segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

"O Retorno" é o livro do ano nos prémios LER/Booktailors




25.02.2012 - 21:11 Por Isabel Coutinho


Os Prémios LER/Booktailors 2011 foram entregues neste sábado no Correntes d' Escritas. O romance "O Retorno", de Dulce Maria Cardoso, recebeu o Prémio Especial da Crítica. 


Já o prémio de editora do ano foi para a Ahab Edições e André Jorge, da Cotovia, foi destacado como o melhor editor. Rui Garrido foi considerado o melhor designer; Pedro Tamen, o melhor tradutor e Jorge Figueira de Sousa, o livreiro do ano. 


Os Prémios de Edição LER / Booktailors 2011, que pretendem valorizar o que de melhor se faz na área da edição em Portugal e revelar, segundo a avaliação de um painel alargado de jornalistas e críticos literários, o melhor livro do ano, foram apresentados esta noite no Auditório Municipal da Póvoa de Varzim, no encerramento do Correntes d'Escritas.



O encontro de escritores de expressão ibérica é um dos parceiros juntamente com a Secretaria de Estado da Cultura (Direcção-Geral do Livro e das Bibliotecas). A divertida dupla do Canal Q, Catarina Homem Marques e Pedro Vieira, apresentaram os prémios.



O Prémio Editora do Ano foi entregue às Ahab Edições e e o Prémio Editora Revelação foi para a Abysmo. O poeta Pedro Tamen foi considerado o melhor tradutor de 2011. Jorge Figueira de Sousa, da Livraria Esperança, recebeu o Prémio Livreiro e a livraria Histórias com Bicho, de Óbidos, o Prémio Livraria Independente.



Sara Figueiredo Costa, do blogue Cadeirão Voltaire, crítica da revista "Time Out" e da "LER", é a vencedora do Prémio Jornalista ou Crítico Literário e a editora da Leya Maria do Rosário Pedreira recebeu o Prémio Blogosfera e Internet de Edição, por causa do seu blogue Horas Extraordinárias.



O Prémio Campanha de Divulgação de Autor Português foi para a editora Objectiva pelo trabalho que fizeram com um dos seus autores: Valter Hugo Mãe. 



O Prémio Melhor Design de Capa- Literatura foi atribuído a "Ágape, Agonia" , da Ahab Edições (Studio Andrew Howard) e o Prémio Melhor Design de Capa de Não-ficção a "Indice das Covzas Mais Notaveis", da Babel (Inês Sena).



As obras de Philip Roth editadas pela Publicações Dom Quixote (Rui Garrido) receberam o Prémio Melhor Design de Capa - Colecção. E o Prémio Melhor Design de Obra - Infanto-juvenil foi para "O Livro dos Quintais", Planeta Tangerina, (Bernardo Carvalho).



O júri dos Prémios de Edição LER / Booktailors 2011 deu o Prémio Melhor Design de Obra - Arte e Fotografia para "Cine Qua Non", do Centro de Estudos Anglísticos da Universidade de Lisboa (Catarina Vasconcelos, Margarida Rêgo) e o Prémio Melhor Design de Obra - Gastronomia a "Flagrante Delícia", da Editora Objectiva (Miguel Coelho).



O Prémio Melhor Design de Obra - Livro Escolar foi para "+ciências 5.º Ano", Editora Sebenta (Ballon Happy, Lda.). "Terezín", Edições tinta-da-china, tem a Melhor Fotografia Original (de Daniel Blaufuks) e a Melhor Ilustração Original é a de "A Contradição Humana", na Editorial Caminho, de Afonso Cruz. Os vencedores participação no mais importante concurso mundial de design editorial: The Best Book Design from All Over the World.

domingo, 26 de fevereiro de 2012

John Dunning - A promessa do livreiro [e Richard F. Burton]


A PROMESSA DO LIVREIRO
John Dunning



john dunning

Nasceu em Nova York, em 1942, e vive em Denver, Colorado, onde dá aulas de jornalismo na universidade local e mantém uma livraria virtual . Entre seus livros protagonizados pelo livreiro e detetive Cliff Janeway, estão Impressõs e provas, A promessa do livreiro e Edições perigosas.

O ex-policial Cliff Janeway está de volta às livrarias, mais de uma década depois de sua estréia em Edições perigosas, romance ganhador do prêmio Nero Wolfe de literatura policial, e de Impressões e provas. Em A promessa do livreiro, Janeway recebe a visita de uma velha senhora que lhe pede algo impossível: recuperar uma coleção de obras raras do famoso explorador inglês Richard Burton, que havia pertencido ao avô dela e que fora roubada oitenta anos antes.
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Para provar que está dizendo a verdade, ela entrega a Janeway uma primeira edição de Burton autografada. Dias depois, uma mulher é assassinada por causa do livro. Furioso, Janeway decide ir fundo na investigação e deixa a cidade de Denver para caçar dois livreiros vigaristas em Baltimore. Outras três pessoas parecem estar ligadas ao crime: um brutamontes sem sobrenome e um ganhador do prêmio Pulitzer, além de uma bela advogada que inspira Cliff Janeway a pentear o cabelo.´
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Durante a investigação, ele se depara com respostas de um enigma ainda maior: por que Richard Burton esteve durante três meses no interior dos Estados Unidos, pouco antes da Guerra Civil? Seria ele um espião? Em A promessa do livreiro, John Dunning lida com mistérios do passado e do presente, da verdade e da ficção, manipulando, com a habilidade de costume, dezenas de personagens e intrigas.
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O homem disse: "Bem-vindo ao nosso programa, sr. Janeway", e foi assim que tudo começou. 
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Estávamos sentados num estúdio em Boston diante de toda a audiência invisível da Rádio Pública Nacional. O bom senso me dizia que eu não deveria estar lá, e minhas primeiras palavras ao microfone, "Só não me chame de especialista em nada", estipulavam as circunstâncias sob as quais eu me tornara um convidado muito pouco promissor. Dizer aquilo ao microfone tivera um efeito tranqüilizador para mim, mas o riso bem-educado do homem mais uma vez me deixou desprotegido em ambos os flancos. A risada sugeria que não só eu era um especialista como também era modesto. Suas primeiras observações aprofundaram meu desconforto.

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"Esta noite vamos nos afastar um pouco de nossa conversa habitual sobre os lançamentos de livros. Como muitos de vocês sabem, nosso convidado de hoje seria Allen Gleason, autor do surpreendente best-seller Roses for Adessa. Infelizmente, o sr. Gleason sofreu um ataque cardíaco na semana passada em Nova York, e eu sei que todos vocês se unem a mim nos votos de rápida recuperação.

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"Diante dessa ausência, temos a sorte de receber o sr. Cliff Janeway, que veio a Boston esta semana para comprar um livro muito especial. E devo acrescentar que, apesar de ter sido agendado um tanto de improviso, este é um programa que eu queria fazer há muito tempo. Tão fascinante quanto o mundo dos livros novos, o mundo de obras mais antigas, de valiosas primeiras edições e de tesouros que se esgotaram recentemente encanta cada vez mais muitos de nossos ouvintes. Sr. Janeway, gostaria de saber se o senhor pode responder a uma pergunta básica antes de mergulharmos mais fundo nesse mundo. O que torna um livro valioso?"
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Foi assim que começou: com uma pergunta simples e inocente e algumas respostas rápidas. Conversamos um pouco sobre as coisas de que eu mais gostava, e o homem era tão bom que logo parecíamos dois velhos exploradores de livros sentados no chão, trocando impressões após uma caçada. Falei de oferta e procura, de clássicos e gêneros, e de primeiras edições modernas: os motivos pelos quais algumas primeiras edições de Edgar Rice Burroughs valiam mais do que a maioria dos Mark Twain, e de como a caçada aos livros pode atingir certo grau de loucura. Contei-lhe sobre o mundo no qual eu vivia, e era fácil evitar o mundo de onde tinha vindo. Aquele era um programa sobre livros, não uma identificação policial, e eu era um livreiro que trabalhava com livros antigos, e não um policial. 
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"Pelo que sei, o senhor mora em Denver, Colorado."
"Quando estou fugindo da polícia, é lá que me escondo."
Mais uma vez o riso bem-educado. "O senhor disse que não é especialista, mas apareceu esta semana em um artigo sobre livros no Boston Globe."
"Bem, aquele jornalista não tinha nada melhor para fazer. Ele é louco por livros, e o jornal estava num dia meio devagar de notícias." 
"Vocês se encontraram em um leilão, não é? Conte-nos como foi."
"Eu vim aqui para comprar um livro. Começamos a conversar e quando dei por mim estava sendo entrevistado." 
"Que livro o senhor veio comprar?"
" Pilgrimage to Medina and Mecca, de Richard Burton."
"O explorador, não o ator."
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Rimos de nossa esperteza, e ele disse: "O que há em relação a esse livro que o fez vir de Denver para comprá-lo? E pagando... Quanto foi? Se não se importa que eu pergunte...".
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Os preços nos leilões eram de conhecimento público, portanto não havia motivo para constrangimento. "Vinte e nove mil e quinhentos", respondi, desistindo de qualquer modéstia que tivesse aparentado. Apenas um especialista paga tanto dinheiro por um livro. Ou um trouxa.
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Eu poderia ter dito que provavelmente havia uma dúzia de livreiros nos Estados Unidos cujo conhecimento sobre Burton era muito maior do que o meu. Poderia ter confessado que estudei Burton intensamente durante dois meses, mas dois meses no ramo de livros ou em qualquer pesquisa acadêmica não quer dizer absolutamente nada. Eu devia ter explicado que comprara o livro com dinheiro índio, mas então teria que explicar o conceito, e o resto do tempo do programa seria usado para falar de mim. 
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Em vez disso, falei sobre Burton, mestre lingüista, soldado, figura eminente de aventuras e cartas do século XIX. Fiquei de olho no relógio enquanto falava e apresentei-lhe a versão mais resumida possível da incrível vida de Burton. Não podia sequer tocar nos pontos mais importantes, com o tempo que nos restava. 
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"O senhor trouxe o livro esta noite."
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Deixamos que os ouvintes usassem a imaginação enquanto eu desembrulhava ruidosamente os três volumes na frente do microfone. Meu anfitrião saiu de seu lado da mesa e deu a volta para olhar, enquanto eu fornecia aos ouvintes uma rápida descrição dos livros, destacando a encadernação original em tecido azul com letras douradas brilhantes e o perfeito estado de conservação.
O homem disse: "Parecem quase novos".
"É mesmo", eu disse, enternecido.
"Além da excelente aparência, existe algo de especial neles, não é?" 
Abri o primeiro volume e ele suspirou. "Aaah, está assinado pelo autor. O senhor poderia ler para nós?"
"'Para Charles Warren, um grande companheiro e o melhor dos amigos. Nossos mundos estão muito distantes e talvez nunca mais nos vejamos novamente, mas tenho em alta estima o tempo em que estivemos juntos. Richard F. Burton.' Está datado de 15 de janeiro de 1861." 
"Alguma idéia de quem foi esse tal de Warren?" 
"Nenhuma. Ele não é mencionado nas biografias de Burton."
"No entanto, o senhor há de concordar que é uma dedicatória que revela bastante intimidade."
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Eu concordei, mas não era especialista. O homem disse: "Então, além de um livro muito valioso, 

também temos aqui um mistério", e foi quando tudo começou. As origens remontam a uma outra época, em que Richard Burton encontrou seu maior admirador e então partiu em uma jornada secreta ao interior do agitado Sul dos Estados Unidos. Por causa dessa viagem, um de meus amigos morreu. Uma senhora idosa encontrou a paz, um bom homem perdeu tudo, e eu redescobri a mim mesmo em minha contínua jornada pelo atemporal e infinito mundo dos livros. 




LIVRO I

DENVER



1



Se quisesse ser arbitrário, eu poderia dizer que começou em qualquer lugar. Aquele programa de rádio tirou tu-do do passado nebuloso e trouxe para o presente, mas a história de Burton esteve lá o tempo todo, esperando que eu a encontrasse. 

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Eu a encontrei em 1987, no final do meu trigésimo sétimo ano de vida. Acabara de chegar de Seattle com uma enorme quantia em dinheiro do caso Grayson. Minha comissão de dez por cento chegara a quase cinqüenta mil dólares, o equivalente ao lucro de toda uma carreira para a maioria dos livreiros - e, até agora, com certeza para mim. Tudo o que sabia naquele momento é que ia comprar um livro com aquele dinheiro. Não seria meio milhão de livros repletos de enormes cavidades cheias de bolor. Nem um milhão de livros ruins ou mil livros bons, nem mesmo cem livros excelentes. Apenas um livro. Um livro fenomenal, fantástico, matador: só para descobrir qual era a sensação de possuir um objeto desses. 

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Foi isso que pensei, mas havia mais. Eu queria mudar a direção da minha vida de livreiro. Estava farto de críticos e mercenários alardeando a genialidade de cada novo autor maravilhoso que tinha um único livro escrito. Eu estava pronto para menos badalação e mais tradição, e tão logo entrei no modo "busca e encontrarás", encontrei Richard Burton.
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Eu tinha ido a um jantar na zona leste de Denver, uma casa em Park Hill onde morava o juiz Leighton Huxley. Lee e eu nos conhecíamos havia anos, cautelosamente no começo, depois em um nível mais caloroso de interesse mútuo até nos tornarmos amigos. A primeira vez que apareci em uma sessão presidida por ele foi em 1978, quando eu era um policial muito jovem testemunhando em um caso de assassinato absolutamente comum, e ele era relativamente novo nos tribunais de Denver. Aquele abismo de distância profissional entre nós era natural na época: Lee estava muito longe de meu pequeno círculo de colegas da polícia, e eu nunca teria me imaginado fazendo amizade com sua turma de ases do direito. A idade era um dos motivos, embora não tão importante. Eu estava perto dos trinta; Lee estava com quarenta e poucos, já grisalho nas têmporas e começando a parecer o distinto cidadão do mundo que eu nunca seria. Ele era, indiscutivelmente, um excelente juiz. Era muito justo e bastante seguro de suas decisões, que nunca foram reformadas. 
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Eu o vi apenas duas vezes nos primeiros anos depois de comparecer à sessão que ele presidia: uma vez na cantina do tribunal, quando nos cumprimentamos com um movimento de cabeça, indicando que lembrávamos um do outro, e um ano mais tarde, quando fui convidado para uma festa de Natal na casa de campo de um amigo comum. Naquela noite nós conversamos pela primeira vez fora das dependências do tribunal. "Fiquei sabendo que você é colecionador de livros", ele disse com aquela profunda voz de barítono. Confessei que sim e ele continuou: "Eu também: qualquer dia desses precisamos conversar sobre isso". Mas nada aconteceu a partir daí pelas mesmas razões óbvias: eu ainda era um policial, sempre havia a possibilidade de eu me sentar no banco de testemunhas de uma das sessões dele, e ele preferia evitar potenciais conflitos de interesse antes que surgissem. Eu não dava muita importância àquilo: imaginei que falara comigo só para passar o tempo, que estava apenas sendo educado. Isso era certo em relação a Lee Huxley: tinha fama de ser muito educado, dentro e fora do tribunal.
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Um ano depois ele foi nomeado para o Tribunal da Comarca, e foi nessa ocasião que, afastada da possibilidade de conflito profissional, nossa amizade teve seu início cauteloso e incerto. Um dia, recebi inesperadamente um telefonema de Miranda, a mulher dele, convidando-me, nas palavras dela, para "um jantarzinho informal com algumas pessoas que adoram livros". Na verdade, havia uma dúzia de pessoas lá naquela primeira noite, e eu me sentei ao lado de Hope, a irmã mais jovem de Miranda, que viera de algum lugar na Costa Leste para visitá-la. A casa, uma construção do fim do século XIX, de três andares e tijolos vermelhos, ficava perto da avenida 17 Leste, com lustres e madeira de lei envernizada por toda parte. Quando cheguei, todas as luzes estavam acesas, o som das risadas chegava até a rua e Miranda, com um vestido azul, era uma visão loira deslumbrante na porta de entrada. Ela não parecia ter mais de trinta, mas era elegante e interessante, não um mero rostinho bonito ao lado de Lee. Os amigos do juiz também eram muito corteses e refinados, e eu contive meus instintos naturais de rejeitar esnobismo e gostei de todos eles. Eram ricos colecionadores de livros, e eu ainda vivia do salário de policial, mas não houve um único sinal de condescendência da parte de qualquer um deles. Se vissem um livro de cinco mil dólares que queriam, eles simplesmente compravam o desgraçado e pagavam o preço, e o tipo de caçada a pechinchas que eu fazia era fascinante para eles, algo que nunca teriam imaginado até que lhes contei os detalhes.
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Miranda foi uma anfitriã excepcional. No dia seguinte, enquanto eu redigia um bilhete de agradecimento, recebi um telefonema dela agradecendo a minha presença. "Você realmente animou as coisas por aqui, Cliff", disse ela. "Espero que nos encontremos mais vezes." 
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E foi o que aconteceu. Na primeira noite não bisbilhotei muito, mas a biblioteca do juiz acabou sendo tudo o que eu esperava que fosse. Era uma sala ampla com prateleiras nas quatro paredes, cheias de livros maravilhosos, todas as grandes edições americanas em magníficas sobrecapas. Em um momento, Lee disse: "Tenho algumas outras coisas mais antigas lá embaixo", mas passaram-se anos antes que eu as visse.




Desde o princípio houve algumas diferenças em relação aos jantares anteriores. Um dos motivos é que eu não era mais policial, e a maneira como saí do Departamento de Polícia de Denver poderia ter esfriado meu relacionamento com qualquer juiz. Eu havia arrebentado um bandido desumano, e a imprensa trouxe à tona meu passado distante, uma infância cheia de brigas de rua violentas e ligações com pessoas como Vince Marranzino, que mais tarde viria a se tornar um dos mafiosos mais temidos de Denver. Não importava que Vince e eu tivéssemos nos encontrado apenas uma vez em vinte anos; não importava que, apesar de ter passado por tudo o que passei, eu houvesse me tornado, se é que posso dizer isso, um excelente policial da Homicídios - se você teve algum tipo de problema no passado, ele sempre pode aparecer de novo para importuná-lo. Na ocasião, havia rumores de que Lee estava em uma lista reduzida de possíveis indicados para a Suprema Corte, e, embora fosse difícil imaginá-lo cooperando com Ronald Reagan, eu não tinha uma noção exata de sua postura política. Tudo o que sabia era: se ele tivesse uma chance, por menor que fosse, de sentar-se ao lado dos grandões, a última coisa que eu queria era atrapalhar. Eu estivera nas primeiras páginas durante quase uma semana, sempre associado a más notícias, mas se Lee estava preocupado com a própria imagem e as amizades que cultivava, nunca vi nenhuma demonstração disso. Ele me telefonou e quis saber minha versão do que havia acontecido, eu lhe contei a verdade e ele a aceitou. "Não foi a melhor decisão que você já tomou, Cliff, mas isso também vai passar", disse ele. "Tenho certeza de que agora você está ocupado mantendo os lobos afastados. Assim que as coisas se acalmarem, vamos nos encontrar."

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Mas então fui para Seattle, e passaram-se muitos meses até que os visse novamente. Voltei para casa com muito dinheiro, meu dinheiro índio; cacei livros pelo Meio-Oeste com alguns amigos de Seattle, e, quando voltei a Denver, um dos primeiros telefonemas que recebi foi de Miranda. 

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"Sr. Janeway." O tom de voz frio parecia ser fingimento, mas não muito. "O senhor está nos evitando por algum motivo? Será que o ofendemos de alguma maneira?" 
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Fiquei envergonhado no mesmo instante. "De maneira alguma", disse eu, respondendo à segunda pergunta e evitando a primeira. "Puxa, você não vai acreditar." 
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"Então faça o favor de tirar o traseiro da cadeira e vir até aqui", disse ela. "Sexta à noite, sete horas, sem gravata, por favor, e sem desculpas. Venha preparado para animar o que promete ser uma ocasião bastante monótona." 
"Você não saberia organizar uma reunião monótona." 
"Veremos. Essa vai ser um desafio até mesmo para uma mulher com os meus lendários talentos sociais. Um dos colegas de infância de Lee está vindo para cá. Não conte para ninguém, mas ele não é exatamente alguém que eu admire. Então, você vai vir me ajudar a agüentar?"
"Sim, senhora, será uma honra."
"Faz tanto tempo que não nos vemos que até já me esqueci de seu rosto. Já casou?"
Respondi com uma risada.
"Tem namorada firme?"
"Não no momento."
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Eu sabia o porquê daquela pergunta. Miranda adorava informalidade, mas à mesa do jantar ela gostava do número certo de pessoas. "Pois eu tenho a mulher perfeita para você na sexta", disse ela.
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Fiz uma pausa e então disse: "Obrigado pelo convite".
"Não, Cliff, nós é que agradecemos. Sei por que você sumiu e quero que saiba que apreciamos a sua preocupação, mas ela não é necessária nem nunca foi. Passamos na sua livraria algumas vezes, mas nunca o encontramos lá." 
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É claro que eu sabia disso: havia visto os cheques deles na gaveta. "Eu estou sempre atrás de livros", eu disse.
"Parece que sim. Mas Lee e eu seríamos pessoas bem levianas se nos afastássemos de nossos amigos ao primeiro sinal de problemas, não é?" 
"O problema foi bem grande." 
"É, foi mesmo, mas ele fez com que você deixasse de ser policial e entrasse no ramo de livros. Então não foi de todo mau, não é mesmo?"
[...]



SEXTA-FEIRA, NOVEMBRO 03, 2006


A Promessa do Livreiro




"Um sábio uma vez me disse que alguns de nós não foram feitos para serem escritores"

"Mesmo um sábio não pode saber de tudo" 

(da pág. 432, do livro aí de cima)

Frases instigantes que refletem bem os espíritos do detetive Cliff Janeway e de seu criador, o autor-livreiro, John Dunning. 

O primeiro porque sempre tem uma resposta para tudo. 
O segundo porque leva sua vida sem parecer se importar com os aparentes obstáculos que ela lhe impõe. Simplesmente os ignora e segue adiante.

A promessa do livreiro - terceiro livro com a presença de Janeway - tem um pouco disso. Livro excepcional, daqueles que você não quer terminar de ler. E quando termina, ele continua presente.

Cliff Janeway decide largar sua vida de detetive e monta uma livraria, com especialização em livros raros (John Dunning, o autor, tem uma livraria nos mesmos moldes, a Old Algonquin Books). 

A paixão pelos livros leva Janeway até Richard Burton, lendária figura, considerado um dos maiores aventureiros de todos os tempos. Dominava 29 línguas, conhecia dialetos, era um grande explorador, estudioso de antropologia, botânico, autor de 30 livros, espadachim, homem de grande força física e mental e, em seus últimos anos, tradutor dos 16 volumes das Mil e Uma noites, do Kama Sutra e de outros clássicos orientais proibidos. E tudo isso no final do século XIX.

A coisa começa a se complicar quando uma senhora chega em sua livraria com um exemplar autografado por Burton e com uma dedicatória no mínimo curiosa. E toma dimensões desproporcionais quando o livreiro promete recuperar os demais livros da coleção. Está montada a trama.

No centro dela, os livros. Estes objetos malucos que têm o poder de mudar um homem, uma vida, a história. Janeway começa a recuperar os acontecimentos de um século, meio século e alguns dias atrás para cumprir sua promessa.

Promessa é Dívida. E esta, às vezes, leva um bom tempo pra ser definitivamente liquidada.

Abraços criminais,

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Lanterna Mágica, uma autobiografia de Ingmar Bergman



The Magic Lantern

Book, 1987


Stockholm: Norstedts Förlag, 1987


Bergman's first autobiography. The book has a non-chronological structure, with altering chapters on childhood, theatre work, the tax affair in 1976, marriage crises, teenage summers in Nazi Germany, encounters with artists like Laurence Olivier, Greta Garbo, and Herbert von Karajan. Despite the title, the book contains quite little information on Bergman's filmmaking.



Diário de Notícias

ARTES

'Lanterna Mágica' os laços de família de Ingmar Bergman

por
pedro mexia13 Janeiro 2005

Na sua autobiografia Lanterna Mágica (1988, ed. port. Caravela, trad. Alexandre Pastor), Ingmar Bergman não surge afastado e obscuro, mas apostado numa evocação directa, frontal, acessível, mesmo um pouco crua nos detalhes e na linguagem. Depois do resumo feito em Fanny e Alexandre (1984), Bergman acrescenta uma adenda escrita sobre o seu mundo pessoal, certamente marcado pelo remorso e «desprovido de qualquer alegria» mas estranhamente próximo e humano, feito de «amor, patetice, traição, ira, comicidade, tédio».
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Escrito em saltos cronológicos sucessivos, Lanterna Mágica acumula anotações, recordações de infância, sonhos, episódios aparentemente soltos. No começo está essa «lanterna mágica» que Ingmar, em criança, trocou com o irmão ao preço de uns tantos soldadinhos. É a imagem de uma vida dedicada à imagem, bem como de uma constante transfiguração de motivos pessoais, mágicos mas dolorosos. Desse modo, encontramos ao longo destas páginas o retrato complexo do pai, severo pastor protestante, e o retrato magoado da mãe, feito a partir de fotografias. A iniciação sexual de Bergman. Os seus problemas de saúde. Os casamentos e infidelidades. O teatro, da paixão por Strindberg à burocracia estatal. O incessante combate com Deus. As simpatias da família pelo nacional-socialismo. A perseguição fiscal movida pela Suécia ao cineasta de sucesso O assassinato de Olof Palme. O mestre Sjostrom. O encontro com Chaplin e Garbo. O elogio a Tarkovsky. A musa Liv Ullmann.
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Bergman não se detém sobre os seus filmes em termos de «temas» e «significados». Porém, nas detalhadas referências pessoais encontramos quase todos os «temas» e «significados» que serão depois continuamente retomados, filme após filme. Em dois momentos Lanterna Mágica assume mesmo uma feição cinematográfica, de ficção de câmara opressiva mas surdamente poética. Numa cena real (com o pai) e noutra imaginária (com a mãe), Bergman enfrenta o psicodrama familiar que define tantos dos seus filmes. De forma sempre brutal, com «máscaras em vez de rostos, histeria em vez de sentimentos, vergonha e culpa em vez de ternura e perdão».

CineSom.

Música e Cinema, não necessariamente nessa ordem.


Lanterna Mágica, biografia de Ingmar Bergman.

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Terminei essa semana a leitura de “Lanterna Mágica”, autobiografia do diretor Ingmar Bergman. E como se já não bastassem os comentários apaixonados que teci no twitter durante as duas últimas semanas que estive em companhia do livro, vou, aqui, dar-lhes minhas impressões finais.
Após assistir três filmes do diretor – O Sétimo Selo, Morangos Silvestres e Juventude – tive a impressão da qual muitos falam: para se ter a plenitude na interpretação de seus filmes, deve-se compreender a vida de Bergman.
Lançada por uma acanhada editora no Brasil – a Editora Nórdica – a edição do livro que não contêm mais que 300 páginas é, mesmo com todos os erros, louvável. Louvável porque o idioma original é sueco, portanto, por dificuldades lingüísticas, a distância entre o leitor e o autor seria grande – pelo menor desleixo do tradutor. Salvo alguns erros de datilografia e notas de tradutor inconvenientes, a Editora Nórdica cumpre bem seu papel.
Robban_Andersson_XP_Scanpix_HR_100_70_ingmar_bergmPois bem. Escrito em 1989, já isolado na Ilha de Färo, o diretor relembra-sa de particularidades da juventude e de sua experiência como cineasta. No início da leitura já podemos observar um assunto que tanto perdura na filmografia do diretor: a morte. Relatando sua infância, Bergman é carinhoso ao lembrar de sua ama-de-leite que desapareceu – divulgando-nos depois, que a mesma suicidou-se após descobrir estar grávida. A morte do irmão é, com pesar, relatada – mesmo que numa breve passagem. Mas o falecimento que causa mais remorso no autor é o de sua mãe. Dedicando o último capítulo à mesma, é com melancolia que se lembra de sua submissão perante o marido agressivo. O que pode ser visto no longa-metragem intitulado “Karin’s Face”, por meio de fotografias pessoais de sua mãe.
joi de vivre que, depois do casamento, deram lugar a passividade e melancolia.
E é também pelo pai, que Bergman retrata suas particularidades no livro. Os castigos e humilhações por este empregado, foram constantes e resultaram no que ele chama de “personalidade bergmaniana”. A frieza e falta de empatia para com seus parentais. O que causa remorso no filho pedante e, posteriormente, no pai ausente.
E em meio às relações amorosas turbulentas, uma paixão sucintamente detalhada pelo autor é o teatro. Suas passagens à vários teatros como diretor, seu perfeccionismo, atores preferidos… E Strindberg, romancista tão venerado pelo autor – e tão encenado em suas peças. E a tal “Lanterna Mágica”, também. Uma espécie de projetor que o garoto Bergman troca com o irmão por soldados de chumbo e que lhe proporcionam pequenas experiências cinematográficas importantes.
O caminho percorrido até se tornar diretor de cinema, a desilusão com a Hollywood americana, o processo do Estado da Suécia contra o diretor, o isolamento na ilha de Färo. Tudo dito sem pudores.
É indiscutível que vários diretores empregam vivências pessoais na concepção de seus filmes, mas Bergman foi o que mais fez uso de tal façanha. Os elementos oníricos que tanto vemos presentes em suas obras foram criados em base de experiências do diretor – como a cena inicial de “Morangos Silvestres”.
Por fim: a sinceridade com a qual o autor se abre no relato de sua vida faz com que “Lanterna Mágica” não seja apenas um livro para os interessados na carreira cinematográfica. São relatos humanizados – os mesmos que fazem de “Em Busca do Tempo Perdido”, de Marcel Proust, uma obra venerada.
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Ingmar Bergman (1918- ) - O cinema transcendental 


A obra de Ingmar Bergman compõe um dos mais ricos e essenciais capítulos da história do cinema.  Como poucos, o diretor se apropriou da linguagem para realizar um conjunto significativo que transcende a própria experiência cinematográfica.  Abordando temas intrínsecos à existência humana  – como desejo, morte e religiosidade –, o cineasta rompeu as fronteiras do cinema sueco e atingiu a universalidade.  

A relação de Bergman com o cinema antecede seu trabalho como profissional. Antes de estrear na tela, já havia descoberto o cinema como forma de expressão e até de sobrevivência. Aos 9 anos, no natal de 1927, não resistiu à tentação de ver o irmão presenteado com um projetor e sugeriu uma barganha definitiva para o futuro de sua vida:  trocou um exército de chumbo pelo cinematógrafo.  

Filho de pastor luterano, amargou uma criação autoritária, baseada em conceitos relacionados ao pecado, confissão, castigo, perdão e indulgência.  Em sua autobiografia, Lanterna mágica, Bergman faz relatos impressionantes. Sempre que contava uma mentira recebia castigos constrangedores, como desfilar vestido de menina ou ser trancafiado num armário.  É nesse período que vivencia sentimentos como vergonha ou humilhação, tão explorados em seus filmes.  

A iniciação profissional do diretor se deu através de um dos patriarcas do cinema sueco, Victor Sjostrom, homenageado em Morangos Silvestres, em que Sjostrom interpreta o protagonista que perde a noção da memória face à iminência da morte.  

Do mestre, diretor do clássico O Vento, com Lilian Gish, Bergman herdou a compreensão da natureza como elemento de sustentação drmática.  É o que ocorre, por exemplo, em Monika e o Desejo, onde o verão inunda a trama de sensualidade.Foi esse filme, por sinal, que despertou o interesse de Woody Allen pelo diretor sueco.  

Embora Bergman seja quase sempre lembrado por suas obsessões mais frequentes, como o passar do tempo, a morte e a impossibilidade de comunicação, presentes em filmes como Luz de inverno, O Sétimo SeloO Silêncio, Persona e tantos outros, o conhecimento mais aprofundado de sua obra revela um autor de talentos múltiplos. O Olho do diabo, Sorrisos de uma noite de Amor e Para não falar de todas essas mulheres são filmes de um bom-humor surpreendente, sobretudo quando se sabe que são filmes do mesmo autor de Vergonha, Face a face e Da Vida das Marionetes.  



Com larga experiência teatral (foi diretor do Teato Municipal de Goteborg , do Teatro de Malmoe e até hoje continua encenando), Bergman trabalhou em seus filmes com uma equipe que praticamente não se alterou. Harriet Andersson, Erland Josephson, Max Von Sydow, Ingrid Thulin, Liv Ullman e o insuperável Gunnar Bjornstrand são apenas alguns dos nomes imortalizados pelo seu cinema.  


Sem eles, não existiria essa obra feita a base de rostos, gritos, silêncios e sussurros. Apesar da fama mundial, Bergman não usufrui do mesmo prestígio na terra natal, a Suécia. Acusado de burlar o fisco, em meados da década de 70, caiu em desgraça.  Desde então, vive recluso na ilha de Faro, de onde só sai para encenar suas peças teatrais ou realizar especiais para a tevê. Fanny e Alexander, Oscar de 1985, foi seu último trabalho para o cinema. 

Ricardo Cota, 33, é crítico de cinema do Jornal do Brasil há oito anos, com passagens pelas revistas Cinemin, Set, Tabu, Cinema e IstoÉ, além do jornal O Dia. Foi autor dos cursos Bergman/Woody Allen: Dois Cineastas Face a Face; Huston/Coppola: Os jogadores;e O Cinema Cantado, Breve História dos Musicais.