terça-feira, 30 de agosto de 2016

o discurso de Dilma em 2016.08.30

Excelentíssimo Senhor Presidente do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski

Excelentíssimo Senhor Presidente do Senado Federal Renan Calheiros,

Excelentíssimas Senhoras Senadoras e Excelentíssimos Senhores Senadores,

Cidadãs e Cidadãos de meu amado Brasil,


No dia 1° de janeiro de 2015 assumi meu segundo mandato à Presidência da República Federativa do Brasil. Fui eleita por mais de 54 milhões de votos.

Na minha posse, assumi o compromisso de manter, defender e cumprir a Constituição, bem como o de observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro, sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil.

Ao exercer a Presidência da República respeitei fielmente o compromisso que assumi perante a nação e aos que me elegeram. E me orgulho disso. Sempre acreditei na democracia e no Estado de Direito, e sempre vi na Constituição de 1988 uma das grandes conquistas do nosso povo.

Jamais atentaria contra o que acredito ou praticaria atos contrários aos interesses daqueles que me elegeram.

Nesta jornada para me defender do impeachment me aproximei mais do povo, tive oportunidade de ouvir seu reconhecimento, de receber seu carinho. Ouvi também críticas duras ao meu governo, a erros que foram cometidos e a medidas e políticas que não foram adotadas. Acolho essas críticas com humildade.

Até porque, como todos, tenho defeitos e cometo erros.

Entre os meus defeitos não está a deslealdade e a covardia. Não traio os compromissos que assumo, os princípios que defendo ou os que lutam ao meu lado. Na luta contra a ditadura, recebi no meu corpo as marcas da tortura. Amarguei por anos o sofrimento da prisão. Vi companheiros e companheiras sendo violentados, e até assassinados.

Na época, eu era muito jovem. Tinha muito a esperar da vida. Tinha medo da morte, das sequelas da tortura no meu corpo e na minha alma. Mas não cedi. Resisti. Resisti à tempestade de terror que começava a me engolir, na escuridão dos tempos amargos em que o país vivia. Não mudei de lado. Apesar de receber o peso da injustiça nos meus ombros, continuei lutando pela democracia.

Dediquei todos esses anos da minha vida à luta por uma sociedade sem ódios e intolerância. Lutei por uma sociedade livre de preconceitos e de discriminações. Lutei por uma sociedade onde não houvesse miséria ou excluídos. Lutei por um Brasil soberano, mais igual e onde houvesse justiça.

Disso tenho orgulho. Quem acredita, luta.

Aos quase setenta anos de idade, não seria agora, após ser mãe e avó, que abdicaria dos princípios que sempre me guiaram.

Exercendo a Presidência da República tenho honrado o compromisso com o meu país, com a Democracia, com o Estado de Direito. Tenho sido intransigente na defesa da honestidade na gestão da coisa pública.

Por isso, diante das acusações que contra mim são dirigidas neste processo, não posso deixar de sentir, na boca, novamente, o gosto áspero e amargo da injustiça e do arbítrio.

E por isso, como no passado, resisto.

Não esperem de mim o obsequioso silêncio dos covardes. No passado, com as armas, e hoje, com a retórica jurídica, pretendem novamente atentar contra a democracia e contra o Estado do Direito.

Se alguns rasgam o seu passado e negociam as benesses do presente, que respondam perante a sua consciência e perante a história pelos atos que praticam. A mim cabe lamentar pelo que foram e pelo que se tornaram.

E resistir. Resistir sempre. Resistir para acordar as consciências ainda adormecidas para que, juntos, finquemos o pé no terreno que está do lado certo da história, mesmo que o chão trema e ameace de novo nos engolir.

Não luto pelo meu mandato por vaidade ou por apego ao poder, como é próprio dos que não tem caráter, princípios ou utopias a conquistar. Luto pela democracia, pela verdade e pela justiça. Luto pelo povo do meu país, pelo seu bem-estar.

Muitos hoje me perguntam de onde vem a minha energia para prosseguir. Vem do que acredito. Posso olhar para trás e ver tudo o que fizemos. Olhar para a frente e ver tudo o que ainda precisamos e podemos fazer. O mais importante é que posso olhar para mim mesma e ver a face de alguém que, mesmo marcada pelo tempo, tem forças para defender suas ideias e seus direitos.

Sei que, em breve, e mais uma vez na vida, serei julgada. E é por ter a minha consciência absolutamente tranquila em relação ao que fiz, no exercício da Presidência da República que venho pessoalmente à presença dos que me julgarão. Venho para olhar diretamente nos olhos de Vossas Excelências, e dizer, com a serenidade dos que nada tem a esconder que não cometi nenhum crime de responsabilidade. Não cometi os crimes dos quais sou acusada injusta e arbitrariamente.

Hoje o Brasil, o mundo e a história nos observam e aguardam o desfecho deste processo de impeachment.

No passado da América Latina e do Brasil, sempre que interesses de setores da elite econômica e política foram feridos pelas urnas, e não existiam razões jurídicas para uma destituição legítima, conspirações eram tramadas resultando em golpes de estado.

O presidente Getúlio Vargas, que nos legou a CLT e a defesa do patrimônio nacional, sofreu uma implacável perseguição; a hedionda trama orquestrada pela chamada “República do Galeão”, que o levou ao suicídio.

O presidente Juscelino Kubitscheck, que contruiu essa cidade, foi vítima de constantes e fracassadas tentativas de golpe, como ocorreu no episódio de Aragarças.

O presidente João Goulart, defensor da democracia, dos direitos dos trabalhadores e das Reformas de Base, superou o golpe do parlamentarismo mas foi deposto e instaurou-se a ditadura militar, em 1964. Durante 20 anos, vivemos o silêncio imposto pelo arbítrio e a democracia foi varrida de nosso país. Milhões de brasileiros lutaram e reconquistaram o direito a eleições diretas.

Hoje, mais uma vez, ao serem contrariados e feridos nas urnas os interesses de setores da elite econômica e política nos vemos diante do risco de uma ruptura democrática. Os padrões políticos dominantes no mundo repelem a violência explícita. Agora, a ruptura democrática se dá por meio da violência moral e de pretextos constitucionais para que se empreste aparência de legitimidade ao governo que assume sem o amparo das urnas. Invoca-se a Constituição para que o mundo das aparências encubra hipocritamente o mundo dos fatos.

As provas produzidas deixam claro e inconteste que as acusações contra mim dirigidas são meros pretextos, embasados por uma frágil retórica jurídica.

Nos últimos dias, novos fatos evidenciaram outro aspecto da trama que caracteriza este processo de impeachment. O autor da representação junto ao Tribunal de Contas da União que motivou as acusações discutidas nesse processo, foi reconhecido como suspeito pelo presidente do Supremo Tribunal Federal. Soube-se ainda, pelo depoimento do auditor responsável pelo parecer técnico, que ele havia ajudado a elaborar a própria representação que auditou. Fica claro o vício da parcialidade, a trama, na construção das teses por eles defendidas.

São pretextos, apenas pretextos, para derrubar, por meio de um processo de impeachment sem crime de responsabilidade, um governo legítimo, escolhido em eleição direta com a participação de 110 milhões de brasileiros e brasileiras. O governo de uma mulher que ousou ganhar duas eleições presidenciais consecutivas.

São pretextos para viabilizar um golpe na Constituição. Um golpe que, se consumado, resultará na eleição indireta de um governo usurpador.

A eleição indireta de um governo que, já na sua interinidade, não tem mulheres comandando seus ministérios, quando o povo, nas urnas, escolheu uma mulher para comandar o país. Um governo que dispensa os negros na sua composição ministerial e já revelou um profundo desprezo pelo programa escolhido pelo povo em 2014.

Fui eleita presidenta por 54 milhões e meio de votos para cumprir um programa cuja síntese está gravada nas palavras “nenhum direito a menos”.

O que está em jogo no processo de impeachment não é apenas o meu mandato. O que está em jogo é o respeito às urnas, à vontade soberana do povo brasileiro e à Constituição.

O que está em jogo são as conquistas dos últimos 13 anos: os ganhos da população, das pessoas mais pobres e da classe média; a proteção às crianças; os jovens chegando às universidades e às escolas técnicas; a valorização do salário mínimo; os médicos atendendo a população; a realização do sonho da casa própria.

O que está em jogo é o investimento em obras para garantir a convivência com a seca no semiárido, é a conclusão do sonhado e esperado projeto de integração do São Francisco. O que está em jogo é, também, a grande descoberta do Brasil, o pré-sal. O que está em jogo é a inserção soberana de nosso país no cenário internacional, pautada pela ética e pela busca de interesses comuns.

O que está em jogo é a autoestima dos brasileiros e brasileiras, que resistiram aos ataques dos pessimistas de plantão à capacidade do país de realizar, com sucesso, a Copa do Mundo e as Olimpíadas e Paralimpíadas.

O que está em jogo é a conquista da estabilidade, que busca o equilíbrio fiscal mas não abre mão de programas sociais para a nossa população.

O que está em jogo é o futuro do país, a oportunidade e a esperança de avançar sempre mais.

Senhoras e senhores senadores,

No presidencialismo previsto em nossa Constituição, não basta a eventual perda de maioria parlamentar para afastar um presidente. Há que se configurar crime de responsabilidade. E está claro que não houve tal crime.

Não é legítimo, como querem os meus acusadores, afastar o chefe de Estado e de governo pelo “conjunto da obra”. Quem afasta o presidente pelo “conjunto da obra” é o povo e, só o povo, nas eleições. E nas eleições o programa de governo vencedor não foi este agora ensaiado e desenhado pelo governo interino e defendido pelos meus acusadores.

O que pretende o governo interino, se transmudado em efetivo, é um verdadeiro ataque às conquistas dos últimos anos.

Desvincular o piso das aposentadorias e pensões do salário mínimo será a destruição do maior instrumento de distribuição de renda do país, que é a Previdência Social. O resultado será mais pobreza, mais mortalidade infantil e a decadência dos pequenos municípios.

A revisão dos direitos e garantias sociais previstos na CLT e a proibição do saque do FGTS na demissão do trabalhador são ameaças que pairam sobre a população brasileira caso prospere o impeachment sem crime de responsabilidade.

Conquistas importantes para as mulheres, os negros e as populações LGBT estarão comprometidas pela submissão a princípios ultraconservadores.

O nosso patrimônio estará em questão, com os recursos do pré-sal, as riquezas naturais e minerárias sendo privatizadas.

A ameaça mais assustadora desse processo de impeachment sem crime de responsabilidade é congelar por inacreditáveis 20 anos todas as despesas com saúde, educação, saneamento, habitação. É impedir que, por 20 anos, mais crianças e jovens tenham acesso às escolas; que, por 20 anos, as pessoas possam ter melhor atendimento à saúde; que, por 20 anos, as famílias possam sonhar com casa própria.

Senhor presidente Ricardo Lewandowski, sras. e srs. senadores,

A verdade é que o resultado eleitoral de 2014 foi um rude golpe em setores da elite conservadora brasileira.

Desde a proclamação dos resultados eleitorais, os partidos que apoiavam o candidato derrotado nas eleições fizeram de tudo para impedir a minha posse e a estabilidade do meu governo. Disseram que as eleições haviam sido fraudadas, pediram auditoria nas urnas, impugnaram minhas contas eleitorais, e após a minha posse, buscaram de forma desmedida quaisquer fatos que pudessem justificar retoricamente um processo de impeachment.

Como é próprio das elites conservadoras e autoritárias, não viam na vontade do povo o elemento legitimador de um governo. 

Queriam o poder a qualquer preço.

Tudo fizeram para desestabilizar a mim e ao meu governo.

Só é possível compreender a gravidade da crise que assola o Brasil desde 2015, levando-se em consideração a instabilidade política aguda que, desde a minha reeleição, tem caracterizado o ambiente em que ocorrem o investimento e a produção de bens e serviços.

Não se procurou discutir e aprovar uma melhor proposta para o país. O que se pretendeu permanentemente foi a afirmação do “quanto pior melhor”, na busca obsessiva de se desgastar o governo, pouco importando os resultados danosos desta questionável ação política para toda a população.

A possibilidade de impeachment tornou-se assunto central da pauta política e jornalística apenas dois meses após minha reeleição, apesar da evidente improcedência dos motivos para justificar esse movimento radical.

Nesse ambiente de turbulências e incertezas, o risco político permanente provocado pelo ativismo de parcela considerável da oposição acabou sendo um elemento central para a retração do investimento e para o aprofundamento da crise econômica.

Deve ser também ressaltado que a busca do reequilíbrio fiscal, desde 2015, encontrou uma forte resistência na Câmara dos Deputados, à época presidida pelo deputado Eduardo Cunha. Os projetos enviados pelo governo foram rejeitados, parcial ou integralmente. Pautas bombas foram apresentadas e algumas aprovadas.

As comissões permanentes da Câmara, em 2016, só funcionaram a partir do dia 5 de maio, ou seja, uma semana antes da aceitação do processo de impeachment pela Comissão do Senado Federal. Os srs. e as sras. senadores sabem que o funcionamento dessas Comissões era e é absolutamente indispensável para a aprovação de matérias que interferem no cenário fiscal e encaminhar a saída da crise.

Foi criado assim o desejado ambiente de instabilidade política, propício a abertura do processo de impeachment sem crime de responsabilidade.

Sem essas ações, o Brasil certamente estaria hoje em outra situação política, econômica e fiscal.

Muitos articularam e votaram contra propostas que durante toda a vida defenderam, sem pensar nas consequências que seus gestos trariam para o país e para o povo brasileiro. Queriam aproveitar a crise econômica, porque sabiam que assim que o meu governo viesse a superá-la, sua aspiração de acesso ao poder haveria de ficar sepultada por mais um longo período.

Mas, a bem da verdade, as forças oposicionistas somente conseguiram levar adiante o seu intento quando outra poderosa força política a elas se agregou: a força política dos que queriam evitar a continuidade da “sangria” de setores da classe política brasileira, motivada pelas investigações sobre a corrupção e o desvio de dinheiro público.

É notório que durante o meu governo e o do presidente Lula foram dadas todas as condições para que estas investigações fossem realizadas. Propusemos importantes leis que dotaram os órgãos competentes de condições para investigar e punir os culpados.

Assegurei a autonomia do Ministério Público, nomeando como procurador-geral da República o primeiro nome da lista indicado pelos próprios membros da instituição. Não permiti qualquer interferência política na atuação da Polícia Federal.

Contrariei, com essa minha postura, muitos interesses. Por isso, paguei e pago um elevado preço pessoal pela postura que tive.

Arquitetaram a minha destituição, independentemente da existência de quaisquer fatos que pudesse justificá-la perante a nossa Constituição.

Encontraram, na pessoa do ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, o vértice da sua aliança golpista.

Articularam e viabilizaram a perda da maioria parlamentar do governo. Situações foram criadas, com apoio escancarado de setores da mídia, para construir o clima político necessário para a desconstituição do resultado eleitoral de 2014.

Todos sabem que este processo de impeachment foi aberto por uma “chantagem explícita” do ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha, como chegou a reconhecer em declarações à imprensa um dos próprios denunciantes. Exigia aquele parlamentar que eu intercedesse para que deputados do meu partido não votassem pela abertura do seu processo de cassação.​

Nunca aceitei na minha vida ameaças ou chantagens. Se não o fiz antes, não o faria na condição de presidenta da República. É fato, porém, que não ter me curvado a esta chantagem motivou o recebimento da denúncia por crime de responsabilidade e a abertura deste processo, sob o aplauso dos derrotados em 2014 e dos temerosos pelas investigações.

Se eu tivesse me acumpliciado com a improbidade e com o que há de pior na política brasileira, como muitos até hoje parecem não ter o menor pudor em fazê-lo, eu não correria o risco de ser condenada injustamente.

Quem se acumplicia ao imoral e ao ilícito, não tem respeitabilidade para governar o Brasil. Quem age para poupar ou adiar o julgamento de uma pessoa que é acusada de enriquecer às custas do Estado brasileiro e do povo que paga impostos, cedo ou tarde, acabará pagando perante a sociedade e a história o preço do seu descompromisso com a ética.

Todos sabem que não enriqueci no exercício de cargos públicos, que não desviei dinheiro público em meu proveito próprio, nem de meus familiares, e que não possuo contas ou imóveis no exterior. Sempre agi com absoluta probidade nos cargos públicos que ocupei ao longo da minha vida.

Curiosamente, serei julgada, por crimes que não cometi, antes do julgamento do ex-presidente da Câmara, acusado de ter praticado gravíssimos atos ilícitos e que liderou as tramas e os ardis que alavancaram as ações voltadas à minha destituição.

Ironia da história? Não, de forma nenhuma. Trata-se de uma ação deliberada que conta com o silêncio cúmplice de setores da grande mídia brasileira.

Viola-se a democracia e pune-se uma inocente. Este é o pano de fundo que marca o julgamento que será realizado pela vontade dos que lançam contra mim pretextos acusatórios infundados.

Estamos a um passo da consumação de uma grave ruptura institucional. Estamos a um passo da concretização de um verdadeiro golpe de Estado.

Senhoras e senhores senadores,

Vamos aos autos deste processo. Do que sou acusada? Quais foram os atentados à Constituição que cometi? Quais foram os crimes hediondos que pratiquei?

A primeira acusação refere-se à edição de três decretos de crédito suplementar sem autorização legislativa. Ao longo de todo o processo, mostramos que a edição desses decretos seguiu todas as regras legais. Respeitamos a previsão contida na Constituição, a meta definida na LDO e as autorizações estabelecidas no artigo 4° da Lei Orçamentária de 2015, aprovadas pelo Congresso Nacional.

Todas essas previsões legais foram respeitadas em relação aos 3 decretos. Eles apenas ofereceram alternativas para alocação dos mesmos limites, de empenho e financeiro, estabelecidos pelo decreto de contingenciamento, que não foram alterados. Por isso, não afetaram em nada a meta fiscal.

Ademais, desde 2014, por iniciativa do Executivo, o Congresso aprovou a inclusão, na LDO, da obrigatoriedade que qualquer crédito aberto deve ter sua execução subordinada ao decreto de contingenciamento, editado segundo as normas estabelecidas pela Lei de Responsabilidade Fiscal. E isso foi precisamente respeitado.

Não sei se por incompreensão ou por estratégia, as acusações feitas neste processo buscam atribuir a esses decretos nossos problemas fiscais. Ignoram ou escondem que os resultados fiscais negativos são consequência da desaceleração econômica e não a sua causa.

Escondem que, em 2015, com o agravamento da crise, tivemos uma expressiva queda da receita ao longo do ano – foram R$ 180 bilhões a menos que o previsto na Lei Orçamentária.

Fazem questão de ignorar que realizamos, em 2015, o maior contingenciamento de nossa história. Cobram que, quando enviei ao Congresso Nacional, em julho de 2015, o pedido de autorização para reduzir a meta fiscal, deveria ter imediatamente realizado um novo contingenciamento. Não o fiz porque segui o procedimento que não foi questionado pelo Tribunal de Contas da União ou pelo Congresso Nacional na análise das contas de 2009.

Além disso, a responsabilidade com a população justifica também nossa decisão. Se aplicássemos, em julho, o contingenciamento proposto pelos nossos acusadores cortaríamos 96% do total de recursos disponíveis para as despesas da União. Isto representaria um corte radical em todas as dotações orçamentárias dos órgãos federais. Ministérios seriam paralisados, universidades fechariam suas portas, o Mais Médicos seria interrompido, a compra de medicamentos seria prejudicada, as agências reguladoras deixariam de funcionar. Na verdade, o ano de 2015 teria, orçamentariamente, acabado em julho.

Volto a dizer: ao editar estes decretos de crédito suplementar, agi em conformidade plena com a legislação vigente. Em nenhum desses atos, o Congresso Nacional foi desrespeitado. Aliás, este foi o comportamento que adotei em meus dois mandatos.

Somente depois que assinei estes decretos é que o Tribunal de Contas da União mudou a posição que sempre teve a respeito da matéria. É importante que a população brasileira seja esclarecida sobre este ponto: os decretos foram editados em julho e agosto de 2015 e somente em outubro de 2015 o TCU aprovou a nova interpretação.

O TCU recomendou a aprovação das contas de todos os presidentes que editaram decretos idênticos aos que editei. Nunca levantaram qualquer problema técnico ou apresentaram a interpretação que passaram a ter depois que assinei estes atos.

Querem me condenar por ter assinado decretos que atendiam a demandas de diversos órgãos, inclusive do próprio Poder Judiciário, com base no mesmo procedimento adotado desde a entrada em vigor da Lei de Responsabilidade Fiscal, em 2001?
Por ter assinado decretos que somados, não implicaram, como provado nos autos, em nenhum centavo de gastos a mais para prejudicar a meta fiscal?

A segunda denúncia dirigida contra mim neste processo também é injusta e frágil. Afirma-se que o alegado atraso nos pagamentos das subvenções econômicas devidas ao Banco do Brasil, no âmbito da execução do programa de crédito rural Plano Safra, equivale a uma “operação de crédito”, o que estaria vedado pela Lei de Responsabilidade Fiscal.

Como minha defesa e várias testemunhas já relataram, a execução do Plano Safra é regida por uma lei de 1992, que atribui ao Ministério da Fazenda a competência de sua normatização, inclusive em relação à atuação do Banco do Brasil. A presidenta da República não pratica nenhum ato em relação à execução do Plano Safra. Parece óbvio, além de juridicamente justo, que eu não seja acusada por um ato inexistente.

A controvérsia quanto a existência de operação de crédito surgiu de uma mudança de interpretação do TCU, cuja decisão definitiva foi emitida em dezembro de 2015. Novamente, há uma tentativa de dizer que cometi um crime antes da definição da tese de que haveria um crime. Uma tese que nunca havia surgido antes e que, como todas as senhoras e senhores senadores souberam em dias recentes, foi urdida especialmente para esta ocasião.

Lembro ainda a decisão recente do Ministério Público Federal, que arquivou inquérito exatamente sobre esta questão. Afirmou não caber falar em ofensa à Lei de Responsabilidade Fiscal porque eventuais atrasos de pagamento em contratos de prestação de serviços entre a União e instituições financeiras públicas não são operações de crédito.

Insisto, senhoras senadoras e senhores senadores: não sou eu nem tampouco minha defesa que fazemos estas alegações. É o Ministério Público Federal que se recusou a dar sequência ao processo, pela inexistência de crime.

Sobre a mudança de interpretação do TCU, lembro que, ainda antes da decisão final, agi de forma preventiva. Solicitei ao Congresso Nacional a autorização para pagamento dos passivos e defini em decreto prazos de pagamento para as subvenções devidas. Em dezembro de 2015, após a decisão definitiva do TCU e com a autorização do Congresso, saldamos todos os débitos existentes.

Não é possível que não se veja aqui também o arbítrio deste processo e a injustiça também desta acusação.

Este processo de impeachment não é legítimo. Eu não atentei, em nada, em absolutamente nada contra qualquer dos dispositivos da Constituição que, como presidenta da República, jurei cumprir. Não pratiquei ato ilícito. Está provado que não agi dolosamente em nada. Os atos praticados estavam inteiramente voltados aos interesses da sociedade. Nenhuma lesão trouxeram ao erário ou ao patrimônio público.

Volto a afirmar, como o fez a minha defesa durante todo o tempo, que este processo está marcado, do início ao fim, por um clamoroso desvio de poder.

É isto que explica a absoluta fragilidade das acusações que contra mim são dirigidas.

Tem-se afirmado que este processo de impeachment seria legítimo porque os ritos e prazos teriam sido respeitados. No entanto, para que seja feita justiça e a democracia se imponha, a forma só não basta. É necessário que o conteúdo de uma sentença também seja justo. E no caso, jamais haverá justiça na minha condenação.

Ouso dizer que em vários momentos este processo se desviou, clamorosamente, daquilo que a Constituição e os juristas denominam de “devido processo legal”.

Não há respeito ao devido processo legal quando a opinião condenatória de grande parte dos julgadores é divulgada e registrada pela grande imprensa, antes do exercício final do direito de defesa.

Não há respeito ao devido processo legal quando julgadores afirmam que a condenação não passa de uma questão de tempo, porque votarão contra mim de qualquer jeito.

Nesse caso, o direito de defesa será exercido apenas formalmente, mas não será apreciado substantivamente nos seus argumentos e nas suas provas. A forma existirá apenas para dar aparência de legitimidade ao que é ilegítimo na essência.

Senhoras e senhores senadores,

Nesses meses, me perguntaram inúmeras vezes porque eu não renunciava, para encurtar este capítulo tão difícil de minha vida.
Jamais o faria porque tenho compromisso inarredável com o Estado Democrático de Direito.

Jamais o faria porque nunca renuncio à luta.

Confesso a Vossas Excelências, no entanto, que a traição, as agressões verbais e a violência do preconceito me assombraram e, em alguns momentos, até me magoaram. Mas foram sempre superados, em muito, pela solidariedade, pelo apoio e pela disposição de luta de milhões de brasileiras e brasileiros pelo país afora. Por meio de manifestações de rua, reuniões, seminários, livros, shows, mobilizações na internet, nosso povo esbanjou criatividade e disposição para a luta contra o golpe.

As mulheres brasileiras têm sido, neste período, um esteio fundamental para minha resistência. Me cobriram de flores e me protegeram com sua solidariedade. Parceiras incansáveis de uma batalha em que a misoginia e o preconceito mostraram suas garras, as brasileiras expressaram, neste combate pela democracia e pelos direitos, sua força e resiliência. Bravas mulheres brasileiras, que tenho a honra e o dever de representar como primeira mulher presidenta do Brasil.

Chego à última etapa desse processo comprometida com a realização de uma demanda da maioria dos brasileiros: convocá-los a decidir, nas urnas, sobre o futuro de nosso país. Diálogo, participação e voto direto e livre são as melhores armas que temos para a preservação da democracia.

Confio que as senhoras senadoras e os senhores senadores farão justiça. Tenho a consciência tranquila. Não pratiquei nenhum crime de responsabilidade. As acusações dirigidas contra mim são injustas e descabidas. Cassar em definitivo meu mandato é como me submeter a uma pena de morte política.

Este é o segundo julgamento a que sou submetida em que a democracia tem assento, junto comigo, no banco dos réus. Na primeira vez, fui condenada por um tribunal de exceção. Daquela época, além das marcas dolorosas da tortura, ficou o registro, em uma foto, da minha presença diante de meus algozes, num momento em que eu os olhava de cabeça erguida enquanto eles escondiam os rostos, com medo de serem reconhecidos e julgados pela história.

Hoje, quatro décadas depois, não há prisão ilegal, não há tortura, meus julgadores chegaram aqui pelo mesmo voto popular que me conduziu à Presidência. Tenho por todos o maior respeito, mas continuo de cabeça erguida, olhando nos olhos dos meus julgadores.

Apesar das diferenças, sofro de novo com o sentimento de injustiça e o receio de que, mais uma vez, a democracia seja condenada junto comigo. E não tenho dúvida que, também desta vez, todos nós seremos julgados pela história.

Por duas vezes vi de perto a face da morte: quando fui torturada por dias seguidos, submetida a sevícias que nos fazem duvidar da humanidade e do próprio sentido da vida; e quando uma doença grave e extremamente dolorosa poderia ter abreviado minha existência.

Hoje eu só temo a morte da democracia, pela qual muitos de nós, aqui neste plenário, lutamos com o melhor dos nossos esforços.

Reitero: respeito os meus julgadores.

Não nutro rancor por aqueles que votarão pela minha destituição.
Respeito e tenho especial apreço por aqueles que têm lutado bravamente pela minha absolvição, aos quais serei eternamente grata.

Neste momento, quero me dirigir aos senadores que, mesmo sendo de oposição a mim e ao meu governo, estão indecisos.

Lembrem-se que, no regime presidencialista e sob a égide da nossa Constituição, uma condenação política exige obrigatoriamente a ocorrência de um crime de responsabilidade, cometido dolosamente e comprovado de forma cabal.

Lembrem-se do terrível precedente que a decisão pode abrir para outros presidentes, governadores e prefeitos. Condenar sem provas substantivas. Condenar um inocente.

Faço um apelo final a todos os senadores: não aceitem um golpe que, em vez de solucionar, agravará a crise brasileira.

Peço que façam justiça a uma presidenta honesta, que jamais cometeu qualquer ato ilegal, na vida pessoal ou nas funções públicas que exerceu. Votem sem ressentimento. O que cada senador sente por mim e o que nós sentimos uns pelos outros importa menos, neste momento, do que aquilo que todos sentimos pelo país e pelo povo brasileiro.

Peço: votem contra o impeachment. Votem pela democracia.

Muito obrigada.

sábado, 27 de agosto de 2016

A ORIGEM DO ”ABORTO ORTOGRÁFICO”


otto solano says:
27/08/2016 às 10:38
É na pharmácia da cultura que podemos obter o fortificante que nos protege de cahir no abysmo da mediocridade.

A ORIGEM DO
”ABORTO ORTOGRÁFICO”
(também chamado “Acordo Ortográfico)
( “LUSOFONIA” – “PALOP”- “CPLP” )

Lusofonia é um vocábulo derivado do termo “Lusitânia”, nome dado pelos romanos a uma província da Península Ibérica que englobava um território que faz actualmente parte de Portugal.

Luiz Vaz de Camões denominou o seu poema épico que evoca os feitos dos portugueses, as suas conquistas de além-mar e a abertura das vias marítimas para o Oriente contornando o continente africano “Os Lusíadas”, portanto os descendentes dos antigos “Lusos”.

As terras conquistadas na África, Ásia e Américas sob dominação portuguesa eram denominadas Colónias Portuguesas, e o seu conjunto foi o assim chamado “ Império Colonial Português “.

A ditadura fascista de Salazar passou a chamar às colónias portuguesas “Províncias Ultramarinas” , utilizando uma ideia apócrifa de unidade cultural e política, o que se pode traduzir numa “mania das grandezas” provinciana, mas que servia perfeitamente de apoio à sua ideologia politica conservadora e fascista. E é então que o vocábulo “Luso” entra novamente em cena, uma vez para chamar “Lusitos” aos jovens da “Mocidade Portuguesa”, organização fascista paramilitar formada segundo os moldes da juventude hitleriana, e de participação obrigatória para todos os jovens estudantes, em Portugal e nas Colónias, e outra para designar por “Lusofonia” uma mítica unidade cultural entre as Colónias e Portugal.

Após o 25 de Abril e a descolonização, aquela “mania das grandezas” ainda não tinha sido totalmente dissipada da cabeça de muitos portugueses que ainda sonhavam com o tal império ou com as tais províncias ultramarinas. E assim renasceu o termo “Lusofonia” para designar essa fantasiosa unidade cultural e linguística de Portugal com as ex-colónias,e que é na sua essência um mito fascista.

Uma ideia tão abstracta, apócrifa e ridícula como esta não servia muito bem certos interesses ocultos. Os revolucionários dos movimentos de libertação das ex-colónias, que tinham mandado à merda toda a ideologia progressista que defendiam, tornaram-se na elite burguesa desses países, em moldes feudais, e em conluio com a oligarquia portuguesa apossaram-se do poder político, militar e económico, explorando as riquezas dos países em proveito próprio, tornando-se nas elites mais ricas do continente e condenando assim à pobreza, à fome, à exploração e escravatura os seus conterrâneos. Passam a viver num luxo e ostentação como nunca na puta da sua vida sonharam, e criam uma organização chamada “PALOP – Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa” julgando na sua mediocridade ética e cultural atingir um certo prestígio e utilizá-la perfeitamente para proveito próprio. Assim é que a organização oferece “tachos” bem remunerados não só para os seus membros como também para os familiares, amigos, amantes e amásias, viagens de “trabalho”, jantaradas, carros de luxo e mordomias de toda a espécie.

Mas a clientela ia crescendo e a organização não tinha mais capacidade de os contentar. Como nesse sentido a criatividade dessa gentalha desses países e de Portugal não tem limites, nasceu assim a “CPLP – Comunidade dos Países de Língua Oficial Portuguesa” . Os seus membros são todos aqueles países onde as elites governamentais optaram pelo idioma português como língua oficial, desprezando os idiomas nativos, mesmo que a maioria dos seus habitantes não o fale nem o entenda, como são os casos extremos da Guiné-Bissau e Goa; e ridiculamente também Timor, uma ex-colónia à qual Portugal durante séculos nunca deu qualquer atenção e que só servia como local de desterro para personalidades civís politicamente incómodas e militares que não se submetiam a directrizes arbitrárias. Só depois da Austrália ter descoberto petróleo no mar que rodeia aquela ilha é que Portugal, fazendo o papel vergonhoso de “libertador” a troco de generosas esmolas das companhias exploradoras do petróleo para o bolso de certa gente, enviou, “para disfarçar”, alguns professores para ensinar português àquelas gentes; e cujo nativo traidor que foi o primeiro dirigente governamental após o país ter sido artificialmente criado, teve de aprender português durante o cativeiro político na Indonésia, o que ainda hoje se revela na sonoridade metálica do seu falar mecânico, à semelhança do som do leitor de cassetes por onde aprendeu o idioma. Mais ridícula ainda, e também perversa, é a recente aprovação da adesão da Guiné-Equatorial a esta organização, país que nunca foi colónia portuguesa e onde o português não é nem nunca foi língua oficial e nem o povo o fala ou jamais falou.

O Brasil, a maior ex-colónia portuguesa, e o país membro com maior extensão territorial e maior número de habitantes também só possui, à semelhança das ex-colónias africanas, uma elite culta que fala e escreve, quase correctamente, português. A grande maioria da população fala variantes adulteradas deste idioma, com as influências regionais dos diversos idiomas nativos e de os daquelas etnias de colonos oriundas de todas as partes do mundo, e utilizando vocábulos estrangeiros, principalmente ingleses, idiotamente “abrasileirados”. E onde um sistema escolar público precário ainda hoje existente nunca permitiu um ensino correcto da língua portuguesa.

A CPLP viabiliza assim a criação de novos “tachos” para a sua clientela. E na página da “Internet” relativa à sua estrutura e organização não são revelados, além do nome do Secretário Executivo, nem os nomes dos seus colaboradores nem o número de funcionários ao seu serviço, e os objectivos, como também publicado naquela página, são difusamente generalizados e abertamente não comprometedores.

Dado o total desconhecimento que a grande maioria da população dos países desta “Comunidade” possui sobre a existência destas organizações, PALOP e CPLP, e não ter igualmente a menor ideia do que seja essa “Lusofonia”, e até hoje não se ter verificado qualquer tentativa, mesmo que seja “só para inglês ver” duma divulgação das mesmas, é evidente que elas só servem os interesses das elites nacionais, e por extensão os das diversas personalidades que constituem o escol representativo das organizações satélites apoiantes, como a “Fundação Oriente” e o “MIL – Movimento Internacional Lusófono”, entre outras cuja existência é mantida em segredo, e a qual só se revela quando por qualquer motivo se descobre alguma daquelas trafulhices financeiras que são amanhadas entre elas, a banca privada, e os políticos e os governos corruptos dos diversos países membros.

São organizações criminosas legalizadas, sustentadas pelo erário público, que urge desmantelar e expropriar, revertendo o património, mesmo que esteja por “artes mágicas” nos bolsos desses cleptocratas, para os cofres daquelas instituições de utilidade pública de comprovada idoneidade.

Devemos relalçar e reafirmar aqui, que português é a língua que se fala e escreve em Portugal.

É no âmbito deste contexto e no alastrar do terreno da mediocridade, fertilizado com as secreções endémicas defecadas pelas mentes de intelectualóides pífios e politiqueiros reles e sem qualidades argumentando interesses mercantis ridículos e anódinos, que se pode entender o engendrar deste famigerado e assim chamado “acordo ortográfico”, sua aprovação e imposição arbitrária e à revelia por decreto governamental.

A duvidosa questão jurídica da sua oficialização e as alterações ortográficas absurdas já foram suficientemente analisadas, criticadas e divulgadas por muitas personalidades, destacando-se entre elas pela luta acérrima contra este “acordo” o intelectual, escritor, poeta e tradutor Vasco Graça Moura, falecido em Abril do passado ano, hoje censurado por omissão pela maioria dos orgãos de comunicação social do país. Os seus escritos sobre este tema, assim como os dos demais autores, podem contudo ser lidos em muitos portais da “internet”.

É culturalmente obscena a forma como hoje se escreve, e fala, em Portugal. Basta ver os muitos exemplos denunciados em vários sítios da “internet”, para se constatar que se trata dum crime cultural premeditado. Os seus autores deveriam ser previamente julgados e punidos pelos tribunais civís, pois pelo tribunal da cultura e da história já foram há muito condenados a pena de morte.

Torna-se assim cada vez mais urgente a constituição duma acção concertada, programada e militante de todos os opositores, principalmente dos escritores, poetas, tradutores, jornalistas e professores para a anulação imediata e sem quaisquer reservas deste “acordo ortográfico”, de modo a que seja possível, dentro do menor espaço de tempo, minimizar e neutralizar os enormes danos culturais causados por este atentado criminoso contra a dignidade da língua portuguesa.

Otto Solano
13.02.2015
otto.solano@gmx.de

https://aventar.eu/2016/08/26/contate-hoje-mesmo/#more-1256838

quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Elisabete Rodrigues - O burkini da avó Maria






ilustrações da responsabilidade do editor deste blog
A dona Maria foi visitar os netos a Paris. Também ela lá viveu durante 37 anos, graças aos quais juntou uma pequena fortuna, construiu casa na vila onde nasceu e vive uma reforma desafogada. O regresso a Portugal foi mais complicado do que alguma vez previu. Os filhos não vieram com ela e agora vive, com o marido, numa grande vivenda de cinco quartos. Casa a mais para tão poucas visitas, pois na verdade são mais eles que vão visitar a família a Paris do que o contrário.
Este ano alugaram um apartamento mais para o sul de França, para os meninos, dois rapazes de 4 e 7 anos, poderem aproveitar a praia que tão bem lhes faz às alergias. Nem uma hora depois de pisar a areia a dona Maria já estava a ser chamada à atenção por estar vestida dos pés à cabeça e de lenço a cobrir os cabelos. Os polícias foram educados, simpáticos até, e explicaram que depois dos atentados mais recentes o uso do burkini tinha sido proibido naquela praia e a forma como se apresentava em muito se assemelhava ao tal traje muçulmano. Raúl, o filho, indignou-se de tal maneira que toda a família acabou por abandonar a praia. As férias foram um desastre pois, como devem imaginar, ninguém equacionou enfiar a avó Maria num biquíni.
Vou falar-vos um pouco mais da avó Maria. A avó Maria não pinta o cabelo porque isso desagradaria o marido, a avó Maria não usa verniz nas unhas porque sabe que o marido não aprovaria, a avó Maria não toma decisões sobre o uso do dinheiro em casa, a avó Maria já foi traída pelo marido, mas sempre escondeu isso da família, pensa que são coisas que os homens não conseguem evitar… A avó Maria decidiu todos os dias fazer aquilo que é esperado dela, com todas as limitações que esta decisão encerra.
A avó Maria tem 68 anos, mas poderia ter 35 anos. Marias há muitas, todos nós sabemos isso! Mais do que o dress code, é o espirito de submissão ao homem que aproxima as Marias de uma muçulmana que usa burkini na praia. Talvez, quem sabe, algumas dessas mulheres de burkini tenham uma relação mais igualitária com o marido. Talvez não.
De qualquer forma, cabe ao Estado garantir a igualdade de direitos entre homens e mulheres, protegendo os mais fracos, nomeadamente a sua integridade física. Quando é que isso passou a significar pôr o Estado a despir as mulheres conservadoras?
Eu não defendo o burkini, eu abomino o burkini e tudo o que ele significa. No entanto, não sou capaz de concordar que numa democracia se use a autoridade para fazer desaparecer desta forma aquilo que nos incomoda. E há tanta coisa que me incomoda!
Socióloga
http://lifestyle.publico.pt/qualquercoisadogenero/364287_o-burkini-da-avo-maria

quarta-feira, 24 de agosto de 2016

Rainer Maria Rilke - Deus, que será de ti... (Was wirst du tun,Gott...)

(duas traduções e o original)

Deus, que será de ti...

Deus, que será de ti, quando eu morrer? 
Eu sou teu cântaro (e se me romper?) 
A tua água (e se me corromper?) 
Sou teu agasalho, sou teu afazer. 
Vai comigo o significado teu. 

Não tens mais sem mim aquela casa, Deus, 
que com quentes palavras te acolhia. 
Perdem teus pés exaustos as macias 
sandálias: também elas eram eu. 

De ti desprende-se o teu longo manto. 
O teu olhar, que a minha face, quente 
coxim acolhe, virá entrementes, 
virá procurar-me longamente 
e deitar-se depois, ao sol poente, 
entre pedras estranhas, nalgum canto. 

Deus, que será de ti? Tenho medo, tanto...


trad. José Paulo Paes

- Que farás tu, meu Deus, se eu perecer?

Que farás tu, meu Deus, se eu perecer?
Eu sou o teu vaso - e se me quebro?
Eu sou tua água - e se apodreço?
Sou tua roupa e teu trabalho
Comigo perdes tu o teu sentido.
Depois de mim não terás um lugar
Onde as palavras ardentes te saúdem.
Dos teus pés cansados cairão
As sandálias que sou.


Perderás tua ampla túnica.
Teu olhar que em minhas pálpebras,
Como num travesseiro,
Ardentemente recebo,
Virá me procurar por largo tempo
E se deitará, na hora do crepúsculo,
No duro chão de pedra.
Que farás tu, meu Deus? O medo me domina.

(Tradução: Paulo Plínio Abreu)


Was wirst du tun,Gott...

Was wirst du tun, Gott, wenn ich sterbe?
Ich bin dein Krug (wenn ich zerscherbe?)
Ich bin dein Trank (wenn ich verderbe?)
Bin dein Gewand und dein Gewerbe
mit mir verlierst du deinen Sinn.

Nach mir hast du kein Haus, darin
dich Worte, nah und warm, begrüßen.
Es fällt von deinen müden Füßen
die Samtsandale, die ich bin.

Dein großer Mantel läßt dich los.
Dein Blick, den ich mit meiner Wange
warm, wie mit einem Pfühl, empfange,
wird kommen, wird mich suchen, lange -
und legt beim Sonnenuntergange
sich fremden Steinen in den Schoß.

Was wirst du tun, Gott? Ich bin bange.



RILKE, Rainer Maria. "De O livro das horas". Poemas. Tradução e introdução de José Paulo Paes. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
trad. José Paulo Paes
PUBLICADA POR CID SIMOES À(S) 09:39 
http://voarforadaasa.blogspot.pt/2016/08/deus-que-sera-de-ti-rainer-maria-rilke.html

segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Manuel Bandeira - A Estrela da Manhã

* Manuel Bandeira


Eu quero a estrela da manhã
Onde está a estrela da manhã?
Meus amigos meus inimigos
Procurem a estrela da manhã

Ela desapareceu ia nua
Desapareceu com quem?
Procurem por toda a parte

Digam que sou um homem sem orgulho
Um homem que aceita tudo
Que me importa? Eu quero a estrela da manhã

Três dias e três noites
Fui assassino e suicida
Ladrão, pulha, falsário

Virgem mal-sexuada
Atribuladora dos aflitos
Girafa de duas cabeças
Pecai por todos pecai com todos

Pecai com os malandros
Pecai com os sargentos
Pecai com os fuzileiros navais
Pecai de todas as maneiras

Com os gregos e com os troianos
Com o padre e com o sacristão
Com o leproso de Pouso Alto

Depois comigo

Te esperarei com mafuás novenas cavalhadas
comerei terra e direi coisas de uma ternura tão simples
Que tu desfalecerás
Procurem por toda parte
Pura ou degradada até a última baixeza
eu quero a estrela da manhã