sábado, 22 de maio de 2021

António Sousa Homem - A depressão de Dona Elaine e a cozinha de Moledo

António Sousa Homem

Crónicas de um reaccionário minhoto.



  
07/12/14
A depressão de Dona Elaine e a cozinha de Moledo


Ultimamente, porém, Dona Elaine passou um período de melancolia e de certo desalento. A minha sobrinha Maria Luísa atribuiu-o ao excesso de jovens ‘chefs’ que, pela televisão, deprimem o génio da nossa brava governanta. A crise de confiança foi debelada quando lhe pedi, de mãos juntas, que nos fizesse ovos com chouriço ou sardinhas fritas 

 

Desde há meses que Dona Elaine não perde um programa de cozinha na televisão. Se não o vê em directo, escolhe as horas mansas da tarde – enquanto os nossos visitantes se estendem no areal da praia, reconfortados pelo calor que, finalmente, chegou a Moledo – para verificar o que se cozinha na Austrália, nos Estados Unidos e, por vezes, em programas de viagem que atravessam a Tailândia, a Mongólia ou regiões ainda mais exóticas, como o Alto Douro ou o Alentejo. Ontem mesmo deparei com um espectáculo preocupante: a governanta deste eremitério sentada à mesa da cozinha, tendo à sua frente um caderninho comprado na mercearia, tomando notas acerca de um filete de garoupa braseado com raspa de gengibre e um caril de legumes, colorido como um Caravaggio alegre.

Dona Elaine é uma cozinheira de mérito, educada nos fogões da sua família (emigrantes no Brasil), aconchegados pela sabedoria minhota – de Cerveira. Isso significa que oscila bastante entre uma certa simplicidade e um desejo barroco que nunca é atingido: pratos suculentos e letais andam de braço dado com peixes frescos e saladas da horta. Por alturas do Verão, Dona Elaine rejuvenesce e recolhe-se à despensa, animada pela chegada dos meus sobrinhos e outros acompanhantes; limitada pela minha dieta, esta pequena multidão estival, jovem e esfomeada, é uma oportunidade para relembrar a sua arte. Surgem, então, tabuleiros de arroz de pato, travessas de escabeche, doces que fazem tremer os tempos modernos, massas folhadas que desafiam a austeridade, peixes que passam pela tortura do forno e uma grande variedade de recordações dos velhos livros de gastronomia do Alto Minho – para os quais, não raras vezes, é convocado o Dr. Barreto Nunes, que vem de Braga com mais um opúsculo raríssimo que apreciamos à hora da sesta.

Ultimamente, porém, Dona Elaine passou um período de melancolia e de certo desalento. A minha sobrinha Maria Luísa atribuiu-o ao excesso de jovens ‘chefs’ que, pela televisão, deprimem o génio da nossa brava governanta. Foi necessária uma “terapia de choque”, garantindo que detestávamos as técnicas de “empratamento” contemporâneas (onde a comida é amontoada como uma torre de Babel) e que apreciávamos como ninguém o seu frango no forno, recheado, luminoso e suculento. A crise de confiança foi debelada quando lhe pedi, de mãos juntas, que nos fizesse ovos com chouriço ou sardinhas fritas, os pratos que o Tio Alberto preparou para D. Ramon Otero Pedrayo, o insigne galego. Toda a gente compreendeu que são necessários sacrifícios para manter impoluta a mesa de Moledo.

https://antoniosousahomem.blogs.sapo.pt/a-depressao-de-dona-elaine-e-a-cozinha-21392


António Sousa Homem - Começar pelo fim

* António Sousa Homem 

SÁBADO, JANEIRO 14, 2006

Dobrei já aquilo que se chama a idade do século. O mundo não tem para mim, hoje, passados oitenta e quatro anos, menos segredos do que quando o senhor general Craveiro Lopes foi apeado da Presidência. Há quem pense que a idade é uma vantagem. Seguramente não é. Com o tempo vamos ficando maduros e tranquilos; mas com a idade vamos apenas reparando nos defeitos dos outros e quase nunca nos nossos. Reparo que os meus sobrinhos espremem a pasta dentífrica pelo meio e não pela base. Dou-me conta das mudanças de estação quando os pinhais de Moledo mudam de cor. A velocidade das coisas não me interessa, há muito que me conformei com a sua passagem e a ideia, vulgar e triste, de que há coisas novas para experimentar.

Sou um conservador, um botânico e um velho. Até como botânico sou conservador, reservando sempre o mesmo espaço para as begónias – que me lembram Júlio Diniz e “Uma Família Inglesa” – e o mesmo enlevo para os hibiscos. A velha casa de Moledo, onde a família passa os domingos e, episodicamente, os finais de semana, não acolhe memórias de um século; alberga apenas a poeira de oitenta e quatro anos assinalados, religiosamente, em Dezembro de cada ano e anunciados à família como um avanço na conservação da espécie. Tenho uma biblioteca razoável, mantida sem esforço e sem ordem. Aprendi com o velho doutor Homem (meu pai), que a abundância de livros não deve fazer-nos pensar na sabedoria mas apenas na vaidade e no prazer. Não na alegria (que raramente se retira deles); antes, no prazer que se retira do silêncio, da contemplação e da pequena vaidade.

Aos oitenta e quatro anos devia interessar-me pelas doenças do meu corpo, já que pouco me interessei pelas do meu país. Aliás, com o tempo e com a idade, simultaneamente, o meu país ficou reduzido ao Minho e ao velho Porto de que recordo amigos desaparecidos, ruas antigas, perfumes de antanho. Gosto de palavras antigas. A minha sobrinha Luísa, alimenta a minha imoderada vaidade literária, feita de clássicos, de romances baratos e de repetições. Também gosto de repetições. Gosto de lugares onde me sento sempre da mesma maneira, de urzes que mantêm a mesma cor, de livros que não mudaram de estante e de bandas de música que tocam marchas incompreensíveis e desafinadas. Hoje, sou um rural. As pessoas razoáveis do meu país, em vez de viverem e envelhecerem tranquilamente no campo, ficaram nas cidades, rodeados de médicos e de novidades como a televisão, a internet e as eleições.

O meu avô e o velho doutor Homem, meu pai, legaram-me uma ideia de felicidade doméstica que já não existe e que eu, o mais velho de seis irmãos e irmãs, devia saber explicar. Mas não sei, essa é a verdade. Era uma felicidade feita de repetições, de moderação e de pouco engenho, contentando-se com o facto de haver Inverno e de, mais tarde, poder haver Verão. A minha família atravessou os séculos e as convulsões adaptando-se ligeiramente aos factos consumados e tratando a História como um incómodo que era preciso suportar. Fomos miguelistas e mudámos de campo. Fomos indiferentes à República e achámos insuportável o doutor Salazar. A última das revoluções, em 1974, já não nos surpreendeu porque na altura tínhamos aprendido a falar no “curso da História” e no fim dos tempos. Houve uma altura em que me senti vagamente contrariado com o país. Não hoje. Sou apenas um velho homem do Minho, um pouco reaccionário, habituado ao mar de Moledo, à superfície das coisas, às memórias que não se podem mudar, como ter começado estas crónicas pelo fim. Pelos meus oitenta e quatro anos.

in Revista Notícias Sábado - 14 Janeiro 2006
POSTED BY ANTÓNIO SOUSA HOMEM AT 14.1.06

http://antonio-sousa-homem.blogspot.com/2006/01/comear-pelo-fim.html

Maria João Avillez - O dr. António Sousa Homem & família


ANTÓNIO SOUSA HOMEM


* Maria João Avillez

Nessa noite, ao apagar a luz, com um cansaço jubiloso, feito de uma curiosidade que galopava à minha frente, surpresa sem nome e raríssimo deleite, olhei distraidamente para o relógio: era madrugada.

22 mai 2019, 00:30
    
1. Há dias escrevi aqui sobre Nápoles mas não contei tudo. Uma viagem começa sempre antes da partida mas o meu “antes”, em vez de se atardar na obrigatória apreciação dos patrimónios que me esperavam, passou por penosas horas de hesitação: como é que eu iria passar sem notícias do Alto Minho? Sem o dr. António Sousa Homem e as idiossincrasias dos seus? Sem a tia Benedita, matriarca da família, os tios, o gastrónomo e o tocador de oboé, os sobrinhos, a namorada Frízia de um deles, o dr. Paulo… sem, enfim, esse universo minhoto, conservador e recalcitrante que o dr. Homem teve a amabilidade generosa de passar para papel de jornal e depois para livro (“O Crepúsculo em Moledo”, Porto Editora)? E a que nos últimos tempos tanto me afeiçoara e que pura e simplesmente se me tornara indispensável? Sim, como estar em Nápoles sem o Minho? De modo que andei às voltas, levo o livro, melhor deixá-lo, que fazer? Carregar uma mala já de si carregada (é preciso ver que para as mulheres, mesmo para as do MeToo, fazer malas em estações do ano indefinidas onde tanto se pode precisar de umas sandálias como de uma gabardina, é tarefa longuíssima que normalmente acaba mal) e além disso misturar o Alto Minho do dr. António Sousa Homem com os Palácios do ex-Reino das Duas Sicílias, seria boa ideia? Seria, justamente seria: não me imaginava oito dias, oito — uma eternidade — sem aquelas neblinas matinais, as caminhadas pelos pinhais de Moledo, o cheiro a iodo de Afife, os almoços dominicais, o mundo da Tia Benedita, a memória de Dona Ester, a personalidade do tio Alberto, as reflexões (definitivas) de Dona Elaine, governanta e asa protectora do dr. António Sousa Homem, no seu eremitério. Sem eles, em suma.

2. Talvez deva aclarar tudo isto melhor, um leitor, mesmo distraído ou desconfiado, merece todo o respeito. Aclaro: um dia dei comigo a ler uma notícia onde era questão de um prefácio escrito por João Pereira Coutinho para um livro de alguém de quem nunca ouvira o nome – o dr. Sousa Homem, justamente — mas que importância? Não era o prefaciante tão seguro de si a avaliar o verbo alheio e a separar o trigo do joio em páginas impressas (e para só para mencionar esta sua fatia intelectual)?

De modo que fui à “Barata” que é para os meus lados e onde me tratam tão bem e pedi o livro mas o “qual deles?” que obtive como pronta resposta fez-me embaraçadamente tropeçar na minha própria ignorância: como era possível que António Sousa Homem tivesse escrito já três ou quatro livros sem que nunca tivesse ouvido pronunciar o seu nome, lido uma crítica, encontrado alguém, feliz ou infeliz, com a sua literatura? Envergonhadamente constatei que sim: era possível. Com um tom de voz falsamente seguro pedi “o último, naturalmente” e fugi dali para fora. Nessa noite, ao apagar a luz, com um cansaço jubiloso, feito de uma curiosidade que galopava à minha frente, uma surpresa sem nome e um raríssimo deleite, olhei distraidamente para o relógio: era madrugada.

3. Confesso a dificuldade: não serei talvez capaz de explicar o livro, nem de traduzir a natureza do meu agrado. Ele foi, como dizer? diferente. O adjectivo é, reconheço, modesto, mas não acho as palavras certas , paciência, mais vale não usar as erradas. Assim como assim, o melhor é agradecer ao autor ter escrito o livro e logo a seguir, agradecer-lhe ainda mais o mundo para onde nos leva. Mundo conservador e português dos quatro costados, anichado no Alto Minho e nisso reside uma das mais originais trouvailles da sua “diferença”: fazer de um diminuto perímetro do norte do país, o centro irradiador de uma história sem história, assente em meia dúzia de personagens, sempre os mesmos, e no olhar céptico-terno do autor sobre eles, conseguindo ser genial nesse “enjeu” (e deliciosamente sábio no seu poder de observação da natureza humana e no andar da vida).

Sem alarido, antes de mansinho e em breves apontamentos, o dr. Sousa Homem sugere-nos que convivamos com a sua família consentindo-nos depois que o ouçamos discorrer sobre os seus membros: cada um deles ancorado no “Portugal” que respectivamente elegeu e reivindica como o “bom” e isto pelo menos desde D. Miguel até aos felizes dias do dr. António Costa.

Enquanto para nossa real felicidade – bem mais real que aquela que nos oferece o mesmo dr. António Costa, o que certamente o espantaria, mas as coisas são o que são – nos deixamos conduzir pela lupa do autor sobre o mundo, observado da janela de Moledo – de onde simplesmente ele não vê uma boa razão para sair, há mais de trinta anos. O mundo e o que ali o faz: das pessoas — quase sempre só as da sua família — aos seus comportamentos; dos pequenos nadas do quotidiano que logo são matéria e pretexto para subtis observações; das ocorrências no país que o dr. Sousa Homem vê de longe com uma irremovível lucidez que lhe dispensa a esmola de qualquer ilusão; dos “acontecimentos” que escrevem a pauta dos seus dias – a chegada do verão a Moledo, as idas a Caminha “beber uma água de Melgaço”, os preparativos do Natal sob a égide severa de Dona Elaine; o arroz de pato e o leite creme dos reencontros familiares no eremitério de Moledo quando acorrem parentes vindos de outros lugares do Alto Minho; a periódica viagem do retrato do “Senhor Dom Miguel” a restaurar a Braga, entregue aos cuidados inesperados da “sobrinha esquerdista da família”; as certezas sobre o país, atiradas com invejável segurança pelos irmãos – “ambos economistas” – do dr. Sousa Homem; a implacabilidade dos invernos, os nevoeiros, o aparecimento das giestas, os sentimentos, o tempo.

E por sobre tudo isso, uma melancolia fininha. A indisfarçável melancolia, nossa e a do dr. Sousa Homem.

https://observador.pt/opiniao/o-dr-antonio-sousa-homem-familia/

terça-feira, 18 de maio de 2021

Filipe Chinita - a uma mulher

* Filipe Chinita

uma 
mulher
e nela... 
a todas elas
.
em especial 
às que amei
ou 
me amaram 
elas
.
ó
suprema expressão
da alegria e dádiva
de ser.es mulher
e fêmea...
maior
.
deixaste de ser minha
e eu deixei de ser 
quem era...
mas sou 
sempre 
teu
.
que estejas 
feliz
ó 3º andar
iluminado
de eros
para 
lá 
da rua
.
era 
só... 
atravessá-la 
e já tu me esperavas
sempre pronta a te dares
.
éramos o todo... 
o corredor
afora...
num 
só.mesmo.corpo
deslizante
.
fj
10.10
04.09.2021
.
nunca 
poderei deixar de amar 
esa tua imensa 
disponibilidade
a te d(o)ares
como sempre 
escolhi-te 
de um.só 
olhar 
no teu sorriso matreiro
na elasticidade das tuas pernas caminhantes
enquanto já nos sabíamos ser um do outro
.
nunca 
conheci mulher que amasse 
com mais e mor alegria 
de o fazer
.
obrigado!
ó 
sem pudor
algum
.
urgente!
arranja-me alguém... 
que te 'substitua' 
ao mesmo 
nível

04/05/2021, 16:51

Filipe enviou a mensagem: 4 de Maio às 10:58

a

uma

mulher

e nela...

a todas elas

.

em especial

às que amei

ou

me amaram

elas

.

ó

suprema expressão

da alegria e dádiva

de ser.es mulher

e fêmea...

maior

.

deixaste de ser minha

e eu deixei de ser

quem era...

mas sou

sempre

teu

.

que estejas

feliz

ó 3º andar

iluminado

de eros

para

da rua

.

era

só...

atravessá-la

e já tu me esperavas

sempre pronta a te dares

.

éramos o todo...

o corredor

afora...

num

só.mesmo.corpo

deslizante

.

fj

10.10

04.09.2021

.

nunca

poderei deixar de amar

esa tua imensa

disponibilidade

a te d(o)ares

e

como sempre

escolhi-te

de um.só

olhar

no teu sorriso matreiro

na elasticidade das tuas pernas caminhantes

enquanto já nos sabíamos ser um do outro

.

nunca

conheci mulher que amasse

com mais e mor alegria

de o fazer

.

obrigado!

ó

sem pudor

algum

.

urgente!

arranja-me alguém...

que te 'substitua'

ao mesmo

nível

04/05/2021, 16:51




quarta-feira, 12 de maio de 2021

Diogo Hoffbauer- Não são só eles que sabem porque não ficam em casa

*  Diogo Hoffbauer 

“Daqui a 15 dias, quero ver. Por mim, nem tinham direito a ventilador!”

Para começar, são 14 dias. Duas semanas são 14 dias, não 15. Sete mais sete. Mas mais relevante ainda é que, quando a poeira da insanidade assentar, o chavão dos 15 dias irá figurar no nosso anedotário. É um prazo de validade intimidante, um macabro vaticínio de morte e, portanto, perfeitamente enquadrado na narrativa apocalíptica. Carece, no entanto, de qualquer validação factual.

Não é a genuína preocupação com a saúde pública que os mobiliza a apregoar a condenação de gente que só quis usufruir do merecido festejo. É, isso sim, um impulso onanístico e inquisitório. Observar aquilo que aos nossos olhos são condenáveis meliantes representa para muitos a oportunidade perfeita para se distanciarem da sua malvadeza. Faz sentido que o queiram fazer: como reivindicam punições e musculada intervenção policial e militar, é importante deixar claro que não é a eles que devem ser dadas as cacetadas, é naturalmente aos outros. Arrogando-se o papel de protetor de vidas e ciência, quando contribuem diariamente para destruir ambas, fazem da menina d’A Lista de Schindler que vocifera “Goodbye, Jews!” sem saber o que são judeus, só porque toda a gente à volta a ensinou a odiar.

Seria expectável que, perante a sucessão de situações em que este prognóstico da catástrofe iminente em 15 dias não se verificou, o medo em que nos afogaram começasse a dar lugar à dúvida. É dela que nasce a ciência, e não do dogma.

Mas há uma pedra pesada no caminho da lógica: o orgulho. Custa demasiado engolir o amargo   paladar do reconhecimento de um erro. Desconfiamos das nossas informações, embaraçam-nos as nossas próprias palavras e abalam os alicerces das nossas convicções. E, com a dimensão deste assunto e com a convicção emocional por trás das tomadas de posição, vemo-nos sujeitos a vexame alheio. Transformaram isto numa guerra de dois lados e qualquer cedência intelectual é encarada como humilhante derrota. A este preço, vai ser muito difícil que as pessoas, mesmo vendo a hipocondria desvanecendo-se nos ventos curandeiros da racionalidade, venham a admitir que foram enganadas. É essa resistência egotística – aliada a uma perversa inclinação autoritária e alergia a felicidade alheia – que prende a opinião pública a uma posição que neste momento não passa de um delírio coletivo.

12/05/2021


https://aventar.eu/2021/05/12/nao-sao-so-eles-que-sabem-porque-nao-ficam-em-casa/


quinta-feira, 6 de maio de 2021

César Alves - Sugar a essência da vida


* César Alves 

O Clube dos Poetas Mortos era o grupo das pessoas que queria sugar a essência da vida. Que queria extrair de cada pequeno momento tudo o que ele teria para dar.

O filme é aclamado pela crítica, é citado vezes sem conta, mas parece-me que nós, enquanto seres-humanos, nem sequer chegamos perto de o perceber.

Quando nascemos, a vida está-nos praticamente pré-estabelecida. Sabemos que temos um percurso escolar obrigatório, é-nos quase impingida uma ida para o ensino superior, por forma a construir uma carreira que dure 40 ou 50 anos, a reforma na casa dos 60 e depois o calendário, como nas prisões, de quantos dias faltam até morrermos.


Estamos tão anestesiados com esta ideia que nem percebemos o quanto ela é assustadora e castradora. Usamos estes edifícios da vida pré-construídos, quais construções em cadeia, porque são mais fáceis. Aparentemente mais certos. Usamos esta “fórmula mágica” vazia de verdadeira magia para nos escondermos dos medos e dos fantasmas da instabilidade, do perigo, do desconforto.

E talvez possamos morrer continuando a acreditar nesta farsa travestida de caminho correcto. Farsa porque nos diz, erradamente, que há uma fórmula mágica para todos. Que há uma resposta para a questão da vida que encaixa em toda a gente. Não percebemos que essa ideia falaciosa nos esgota, nos consome, e nos retira a individualidade que nos é própria e intrínseca. Aceitamo-nos cordeiros de um rebanho gigantesco, aceitamos que somos todos iguais, porque temos medo.

Medo de arriscar, medo de sentir. Temos medo daquilo que a vida nos dá de melhor. O sentimento. Achamos que ele não chega para suportar tudo. Achamos, até, que ele tem um qualquer preço. Escravos do dinheiro e do fantasma da estabilidade financeira, baixamos a cabecinha e damos passos muito vagarosos, muito pequenos, analisando o chão múltiplas vezes para termos a certeza de que estamos a pisar terra firme.

Mas e se não for firme? E se ao pousar o pé sentirmos o chão a tremer e tivermos uma descarga de adrenalina que, por meros segundos que sejam, nos faz sentir humanos?

E se chegarmos ao final da vida e sentirmos um arrependimento profundo por não termos feito mais? E se, como João da Ega, dissermos que falhamos a vida? Valerá a pena tanto medo, tanto receio, para, anos e anos mais tarde, sermos corroídos pelo arrependimento, às portas da morte?

Devíamos deixar de pensar que somos imortais. Que temos todo o tempo do mundo. Devíamos arranjar, ou no mínimo procurar, o equilíbrio perfeito entre a estabilidade da vida propriamente dita e da nossa parte emocional. Devíamos deixar-nos levar pelas nossas paixões. Porque as carreiras acabam, os filhos crescem e saem de casa. Mas as paixões, os sentimentos, tudo o que nos faz sentir vivos, perdura para sempre. Aliás, morreremos sempre com um sentimento: mas temos a capacidade de escolher se queremos que seja a paixão e a alegria de uma vida vivida; ou o arrependimento dos e ses… que nunca concretizamos.

06/05/2021 by 

https://aventar.eu/2021/05/06/sugar-a-essencia-da-vida/#more-1315947

quarta-feira, 5 de maio de 2021

Mariana Durães - Os brasileiros “têm meia língua portuguesa”?

LÍNGUA PORTUGUESA

Os brasileiros “têm meia língua portuguesa”? Quando as palavras são motivo de discriminação

O que o Atlântico separa a língua portuguesa une. Ou não? Matias foi alvo de chacota por causa do sotaque; Jullyana foi avisada para fazer um exame em português europeu e a Thalita disseram que os brasileiros só têm “meia língua portuguesa”. A todos pedem (ou exigem?) que falem “português correcto”. Mas, no Dia Mundial da Língua Portuguesa, perguntamos: o que é o português correcto?

Mariana Durães

5 de Maio de 2021, 8:08

“Por favor, façam o exame em português de Portugal, porque eu não entendo nada do que vocês escrevem”: a ordem foi dada antes de um exame do curso de História da Arte, mas não havia sido a primeira vez que Jullyana Rocha se tinha sentido confrangida por não falar português europeu.

Antes, quando foi mudar a morada a uma repartição de Finanças, teve o mesmo problema. “Fui com todos os documentos e expliquei à senhora que precisava de mudar a morada fiscal. Tentei-me explicar umas quatro vezes e ela simplesmente dizia que não entendia o que eu estava a falar. Ainda nem usávamos máscara, por isso não havia nenhum impedimento”, recorda a brasileira de 25 anos, a viver em Portugal desde 2017.

Não é caso único: os relatos de brasileiros a viver em Portugal que dizem ser discriminados por “não falarem português correcto” multiplicam-se nas redes sociais. Na página de Instagram Brasileiras não Se Calam, por exemplo, em que são partilhados relatos de xenofobia, é recorrente encontrar denúncias de discriminação por causa da língua: em situações do quotidiano, nos locais de trabalho, e, diversas vezes, nas faculdades.

Foi lá que Jullyana e os colegas brasileiros foram avisados para realizar o exame em português europeu, e foi esse momento, aliado a muitos outros de discriminação, que a fizeram sair do curso e optar por estudar Marketing remotamente, numa universidade brasileira: “Não quis voltar para o sistema de ensino de aqui.”

Também Matias Guimarães foi alvo de chacota quando chegou atrasado a uma aula. “Quando entrei na sala, o professor começou a fazer uma série de críticas e piadas sobre o meu sotaque, sobre eu ser burro pelo meu sotaque, por não falar direito”, relata. Pelo que tem ouvido, refere, “há pelo menos um professor em todas as faculdades que reclama que os brasileiros não falam da maneira mais correcta”. Mas o que é, afinal, o português correcto?

“A língua pode ter diversas cores”

“Desde que somos crianças, a escola diz-nos que certas formas são correctas e outras são incorrectas”, começa por enquadrar Ronan Pereira, doutorando em Linguística pela Universidade Nova de Lisboa. Há, no entanto, uma premissa que é importante não esquecer: “As línguas não são elementos estáticos. Elas variam territorialmente, ao longo do tempo, de acordo com as classes sociais, etárias... Mas, por algum motivo, temos na nossa cabeça que a língua é uma coisa só.”

Ora, quando uma criança vai para a escola, não é possível abordar todas as formas que uma língua pode ter. O ensino foca-se, então, no ensino da gramática normativa, aquela que nos diz as regras a seguir para escrever e falar correctamente. É essa gramática que estabelece o padrão, e é importante que seja ensinada, “porque, se todos começássemos a escrever como nos apetece, a coisa ficava confusa”, refere o linguista.

Quando falamos de português europeu e português brasileiro, estamos a falar de “duas variedades linguísticas” — o que mostra que “a língua é uma definição algo abstracta e, neste caso, vemos como a língua portuguesa pode ter diversas cores”. E nem é preciso atravessar um oceano para encontrar estas variedades: dentro do território continental encontramos muitas formas de falar português. A diferença é que “uma pessoa de Évora vai ter muito mais em comum na sua gramática mental com alguém de Coimbra do que com alguém de São Paulo”.

Os “entraves” linguísticos começaram a sentir-se no dia-a-dia de Mônica Santos logo desde que veio para Portugal, há três anos. “Uma atitude quotidiana como ir a uma padaria era muito difícil, porque o meu simples pedido de um pão era pouco percebido pelas pessoas, porque não queriam”, conta. “Existia uma certa necessidade de demonstrar que não estava a falar da melhor forma, era satirizada”, continua.

Foi também na faculdade que experienciou situações “mais fortes”. Ainda que seja necessário apresentar uma declaração de proficiência em língua portuguesa ao ingressar na faculdade, esta não especifica a necessidade de ser em português europeu. E, quando as aulas começam, “os professores são bastante críticos na forma como escrevemos relatórios, trabalhos, etc.”, lamenta. Chegam até a descontar pontos pela escrita, refere.

“Ouvir dizer todos os dias que falamos brasileiro em vez de português é o mesmo que dizer que nos Estados Unidos se fala ‘americano’ e que na Austrália se fala ‘australiano’, quando na verdade todos falam a língua inglesa.”

Alguns portugueses “olham com estranheza” quando Thalita Meros diz que dá aulas de Português. A viver em Portugal desde 2019, veio fazer mestrado na Faculdade de Letras da Universidade do Porto e, como já tinha experiência em dar aulas no Brasil, começou a dar aulas voluntariamente a estrangeiros em Portugal. Quando alguns alunos lhe dizem que “não querem aprender português brasileiro”, a professora de 38 anos explica que “não funciona assim”, que há materiais didácticos e que “a regra é comum para todos”.

“O português é uma língua multicultural. As pessoas que vão para a minha aula vão ouvir o sotaque do português de Portugal todos os dias na rua, vão acabar por pegar um pouco”, afiança. Mas pergunta: “Que estrangeiro fala realmente com o sotaque português de Portugal? Se ensinar português a um espanhol, ele vai falar com o sotaque espanhol.”

Também ela já viveu situações de preconceito por causa da língua. Numa ida ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, quando teve de indicar o número de telemóvel, disse “meia”, em vez de “seis”, como é comum no Brasil. Do outro lado ouviu: “Os brasileiros têm meia língua portuguesa.”

A globalização da língua portuguesa “traz muitos desafios”, começa por dizer Patrícia Ferraz de Matos, antropóloga e investigadora auxiliar no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. “Em primeiro lugar, porque o português que se fala em vários continentes não é exactamente o mesmo e tem muitas variantes — nacionais, regionais e locais. Em segundo lugar, porque este movimento para criar um Dia da Língua Portuguesa não se centra apenas nesta e parece querer estender-se a outros fenómenos culturais, ou seja, parece ser mais ambicioso.”

E porque não olhar para essas variantes como um factor de enriquecimento? Afinal, como relembra a investigadora, “é devido ao Brasil e ao seu tamanho que o português é hoje uma das cinco línguas mais presentes no espaço digital”.

Também inserida no espaço académico, a antropóloga refere que, “embora o português do Brasil seja admirado na literatura” (veja-se “a riqueza do vocábulo dos livros de Jorge Amado, por exemplo”), o mesmo não acontece nas aulas ou avaliações. No doutoramento em Antropologia, onde é docente, aceita teses escritas em português do Brasil ou português africano, por exemplo. Mas nem sempre é assim, como a experiência de Jullyana mostra.

A variedade mantém a língua viva

Mas de onde vem, afinal, a ideia de que o português do Brasil não é correcto? “Durante o processo evolutivo do português brasileiro, surgiram formas coloquiais que são violações à gramática mental dos falantes de português europeu”, explica Ronan Pereira. Um exemplo: “Eu vi-o”, como diz um português, versus “eu vi ele”, dito por um brasileiro. “Para a gramática mental de um português, [a segunda formulação] soa mal, mas isso não quer dizer que o falante de português brasileiro fale mal. Ele fala a sua variedade, que tem essa estrutura.”

Na verdade, quanto mais portugueses e brasileiros se aproximarem da norma gramatical — ou, por outras palavras, quanto mais correctamente falarem —, mais próximos ficam. Se assim fosse, “teríamos sotaques diferentes, o que é completamente natural e acontece em todas as línguas, mas a questão estrutural seria basicamente a mesma”, explica o linguista. “A regra é comum para todos”, acrescenta Thalita.

“Alguns dos preconceitos actuais podem ainda ser resquícios do passado”, refere Patrícia Ferraz de Matos. Podem estar relacionados “com as várias influências que o português do Brasil recebeu”. “É como se o português do Brasil fosse menos puro do que o português europeu, ao qual se associa por vezes uma identidade própria, associada à antiguidade do país na Europa, à sua permanência como país independente ao longo de vários séculos, sem nunca se ter subjugado ao poder (e língua) espanhol”, contextualiza.

A herança cultural, marcada por séculos de colonialismo, é, para Matias Guimarães, a principal justificação para esta discriminação. “Sinto que existe uma parcela da população portuguesa que vê as ex-colónias como inferiores de diversas formas”, atira. E essa percepção é generalizada. “Os mais velhos têm um sentimento de nacionalismo muito forte, acham que estamos para reconquistar o que nos foi tirado na época dos descobrimentos, como já ouvi muitas vezes”, refere Jullyana.

Thalita chama-lhe “saudosismo da língua”. Acredita que o pensamento comum é, muitas vezes, este: “Eu levei a língua para esse país e eles estragaram-na, deviam mantê-la como é aqui.” Ou, em forma de pergunta, como já fizeram a Mônica: “Quem é que inventou a língua?”

Esse saudosismo, acredita Thalita, poderá estar prestes a acabar, com ajuda das gerações futuras. “Os alunos de hoje já têm questões sobre a variação linguística nos seus manuais”, afirma. “A variação agrega muito. Tem algumas palavras que são diferentes? Tem. E isso só vai acrescentar”, atira. Patrícia Ferraz de Matos vai mais longe: “É talvez essa riqueza que mantém a língua viva — a de um conjunto diversificado de pessoas que a utiliza há vários séculos, mas que a vai adaptando e fazendo evoluir.”

tp.ocilbup@searud.anairam

https://www.publico.pt/2021/05/05/p3/noticia/brasileiros-meia-lingua-portuguesa-palavras-sao-motivo-discriminacao-1961161


terça-feira, 4 de maio de 2021

Filipe Chinita - manda quem... pode

* Filipe Chinita

manda 
quem... pode
.
nós.
pobres.de espírito
e não
já 
temos 
de nos dar 
por mui felizes
com a.s esmola.s...
e por haver quem ainda! asssim
se digne - perdendo do 
seu tempo 
e vida - 
mandar... em nós
.
avenç(o)ados 
sejam...
sejas...
ó 
altíssimo!
.
fj
13.15
03.05.2021
.
ou 
de quando 
passámos a confundir os políticos 
com os oficiais de contas ao fisco
senão mesmo 
com os jogadores da  bisca... 
às tardes... pelo sol e sombra
dos jardins
.
que
em espanha 
já as touradas da mui brilhantina
recomeçaram... 
.
mundo 
vai continuar igual
se... não  mesmo... pior
.
conseguimos nós! viver 
em 'alegria' 'copos' 
e 'festa.s'...
enquanto 
outros humanos seres
em tudo a nós iguais
baqueiam 
falhos de tudo
pelas valetas 
de cada 
dia
.
pandemia...só acabará 
quando já não existir 
e não se propagar 
em nenhum 
outro
.
então sim!
poderemos voltar a falar 
de alegria e 
festa...
humanamente
universal
de todos 
os
iguais...
.
sim 
que mais importante que os humanos 
- que qualquer um humano! -
são as diversas espécies 
de vacas sagradas que 
sagradamente nos 
des.governam 
a.s vida.s
nos dão
a morte
___________________________________________
o mundo apenas precisa de uma só cousa:
revolução total. social e da mente humana
___________________________________________
ah
falta ainda dizer 
que 
prostituição no mundo.e em todas as línguas! 
é cada vez mais  jovem...
chegam-nos... todos os dias! 
mesmo escrevendo eu
a todo o tempo
contra
qualquer 
prostituição... física e mental


Filipe enviou a mensagem: 3 de Maio às 14:19

domingo, 2 de maio de 2021

Filipe Chinita - es. cravo... de dia seguinte

* Filipe Chinita

es.
cravo...
de dia seguinte
1.
salvam-me... ainda assim
os magníficos jantares... 
que faço... para 
nada...
2.
escassos momentos
de des.contracção
de mim...
entre horas de 
trabalho...
sem fim!
3.
com 
as palavras
os olhos em perda
e os dedos que já se encavalitam sobre si
sentado sobre umas 
nádegas 
feridas... 
de 
em 
sangue
castigado
4.
o sono 
é-me só.já apenas
uma passagem...
para a outra
banda...
ou margem
5.
tanto
que é sempre já vestido 
que me deito
e acordo
à.s rua.s saio 
só quando absolutamente necessário
à  nossa subsistência
6.
pois 
já nada... mais 
me move nesta vida
7.
do que 
- apenas - continuar 
escrevendo 
até ao 
fim
qualquer que ele seja
8.
ante 
discursos 
absolutamente 
monocórdicos
de mera leitura 
de papéis
9.
nada alegres! 
... diga-se
10.
que 
dizem sempre!
mesma parada
cousa
que todos nós
já mais do que
sabemos
11.
enquanto
entretanto humanos
continuam morrendo 
'alegremente'...
lá longe!
num outro ganges
sobre o chão 
dos dias
o parado rio 
das pútridas
águas
das fogueiras
dos religiosos
humanos...
de classes
e castas
e
viúvas
sem vida 
alguma
12.
enquanto 
as religiões... 
continuam medrando a morte
com a nossa calada e divina benção
de 'humanos' amigos... 
de bolsonaro.s.
e quejandos 
que tais
13.
benza-os... 
deus!
haveis de ter
um lindo
e evangélico
fim...
.
14.
amén
.
fj
20.48
02.05.2021
Filipe enviou a mensagem: 2 de Maio às 21:50