sábado, 30 de setembro de 2017

Paul Éluard - em Espanha

* Paul Éluard


Se em Espanha há uma árvore cor de sangue
É a árvores da liberdade
Se em Espanha há uma boca faladora
Fala de liberdade
Se em Espanha há um copo de bom vinho
É o povo quem o há-de beber.


Paul Éluard - poemas políticos

quinta-feira, 28 de setembro de 2017

David Mourão-Ferreira - Noite apressada

* David Mourão-Ferreira


Era uma noite apressada
depois de um dia tão lento.
Era uma rosa encarnada
aberta nesse momento.
Era uma boca fechada
sob a mordaça de um lenço.
Era afinal quase nada,
e tudo parecia imenso!

Imensa, a casa perdida
no meio do vendaval;
imensa, a linha da vida
no seu desenho mortal;
imensa, na despedida,
a certeza do final.

Era uma haste inclinada
sob o capricho do vento.
Era a minh'alma, dobrada,
dentro do teu pensamento.
Era uma igreja assaltada,
mas que cheirava a incenso.
Era afinal quase nada,
e tudo parecia imenso!

Imensa, a luz proibida
no centro da catedral;
imensa, a voz diluída
além do bem e do mal;
imensa, por toda a vida,
uma descrença total!



domingo, 24 de setembro de 2017

Os partidos portugueses: O Bloco de Esquerda (1)

segunda-feira, julho 13, 2009

Se eu fosse empresário e os meus produtos tivessem beneficiado da publicidade mais subliminar ou descarada de que beneficiou o Bloco o Bloco de Esquerda estaria a gora a disputar as posições de Belmiro de Azevedo e de Américo Amorim na lista de fortunas da Forbes. O BE não só beneficiou da adesão de muitos jovens jornalistas que o elegeram como alternativa aos partidos tradicionais, como foi levado ao colo pelo PSD do tempo de Durão Barroso, quando o agora presidente da Comissão preferia dar todo o protagonismo da oposição a Louçã, ignorando o PCP pelo seu peso sindical e o PS por ser a alternativa de governo.

Quase todos os dias a comunicação social apresenta as homilias de Louçã como o contraponto às posições de todos os outros partidos, o PS aparece a comentar o PSD, o PSD a comentar o PS, o PCP a comentar as políticas governamentais e o Louça a comentar tudo e todos, incluindo as divergências internas do PS. Louçã é apresentado como um Diácono Remédios da política portuguesa, mas numa versão positiva. Só isso explica que um partido cujo programa são frases soltas de ocasião e sem qualquer organização, dirigido por três personalidades devidamente rodeadas de umas raparigas jeitosas tenha ultrapassado nas urnas um PCP que tem mais poder de organização num único centro de trabalho do que em todo o Bloco de Esquerda.

Como é que um partido que não é capaz de organizar um piquenique no Parque Eduardo VII vence nas urnas um PCP capaz de mobilizar 80 mil pessoas numa manifestação e de organizar o maior evento político do país?

A receita é simples, os líderes da extrema-esquerda trocaram os seus programas por uma nova marca branca da política. O vermelho é a cor do símbolo mas só aparece nos documentos oficiais, o símbolo é um produto de marketing, da bandeira comunista ficou a estrela, símbolo do internacionalismo proletário, mas mesmo essa foi estilizada, deixou de ser uma estrela. As bandeiras vermelhas deram lugar a todas as cores, uma manifestação do Bloco de esquerda parece-se mais com um anúncio publicitário da Vodafone do que com uma manifestação de extrema-esquerda, o vermelho deu lugar ao multicolor, há cores para todos os gostos.

Os líderes da extrema-esquerda deixaram de ter voz grossa, de usar bigode e vestir roupas que se identificam com o proletariado. Em vez de roupas de gente pobre ou a imitar gente pobre usam-se camisas de marca que davam para alimentar uma família operária durante meio mês, em vez das meias maratonas proletárias Louçã prefere o perfume da classe média do Holmes Place da Av. dos Defensores de Chaves. O Trotsky que chefiou o Exército vermelho e que mais tarde foi morto por uma machadada encomendada por Estaline deixou de fazer companhia a Louçã, Estaline deixou de ser exibido como modelo das virtudes marxistas-leninistas para Fazenda e outros herdeiros da UDP e do PCP(R).
O passado é demasiado incómodo, tem demasiados esqueletos, para que o BE tenha referências no passado, ao contrário do que sucede com o PCP que carrega permanentemente um armário às costas. Também não tem futuro porque não convém dizer aos putos da classe média qual o modelo de sociedade defendido pelos velhos trotskistas, estalinistas e afins. O BE apresenta-se sem referência, sem programa, sem modelo de sociedade, em vez de um projecto político prefere apresentar-se como a esquerda moderna, em vez de exibir as suas glórias do passado, como a Albânia de Enver Hodja ou o Cambodja dos Khmers Vermelhos, prefere temas fracturantes como o casamento gay ou a proibição de despedimentos em empresas com lucros.

O Bloco de Esquerda não diz o que os seus dirigentes pensam, em cada momento diz o que os seus alvos eleitorais querem ouvir, as suas posições políticas são seleccionadas como se de um produto alimentar se tratasse, são colocadas no mercado depois de devidamente degustadas por um painel de consumidores representativos. E ao mesmo tempo que o BE vai conquistando a simpatia de jornalistas desejosos de protagonismo e de jovens da classe média sem qualquer memória histórica o Francisco Louçã vai assumindo o seu papel de Virgem Maria da política portuguesa, papel que desempenha tão bem que até um orgulhoso Manuel Alegre aceitou o papel de crente mariano na esperança de chegar a Belém.

PS: na terça-feira o post será dedicado ao PS, na quarta-feira ao PCP, na quinta-feira ao PSD e na sexta-feira ao “PRD”.

http://jumento.blogspot.pt/2009/07/os-partidos-portugueses-o-bloco-de.html

quinta-feira, 21 de setembro de 2017

José Anastácio da Cunha - Pinheiro Manso

* José Anastácio da Cunha

Copado, alto, gentil Pinheiro Manso;
Debaixo cujos ramos debruçados
Do sol ou lua nunca penetrados,
Já gozei, já gozei mais que descanso...

Quando para onde estás os olhos lanço,
Tantos gostos ao pé de ti passados
Vejo na fantasia retratados,
Tão vivos, que jàmais de ver-te canso!

Ah! deixa o outono vir; de um jasmineiro
te hei-de cobrir, terás cópia crescida
De flores, serás honra dêste outeiro.

E para te dar glória mais subida,
No meu tronco feliz, alto Pinheiro,
O teu nome escreverei de Margarida.  

Bagão Felix - “Óscares” para os cartazes eleitorais

Valha-nos o bom-humor, para além da piscadela de olho ao CDS/PSD sem esquecer o Bloco (Victor Nogueira)

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21 de Setembro de 2017, 08:21

Por


“Óscares” para os cartazes eleitorais

E
stamos a uma semana das eleições locais. Confesso a minha pouca paciência para ler ou ouvir o que dizem os candidatos. Mais do mesmo, com qualidade em preocupante decréscimo. Admito, porém, que não devo generalizar e que estarei a ser injusto para pessoas que, com coragem, se abalançaram a um inestimável serviço público.

Mas nem tudo é monótono. Por exemplo, os cartazes – que hoje é possível conhecer por esse país fora, sobretudo através da Net – têm sempre um sabor especial, seja no humor, seja na imaginação e no aproveitamento do nome das terras, seja ainda no excêntrico, senão mesmo no ridículo.
Embora acautelando não estar absolutamente seguro de que, nalgum caso, possa haver montagens (hoje tão comuns na Internet que, aliás, me fazem duvidar de tanta coisa que por lá passa…), partilho com os leitores os meus “Óscares”, sem me referir aos partidos ou movimentos responsáveis pelos cartazes, o que, para este efeito, não importa.
Depois de aturada análise, o principal galardão vai para um cartaz algures: “ENTRE O PASSADO E O PRESENTE, ESCOLHO O FUTURO”. Na mouche
Quanto ao “Óscar” gastronómico, selecciono três cartazes: “POR AMOR A FAJÕES”, não sei se vermelhos, manteiga ou mesmo frade, “CONTINUAR LEITÕES”, ainda que não na Bairrada e “JUNTOS PELOS BISCOITOS”, neste caso biscoitos açorianos.
Na categoria de “Saúde”, estão indigitados: “CONTINUAMOS CALVOS”, apesar do candidato na fotografia exibir um assinalável cabelo que contradiz a alopécia ínsita no cartaz, “COM CANO NO CORAÇÃO”, não sei se com comparticipação no cateterismo cardíaco  e “A NOVA ALTERNATIVA PARA DEGOLADOS”, que não imagino, nem quero imaginar qual seja.
Na categoria de promessas vai ser complicado escolher entre “FAZER COM TODOS” (de um candidato independente, evidentemente), “FAZER MAIS”,” FAZER PELOS DOIS”, “CONSIGO, TODOS OS DIAS” e “A NOSSA É MAIOR QUE A DELES” (paixão), não sabendo, ainda, se um cartaz de 2013 se repete este ano (“COINA PARA TODOS”).
Já na categoria de “Promessas especiais”, os indigitados para o “Óscar” são: o mais tétrico “REDUÇÃO DO PREÇO DAS CAMPAS PARA METADE” e o mais caprichoso “QUEREMOS CORNES SEMPRE MELHOR”.
Quanto ao melhor argumento, estão seleccionados “PASSOS PARA TODOS”, “JUNTAR COSTA E ENCOSTA”, “4 ANOS DE GARANTIA” e “TODOS SOMOS SARILHOS GRANDES”.
O prémio para o cartaz em língua estrangeira vai para “JE SUIS ESPOSENDE”.
Na categoria de efeitos especiais, a luta será entre “PODAME AOS PODAMENSES”, “EU SOU O DIOGO, MAS PODES CHAMAR-ME SALOMÉ” (estranhamente do CDS e não do Bloco de Esquerda…) e “POMBAL HUMANO”, uma espécie de columbofilia transgénero.
No sector da limpeza, concorrem “PELO PÓ, SEMPRE” (sabotando a publicidade a produtos de limpeza), “PELA BRANCA TUDO CLARO COMO A ÁGUA” e o quase seu contrário “POR UMA BRANCA DIFERENTE”.
Há, ainda, um troféu honorário destinado ao cartaz de carreira. Venceu “SOU DE CONFIANÇA”. Esclarecedor, sem dúvida. Fez-me lembrar, em sentido oposto (ou talvez não), um velho cartaz no Brasil: “ROUBO, MAS FAÇO!”.
Pena não se coligarem ao menos os cartazes do PSD e CDS em Lisboa. Um é “POR UMA SENHORA LISBOA”, outro refere “PELA NOSSA LISBOA”. A junção daria um cartaz religioso “PELA NOSSA SENHORA DE LISBOA” que concorreria com Fátima.
Por fim, o cartaz que venceu o “Óscar” da inutilidade: “SOU CANDIDATO”.
Tudo menos economia, como se constata.

http://blogues.publico.pt/tudomenoseconomia/2017/09/21/oscares-para-os-cartazes-eleitorais/#comment-49700

Alexandre Herculano - Arrábida

    Alexandre Herculano


    Arrábida
    I
    Salve, oh vale do sul, saudoso e belo!
    Salve, oh pátria da paz, deserto santo,
    Onde não ruge a grande voz das turbas!
    Solo sagrado a Deux, pudesse ao mundo
    O poeta fugir, cingir-se ao ermo,
    Qual ao freixo robusto a frágil hera,
    E a romagem do túmulo cumprindo,
    Só conhecer, ao despertar na morte,
    Essa vida sem mal, sem dor, sem termo,
    Que íntima voz contínuo nos promete
    No trânsito chamado o viver do homem.

    II
    Suspira o vento no álamo frondoso;
    As aves soltam matutino canto;
    Late o lebréu na encosta, e o mar sussurra
    Dos alcantis na base carcomida:
    Eis o ruído do ermo! Ao longe o negro,
    Insondado oceano, e o céu cerúleo
    Se abraçam no horizonte. Imensa imagem
    Da eternidade e do infinito, salve!

    III
    Oh, como surge majestosa e bela,
    Com viço da criação, a natureza
    No solitário vale! E o leve insecto
    E a relva e os matos e a fragância pura
    Das boninas da encosta estão contando
    Mil saudades de Deus, que os há lançado,
    Com mão profusa, no regaço ameno
    Da solidão, onde se esconde o justo.
    E lá campeiam no alto das montanhas
    Os escalvados píncaros, severos,
    Quais guardadores de um lugar que é santo;
    Atalaias que ao longe o mundo observam,
    Cerrando até o mar o último abrigo
    Da crença viva, da oração piedosa,
    Que se ergue a Deus de lábios inocentes.
    Sobre esta cena o sol verte em torrentes
    Da manhã o fulgor; a brisa esvai-se
    Pelos rosmaninhais, e inclina os topos
    Do Zimbro e alecrineiro, ao rés sentados
    De tronos de fragas sobrepostas,
    Que alpestres matas de medronhos vestem;
    O rocio da noite à branca rosa
    No seio derramou frescor suave,
    E inda existência lhe dará um dia.
    Formoso ermo do sul, outra vez, salve!

    IV
    Negro, estéril rochedos, que contrastas,
    Na nudez tua, o plácido sussuro
    Das árvores do vale, que vicejam
    Ricas d'encantos, coa estação propícia;
    Suavíssimo aroma, que manando
    Das variegadas flores, derramadas
    Na sinuosa encosta da montanha,
    Do altar da solidão subindo aos ares,
    É digno incenso ao Criador erguido;
    Livres aves, vós filhas da espessura,
    Que só teceis da natureza os hinos,
    O que crê, o cantor, que foi lançado,
    Estranho ao mundo, no bulício dele,
    Vem saudar-vos, sentir um gozo puro,
    Dos homens esquecer paixões e opróbio,
    E ver, sem ver-lhe a luz prestar a crimes,
    O sol, e uma só vez pura saudar-lha.
    Convosco eu sou maior; mais longe a mente
    Pelos seios dos céus se imerge livre,
    E se desprende de mortais memórias
    Na solidão solene, onde, incessante,
    Em cada pedra, em cada flor se escuta
    Do Sempiterno a voz, e vê-se impressa
    A dextra sua em multiforme quadro.

    V
    Escalvado penedo, que repousas
    Lá no cimo do monte, ameaçando
    Ruína ao roble secular da encosta,
    Que sonolento move a coma estiva
    Ante a aragem do mar, foste formoso;
    Já te cobriram cespedes virentes;
    Mas o tempo voou, e nele envolta
    A formusura tua. Despedidos
    Das negras nuvens o chuveiro espesso
    E o granizo, que o solo fustigando
    Tritura a tenra lanceolada relva.
    Durante largos séculos, no inverno,
    Dos vendavais no dorso a ti desceram,
    Qual amplexo brutal de ardor grosseiro,
    Que, maculando virginal pureza,
    De pudor varre a auréola celeste,
    E deixa, em vez de um serafim na terra,
    Queimada flor que devorou o raio.

    VI
    Ontem sentado num penhasco, e perto
    Das águas, então quedas, do oceano,
    Eu também o louvei sem ser um justo:
    E meditei, e amante extasiada
    Deixei correr pela amplidão das ondas.
    Como abraço materno era suave
    A aragem fresca do cair das trevas,
    Enquanto, envolta em glória, a clara lua
    Sumia em seu fulgor milhões d'estrelas.
    Tudo caldo estava: o mar somente
    As harmonias da criação soltava,
    Em seu rugido; e o ulmeiro do deserto
    Se agitava, gemendo e murmurando
    Ante o sopro de oeste: ali dos olhos
    O pranto me ocorreu, sem que o sentisse,
    E aos pés de Deus se derramou minha alma.
                                                                                    Alexandre Herculano 
http://www.blocosonline.com.br/versaoanterior2/literatura/poesia/pidp03/pidp040147.htm

quarta-feira, 20 de setembro de 2017

Filinto Elísio - soneto

* Filinto Elísio

Estende o manto, estende, ó noite escura,
enluta de horror feio o alegre prado;
molda-o bem c’o pesar dum desgraçado
a quem nem feições lembram da ventura.
-
Nubla as estrelas, céu, que esta amargura
em que se agora ceva o meu cuidado,
gostará de ver tudo assim trajado
da negra cor da minha desventura.
-
Ronquem roucos trovões, rasguem-se os ares,
rebente o mar em vão n’ocos rochedos,
solte-se o céu em grossas lanças de água.
-
Consolar-me só podem já pesares;
quero nutrir-me de arriscados medos,
quero saciar de mágoa a minha mágoa!

domingo, 17 de setembro de 2017

Miguel Esteves Cardoso - Retro-wifi vintage


CRÓNICA

16 de setembro de 2017, 7:05

Portugal está cheio de estabelecimentos arcaicos que ainda têm wifi. Chegam turistas para tirar selfies junto ao cartaz vintage em que patuscamente se indica a password, que é de sempre afectuosa, como ilovelisbon.

Abrem-se portáteis lado a lado e começa-se a jogar ao queixume paralelo. Em vez de falar do tempo fala-se no acesso. Está lento. Não, está é muita gente a bombar. Só naquela mesa está uma turma de 16 adolescentes holandeses, todos entediados, com os narizes enfiados nos telemóveis e os dedinhos a coçar os ecrãs, mudando os bonecos.

Agora bloqueou. Ó não! Liga e desliga. Estás a fazer algum download? Não, és maluco. Tenta fechar algumas páginas. Não estou a conseguir. Espera aí... Faz um speedtest. Não dá. Para fazer um speedtest é preciso um mínimo de speed. Ha ha: o som do riso fingido que é próprio de quem está a mexer em computadores num lugar público.

Agora acelerou. Bem... agora está melhor. Consegues ver um vídeo no YouTube? Sim. Não. Está às voltinhas. Ganda lata. Lembras-te quando nos queriam fazer acreditar que o buffering tinha acabado, que era uma relíquia do século XX? Mentira. Diz que está loading mas não está a carregar porra nenhuma. Tem paciência. Pode mesmo estar a carregar. Está bem, vou esperar um bocadinho. E então? Está na mesma! Continua a loadar? Claro que não, está a bufferingar à grande.

Vou queixar-me ao TripAdvisor: o wifi é péssimo. Não estou a conseguir. Espera aí, achas que é de propósito? Estes sacanas, pá...pensam em tudo!

https://www.publico.pt/2017/09/16/opiniao/noticia/retrowifi-vintage-1785567

segunda-feira, 11 de setembro de 2017

Pablo Neruda - OS SÁTRAPAS

* Pablo Neruda

Nixon, Frei e Pinochet até hoje
até este amargo e doloroso mês de Setembro
do desgraçado ano de 1973.
Juntamente com Bordaberry, Garrastazu e Banzer,
são hienas vorazes da nossa história, roedores
a corroerem com venenosos dentes os pendões conquistados
com tanto sangue vertido e no meio de tanto fogo,
são réus infernais,
enlameados no pantanal das riquezas mal adquiridas,
sátrapas mil vezes vendidos e vendedores
incitados pelos lobos de Nova Iorque.
São máquinas esfomeadas por dólares,
manchadas no sacrifício
dos seus povos martirizados,
mercadores prostituídos
do pão e do ar das Américas,
cloacas assassinas e mal cheirosas
chefes de rebanhos de homens
sem conhecerem outra lei senão a da tortura, da fome e do chicote
que impõem aos seus povos.

PABLO NERUDA

CHILE, 15 de Setembro de 1973

(O último poema de Neruda – publicado durante o fascismo no Semanário «A OPINIÃO» em Outubro de 1973.)


http://aspalavrassaoarmas.blogspot.pt/2017/09/crime-que-ainda-nao-foi-punido.html

Pablo Neruda - Yo no me callo

* Pablo Neruda



“Yo no me callo

Perdone el ciudadano esperanzado
mi recuerdo de acciones miserables,
que levantan los hombres del pasado.
Yo predico un amor inexorable.
Y no me importa perro ni persona:
sólo el pueblo es en mí considerable:
sólo la Patria a mí me condiciona.
Pueblo y Patria manejan mi cuidado:
Patria y pueblo destinan mis deberes
y si logran matar lo levantado
por el pueblo, es mi Patria la que muere.
Es ése mi temor y mi agonía.
Por eso en el combate nadie espere
que se quede sin voz mi poesía.”


Eu não me calo

Eu preconizo um amor inexorável.
E não me importa pessoa nem cão:
Só o povo me é considerável,
Só a pátria é minha condição.
Povo e pátria manejam meu cuidado,
Pátria e povo destinam meus deveres
E se logram matar o revoltado
Pelo povo, é minha Pátria quem morre.
É esse meu temor e minha agonia.
Por isso no combate ninguém espere
Que se quede sem voz minha poesia.