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terça-feira, 30 de outubro de 2007

Homenagem a Óscar Lopes (2)

Homenagem a Óscar Lopes

- intervenção de Jerónimo de Sousa na sessão comemorativa dos seus 90 anos


Posted by joaovalenteaguiar Outubro 14, 2007 in As vinhas da Ira



Permitam-me que, neste quadro de “homenagem nos 90 anos de Óscar Lopes repartida por vários lugares do Porto e Matosinhos”, saúde com apreço o empenhamento da Cooperativa Árvore e da sua Direcção e a sua contribuição para o êxito desta dignificante iniciativa.


Reconheça-se a dificuldade no construir e dizer desta intervenção que visa homenagear um homem integral, num quadro em que quase todas as palavras certas já foram ditas por quem com ele privou, aprendeu e cultivou amizades.

A sua dimensão de professor, mestre, do protagonismo na intervenção cultural, o autor, investigador ensaísta, historiador e linguista, por si só não é comportável nem acomodável nos limites de um discurso. E muito menos o é se quisermos expressar a sua dimensão cívica e política, as suas opções ideológicas. Talvez por razões de origem, tenho uma profunda admiração por todos aqueles e aquelas intelectuais que foram capazes, ao arrepio da ordem natural das coisas estabelecidas, ter não só solidariedade e simpatia por causas sociais, mas assumirem – como Óscar Lopes assumiu – as causas e o projecto de transformação social e de emancipação do ser humano.

E assumi-lo em tempos difíceis quando numa época histórica se espalhava o manto de sombras em Portugal e na Europa onde tudo o que era avanço civilizacional estava em causa.

Não deixa de ter significado a influência e o impacto que teve na consciência social do então jovem estudante o testemunho da vida e da miséria dos pescadores de Matosinhos e das suas famílias e do dramático confronto com a pobreza extrema, a mendicidade e a mortalidade infantil, consciência social em evolução face a uma série de acontecimentos históricos como o falhanço das formas de liberalismo económico e político, mais económico que político, decorrente da crise mundial em 1929 e posteriormente o arrasador avanço do fascismo na Europa e o tremendo efeito da derrota das forças democráticas em Espanha. A avaliação de quem resistia e lutava no plano nacional e internacional levou Óscar Lopes a tomar opções políticas e ideológicas integrando as fileiras do Partido Comunista Português. Poder-se-á dizer-se que seria restritivo fazer o enfoque desta opção e dimensão do camarada Óscar Lopes, do homem integral que aqui homenageamos!

Os domínios do saber ímpar em toda a actividade ensaística, literária, cultural, a sua capacidade científica na linguagem e ensino da língua, onde reflectia a teoria marxista e a sua concepção da luta de classes como motor da história, não dispensou antes convocou outros contributos científicos e metodológicos vindos de diversas áreas de saber em particular nos domínios da historiografia e da crítica literária.

Mas nesta visão ampla do intelectual, do cientista não se pode emparcelar ou muito menos ensombrar o carácter marcante das suas opções ideológicas e consequentemente a sua acção como comunista e revolucionário.

O que poderia ter sido um vida sem sobressaltos transformou-se num percurso fascinante, mas por vezes doloroso já que o fascismo nunca lhe perdoou as opções políticas, a sua coragem, a sua firmeza e resistência. Não lhe perdoou (a ele e a outros intelectuais) usar os seus saberes e prestígio como uma arma carregada de futuro e contribuição emancipadora para que um dia a liberdade e a democracia fosse conquistadas.

Na dinamização cultural e cívica desta cidade, particularmente entre os anos 50 e 70, nas suas palestras e intervenções, na co-organização de eventos culturais vigiados e reprimidos pela polícia política, nas presidenciais de 1951 com a candidatura de Rui Luis Gomes e nas legislativas de 53, Óscar Lopes marcou presença e participação.

E é neste quadro de acção, em anos em que a luta se agudizou, que Óscar Lopes é demitido do seu lugar de professor e encarcerado durante um ano. Tocante foi a acção dos jovens estudantes que elaborando uma exposição a enviaram ao tribunal encarregado do julgamento. Como recordava o Avante! em 1956 “belo exemplo dos jovens estudantes que após 30 anos de obscurantismo não se deixam enganar e sabem valentemente alinhar ao lado do mestre amigo que defende a Paz e quer um Portugal livre, pacífico e independente”.

Apesar de absolvido, as forças repressivas, proibiram-no até de usar o nome em artigos de sua autoria. Readmitido em 1957, continua a sofrer tremendas pressões das autoridades educativas, impedindo-o de leccionar Literatura, História e Filosofia. É impedido de sair do país para não apresentar os seus trabalhos de investigação e proibido de participar em júris internacionais de literatura para os quais era convidado.

O fascismo, na sua obstinação mais do que a sua inteligência, receava as suas opções. Quando tudo parecia convidá-lo a desanimar e a desistir da sua luta, ele prosseguiu tendo sempre a seu lado Maria Helena, companheira de toda a vida.

Na campanha de Humberto Delgado, integrando a Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos, e na Comissão Nacional do II Congresso de Oposição Democrática de Aveiro em 1972, esteve sempre na primeira linha de combate pela democracia.

E, quando Abril aconteceu, quando a democracia resgatou e colocou Óscar Lopes no quadro de honra dos homens que lutaram uma vida toda pela liberdade, pela justiça social, pela cultura, pela paz, passou de resistente a construtor, dando o seu melhor para salvaguardar a dignidade da instituição universitária, terminando a sua carreira docente como Vice-Reitor da Universidade do Porto e recebendo, entre outras homenagens, o grau de Doutor Honoris Causa pela Universidade Clássica de Lisboa.

Continuou como militante do Partido integrando o seu Comité Central em 1976.

Álvaro Cunhal, numa síntese admirável, afirmou:

“Porque está ante nós um homem que, tendo ao longo dos anos ensinado tanto, teve a superior virtude dos que muito sabem: não só ensinar mas aprender. Com o estudo, com a vida, com a experiência. Inserindo desde jovem a sua (…) sua acção como cidadão, na vida e na luta dos trabalhadores, do povo, da heróica resistência antifascista, do colectivo dos seus camaradas e do seu Partido.

Assim na luta pela liberdade (…). Assim na revolução de Abril. Assim na instauração, na institucionalização e na defesa da democracia até aos dias de hoje. Procurando respostas novas para os novos fenómenos e situações. Certificando dia-a-dia a opção política de há mais de meio século e a sua convicção comunista sempre confirmada e afirmada com a simplicidade e a coragem de um homem senhor dos seus direitos e da vontade própria.

E toda essa vida notável, em si mesma, se torna ainda mais notável porque Óscar Lopes a soube e sabe viver com a serenidade e a simplicidade que dão a sabedoria e a modéstia”.

Passados 11 anos desta declaração, Álvaro Cunhal se estivesse entre nós reafirmaria o que disse então.

Eis uma forma excelente de terminar esta intervenção.

Mas, ainda assim, talvez por razões de origem e de opção política e ideológica, uma palavra final que reflecte um sentir imenso de admiração e gratidão. A comunidade científica e intelectual deve muito a Óscar Lopes. Mais lhe devem os trabalhadores e o povo, tal como o seu Partido de sempre.

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Uma Resposta to “Homenagem a Óscar Lopes - intervenção de Jerónimo de Sousa na sessão comemorativa dos seus 90 anos”

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  1. GR Diz:

    Outubro 15, 2007 at 10:40 pm

    Tanto se disse naquele fim de tarde. Porém, Jerónimo de Sousa, foi o que mais me(nos) comoveu. Num discurso firme, Jerónimo colocou nas palavras todo o sentimento, orgulho e respeito, ao falar do seu/nosso camarada Óscar Lopes e com a naturalidade que já lhe é peculiar, sorriu timidamente para quem o ouvia, de voz embargada termina:”…A comunidade científica e intelectual deve muito a Óscar Lopes. Mais lhe devem os trabalhadores e o povo, tal como o seu Partido de sempre.”

    Palavras sentidas! A sala vibrou!

    Todos estiveram presentes! Todos! menos a comunicação social, alguns jornais e nenhuma televisão, quase ao terminar apareceu a rtp tentando saber o que pensava o Secretário-geral do PCP, sobre o discurso de Filipe Meneses.

    Mais uma vez a censura sonegou a grandeza do discurso do professor António Gomes/escritor João Pedro Mésseder, de Jerónimo de Sousa, professor Nuno Grande, entre outros.

Victor Nogueira à(s) terça-feira, outubro 30, 2007

1 comentário:

  1. De Amor e de Terra31 de outubro de 2007 às 00:29

    Pena eu não ter podido estar presente!
    Teria não só cumprimentado o Prof. Oscar Lopes como abraçado o meu querido Amigo Prof, Nuno Grande de quem tenho muita saudade.

    Maria Mamede

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"O trabalho é mais importante e é independente do capital. O capital é apenas o fruto do trabalho, e não existiria sem ele. O trabalho é superior ao capital e merece a consideração mais elevada." (Lincoln, Presidente dos EUA)

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- Pode-se enganar todo o Povo por algum tempo, pode enganar-se algum Povo todo o tempo. Mas não se pode enganar todo Povo por todo o tempo. (Lincoln) . - O trabalho é mais importante e é independente do capital. O capital é apenas o fruto do trabalho e não existiria sem ele. O trabalho é superior ao capital e merece a consideração mais elevada. (Lincoln) . - ... que todos nós aqui presentes solenemente admitamos ... que esta Nação ... venha gerar uma nova Liberdade, e que o governo do povo, pelo povo e para o povo jamais desaparecerá da face da terra. (Abraham Lincoln - Discurso de Gettysburg (19 de Novembro de 1863) . "(...)O que importa é transformá-lo.[o Mundo]" (Karl Marx)
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