Imaginemos Moscovo sendo tomada por um cartel de empresas internacionais. Por um monstro com suas próprias fábricas, edifícios de escritórios, serviços de segurança, prisões privadas, centros de reeducação (ditos de 'formação') e obedientes meios de comunicação social. Imaginemos ue também dispõem de bases de dados sobre toda a gente que tenha real importância na capital. Imaginemos de repente que as vidas humanas não importam mais. As pessoas só interessam para produzir e consumir; tornaram-se também totalmente descartáveis. Imaginemos uma Rússia, no passado extremamente instruída, com seus lendários artistas e filósofos, ficando gradualmente reduzida a um nível inimaginavelmente primitivo. De repente, há lixo pop dos EUA voando por toda parte e o entretenimento dado às massas são inúmeros 'reality shows' na televisão, incluindo os que exibem homens e mulheres defecando e urinando em casas de banho públicas. Isso é o que acontece lendo um romance contundente, provocador e violento de Sergei Minaev, chamado R.A.B. com 521 páginas! Em todos os seus romances, incluindo Soulless, The Telki, Mídia Sapiens e R.A.B. Minaev retrata magistralmente os continuados crimes cometidos pela cultura empresarial e os seus media. Brutal e candidamente descreve uma sociedade apocalíptica, construída nos princípios do moderno sistema capitalista ao estilo ocidental, sem alma, impiedoso e assassino. Neste mundo, já nada é sagrado. As 'elites' divertem-se grandemente caçando nos arredores da cidade, não alguns animais, mas pessoas sem-abrigo que vivem em pipelines abandonados ("R.A.B."). Um canal de notícias de televisão do mainstream norte-americano, juntamente com o seu parceiro local, gerem o desencadear de um conflito militar entre a Geórgia e a Rússia, após contratarem vários helicópteros de combate e soldados reformados, matando pessoas apenas para aumentar sua audiência. Vários ataques terroristas em Moscou estão a ser pagos e encenados por outros conglomerados dos grande media. (Media Sapiens). Minaev não escreve chorando. Definitivamente está longe de ser um "coração sangrando". Ele é duro e cínico. Os seus personagens são na sua maioria cruéis super yuppies de Moscovo, empreendedores, vivendo uma vida rápida, tomando drogas, participando em festas de clubes de luxo, tendo sexo literalmente com tudo que se move (Soulless). Mas eles consomem-se, destroem-se, são levados para perto do suicídio. Não têm ideologia, nem opiniões políticas. Riem, insultam tudo e todos, mas no fundo estão realmente sofrendo de uma horrível vacuidade, do seu vazio. Nos raros momentos de honestidade, admitem uns aos outros e a eles mesmos, que na realidade ainda anseiam por pelo menos "algo puro e decente", não corrompido pelo regime fundamentalista do mercado global, seus "valores" e "cultura".
Em R.A.B., Minaev vai muito mais longe. Os yuppies (paradoxalmente, gestores de nível médio e superior) começam uma rebelião contra o sistema. Fazem greve, marcham pelas ruas e constroem barricadas. Começam por exigir justiça social. Incendeiam os seus próprios escritórios.
Fazem isso depois da sua empresa russa produtora de brinquedos (e outras empresas por toda a cidade) serem engolidas por uma transnacional norte-americana, que imediatamente começa a desmontar todos os benefícios sociais, enquanto injeta incerteza e medo no local de trabalho. Outra transnacional abre uma horrorosa fábrica de brinquedos nos arredores de Moscovo, empregando imigrantes desesperados das repúblicas da Ásia Central. Os meios de comunicação privados, primeiro confrontam os manifestantes, depois fazem o acompanhamento com propaganda a favor das empresas e no final aos serviços de segurança privados e ao exército. Muitas pessoas desaparecem. Outras são fechadas em escritórios e prisões secretas das empresas e torturadas. Aqueles que sobrevivem tornam-se "não empregáveis", sendo os seus nomes registados numa inapagável lista negra. Mas a que apela realmente Minaev? A uma verdadeira revolução? Sim e não. Ele não acredita que nos países que têm sido conquistados pelo fundamentalismo de mercado e pelo consumismo desenfreado, uma verdadeira 'revolução' seja possível. Ele não acredita que as pessoas tenham ideais ou qualquer fervor à esquerda. Porém, ao mesmo tempo, pelo menos alguns dos seus personagens claramente não estão dispostos a render-se. É arrepiante ler R.A.B. ao mesmo tempo que "rebeliões" estão a ocorrer na Grécia, França, Espanha e Reino Unido. Um dos principais personagens de R.A.B. confronta os manifestantes: Isto não é uma revolução! Todos vocês são partes do sistema. Vocês só pretendem um melhor negócio para vocês próprios. Através desta rebelião, na verdade estão a negociar com o cartel das empresas. Se obtiverem o que estão a pedir, então vão ficar felizes e continuar como se nada tivesse acontecido. Em seguida, Minaev faz exatamente o que nenhum escritor ocidental teria coragem de fazer. Ele começa a argumentar que para destruir o sistema, tem de haver uma luta armada. Caso contrário, nenhuma mudança real jamais poderia ser alcançada. A rebelião reprimida dos yuppies eventualmente desencadeia um movimento muito mais amplo, e em breve há verdadeiras batalhas em várias capitais provinciais. O fim do romance é aberto. O personagem principal de R.A.B. é destruído. Ele perde o amor da sua vida (no desespero ela comete suicídio); fica sem emprego, sem dinheiro e sem lugar para onde ir. Mas ainda está vivo. A Rússia ainda está viva. É óbvio que aconteça o que acontecer, nunca aceitará o sistema monstruoso que foi imposto pelo ocidente. Tudo pode parecer uma fantasia louca, mas na verdade o que Minaev escreve não está muito longe dos pesadelos para onde a Rússia estava a ser levada depois de Gorbachev ter permitido que o país (a URSS), se desmoronasse. Yeltsin introduziu então a privatização desenfreada e entregou concessões sem precedentes a empresas estrangeiras. Durante esse período, a Rússia passou por algo que poderia ser facilmente descrito como um genocídio social. A expectativa de vida caiu para os níveis de guerra declarada em África. Governou com base na ilegalidade. Todos os ideais foram ridicularizados e cuspidos. Um grande número de intelectuais russos foi comprado e organizado pelo Ocidente em inúmeras ONG. O nível mais baixo do pop e do entretenimento ocidental sabotou a cultura russa. Durante esses dias sombrios, o ocidente conseguiu finalmente por a Rússia de joelhos. Mas menos de duas décadas depois, uma nova Rússia está mais uma vez orgulhosa, forte e confiante. Pôs-se de pé, começou com sucesso novamente produzir e passou por uma transformação social enorme e positiva. Há apenas uma semana voltei do Extremo Oriente russo, das cidades de Vladivostok e Khabarovsk, Petropavlovsk, Kamchatski. Onde quer que fosse, testemunhei uma infraestrutura nova e impressionante. Encontrei uma nação confiante trabalhando duramente para restaurar pelo menos algumas das estruturas e benefícios socialistas que pode usufruir no passado. A Rússia nova, atual está muito mais perto de China; muito mais impressionada com o sistema chinês, do que pelo que foi forçado a adotar no passado durante a "era do pró-ocidental" que é agora considerado sinônimo de desastre nacional. Os escritores russos desempenharam um papel importante ao descrever os horrores dos anos Gorbachev/Yeltsin e o regime económico, político e "cultural" globalizado e brutal injetado pelo ocidente em todos os cantos do planeta. De um Eduard Limonov com seu enorme romance It's Me, Eddie a R.A.B. de Minaev, a literatura russa tem sido ousada, insultante, direta e brutalmente honesta. Enquanto Limonov e Minaev vendem milhões de cópias de seus livros no seu país, o seu trabalho é praticamente desconhecido no ocidente. Não encontrei traduções para inglês pesquisando na Amazon.com e em outros sítios. No seu romance nova-iorquino, Eddie, Limonov pede abertamente atos terroristas contra o regime ocidental, enquanto alguns dos personagens do Minaev também acreditam numa luta armada, apesar de tipo mais convencional. Nada é poupado. Quando a transnacional de produção de brinquedos dos EUA exige um sistema especial de descontos aplicado aos seus funcionários na Rússia, para "ajudar as crianças pobres do terceiro mundo", o personagem principal de R.A.B. pensa: "bem, eles podem agora usar esse dinheiro para comprar caixões para as crianças que põem a trabalhar e matam na Indonésia ou na Tailândia". Quando o imposto sobe um pouco mais ele comenta: "agora eles vão ter fundos suficientes para pelo menos cavar algumas valas comuns". Tudo isso é simplesmente demasiado chocante para leitores ocidentais. Ou mais precisamente, a "carteira de negócios" ocidental provavelmente "pensa" que é. O fato é que, apesar do que a propaganda ocidental constantemente repete, quem lê russo pode claramente ver e apreciar que a literatura russa é na verdade muito mais livre, ousada e rebelde que as do ocidente. Quando vários romancistas russos best-sellers estão chamando abertamente para o combate contra o regime global (o mesmo regime que, até agora, pelo menos parcialmente controla a economia do seu país), cada pessoa não pode senão ficar impressionada com o nível de liberdade no país que permite tal trabalho ser publicado e promovido. Mas no Ocidente, nunca saberemos isto, a menos que se fale russo. É porque no Ocidente (e em seus Estados "cliente" e colónias) as pessoas estão extremamente bem "protegidas" de tão desconfortáveis (e o regime diria 'perigosos') pensamentos! 20/Julho/2016 Do mesmo autor em resistir.info:
[*] Filósofo, romancista, cineasta e jornalista investigador. Fez coberturas de guerras e conflitos em dezenas de países. Os seus livros mais recentes são: Exposing Lies Of The Empire", "Fighting Against Western Imperialism", "Discussion with Noam Chomsky: On Western Terrorism , ou o seu aclamado romance politico Oceania – a book on Western imperialism in the South Pacific . Sobre a Indonésia escreveuIndonesia – The Archipelago of Fear . Presentemente realiza filmes para a Telesur e Press TV. Pode ser contatado através de seu sítio web ou do Twitter Filósofo, romancista, cineasta e jornalista de investigação. Cobriu guerras e conflitos em dezenas de países. Seus livros mais recentes são: "Exposing Lies Of The Empire" "Fighting Against Western Imperialism" Discussão com Noam Chomsky: "On Western Terrorism". "Point of No Return" é um seu aclamado romance político. " Oceania – a book on Western imperialism in the South Pacific Oceania" , um livro sobre o imperialismo ocidental no Pacífico Sul. O seu estimulante livro sobre a Indonésia:"Indonesia – The Archipelago of Fear". Andre realiza filmes para a teleSUR e Press TV. Depois de viver por muitos anos na América Latina e na Oceania, Vltchek atualmente reside e trabalha no sudeste da Ásia e Médio Oriente. Pode ser contactado através de seu site ou seu Twitter.
O original encontra-se em www.informationclearinghouse.info/article45149.htm. Tradução de DVC.
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Textos e Obras Daqui e Dali, mais ou menos conhecidos ------ Nada do que é humano me é estranho (Terêncio)
terça-feira, 2 de agosto de 2016
Andre Vltchek - A dura literatura russa anticapitalista
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