ucrânia também é um exemplo horrível. É uma dor para ucranianos e russos, para todos nós. As razões do conflito na Ucrânia são conhecidas por qualquer pessoa que se tenha dado ao trabalho de analisar os antecedentes da sua fase atual, mais aguda. Não as abordarei novamente. Tenho a certeza de que todos nesta plateia as conhecem bem, bem como a minha posição sobre esta questão, que já articulei inúmeras vezes.


Outra coisa também é bem conhecida. Aqueles que encorajaram, incitaram e armaram a Ucrânia, que a incitaram a antagonizar a Rússia, que durante décadas alimentaram o nacionalismo desenfreado e o neonazismo naquele país, francamente – desculpem a franqueza – não deram a mínima para os interesses da Rússia ou, aliás, da Ucrânia. Eles não sentem nada pelo povo ucraniano. Para eles – globalistas e expansionistas no Ocidente e seus lacaios em Kiev – são material dispensável. Os resultados de tal aventureirismo imprudente estão à vista, e não há nada a discutir.


Surge outra questão: poderia ter sido diferente? Também sabemos, e volto ao que o Presidente Trump disse uma vez. Ele disse que, se estivesse no poder naquela época, isso poderia ter sido evitado. Concordo com isso. De fato, poderia ter sido evitado se o nosso trabalho com o governo Biden tivesse sido organizado de forma diferente; se a Ucrânia não tivesse sido transformada numa arma destrutiva nas mãos de outrem; se a OTAN não tivesse sido usada para esse fim ao avançar para as nossas fronteiras; e se a Ucrânia tivesse, em última análise, preservado a sua independência, a sua genuína soberania.


Há mais uma questão. Como as questões bilaterais russo-ucranianas, que foram o resultado natural da desintegração de um vasto país e de complexas transformações geopolíticas, deveriam ter sido resolvidas? A propósito, acredito que a dissolução da União Soviética estava ligada à posição da então liderança russa, que buscava se livrar do confronto ideológico na esperança de que agora, com o fim do comunismo, seríamos irmãos. Nada disso aconteceu. Outros fatores, na forma de interesses geopolíticos, entraram em jogo. Descobriu-se que as diferenças ideológicas não eram a verdadeira questão.


Então, como tais problemas deveriam ser resolvidos em um mundo policêntrico? Como a situação na Ucrânia teria sido abordada? Acredito que, se houvesse multipolaridade, diferentes polos teriam experimentado o conflito ucraniano, por assim dizer, em escala maior. Eles o comparariam com seus próprios potenciais focos de tensão e fraturas em suas próprias regiões. Nesse caso, uma solução coletiva teria sido muito mais responsável e equilibrada.


O acordo teria se baseado no entendimento de que todos os participantes desta situação desafiadora têm seus próprios interesses, baseados em circunstâncias objetivas e subjetivas que simplesmente não podem ser ignoradas. O desejo de todos os países de garantir a segurança e o progresso é legítimo. Sem dúvida, isso se aplica à Ucrânia, à Rússia e a todos os nossos vizinhos. Os países da região devem ter a voz principal na formação de um sistema regional. Eles têm a maior chance de concordar com um modelo de interação aceitável para todos, porque o assunto os diz diretamente respeito. Representa seus interesses vitais.



Para outros países, a situação na Ucrânia é apenas uma carta de baralho em um jogo diferente, muito maior, um jogo próprio, que geralmente tem pouco a ver com os problemas reais dos países envolvidos, incluindo este em particular. É apenas uma desculpa e um meio para atingir seus próprios objetivos geopolíticos, expandir sua área de controle e lucrar com a guerra. É por isso que trouxeram a infraestrutura da OTAN até a nossa porta e, há anos, encaram com seriedade a tragédia de Donbass e o que foi essencialmente um genocídio e extermínio do povo russo em nossa própria terra histórica, um processo que começou em 2014, logo após um golpe sangrento na Ucrânia.

Continua

Publicado originalmente em en.kremlin.ru

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