* Tiago Franco
ESTE É MELHOR
NÃO, QUE É COISA PARA QUEIMARES O ARROZ QUE ESTÁ AO LUME |
Quem me conhece
razoavelmente bem sabe que o meu sonho, desde há muito, muito tempo, é dar a
volta ao mundo. Desde que me lembro que é assim. Há duas razões mais ou menos
simples para isso. A primeira é por gostas de estar em sítios onde aconteceu
algo que apenas vi num livro de história. Era a minha disciplina favorita na
escola e julgo que se tivesse crescido num país de primeiro mundo, com empregos
e salários decentes, provavelmente teria ido por aí. A outra é que eu gosto
genuinamente de ver as diferencas culturais entre os povos, até para perceber
melhor o meu próprio contexto cultural. No fundo, um acumular de padrões para
não ficar fechado e bloqueado num continente que cada vez mais levanta muros em
vez de os destruir.
Raramente volto
como fui e procuro, sempre que posso, o mais diferente possível daquela que é a
minha história. Nesta fase da vida já não tenho paciência para Venezas, Paris e
Londres. Quero Kigalis, Vientianes e Managuas. Poucas vezes viajei sozinho porque
detesto a solidão e quando o fiz, nunca foi algo que quisesse guardar como
memória. A vida, na forma como a imagino, é para ser vivida com afecto,
sorrisos e companhia.
Quando não
estou a viajar estou a pensar no próximo destino. Não o consigo evitar. Podemos
estar entre guerras, pandemias ou crises financeiras. Pode até o meu emprego
estar na linha como está, permanentemente, desde que decidi trabalhar por
contratos temporários (ou seja, quase toda a minha vida profissional). Mas todo
o santo dia eu abro o Google Maps (até porque faz parte do meu trabalho) para
procurar caminhos novos.
Ora, tenho a
sorte de ter por perto quem me vá aturando nestes sonhos e repita, com alguma
frequência, "ok Tiago, qual foi a ideia desta vez?". Eu sonho
acordado.
Sou um péssimo
companheiro de deslocacão (porque odeio voar) mas acho que compenso quando
metemos os pés no chão e as mochilas nas costas. Ir de A para B de carro,
comboio ou barco é, de longe, o mundo ideal.
Esperei 11 anos
para regressar ao Sudoeste Asiático. Tempo a mais para uma vida que é sempre
curta. Parti de um sítio frio, de céu cinzento, onde estava a pressão laboral e
a corrida contra o tempo para agradar a mercados capitalistas. Onde todos
trabalhamos a troco de salários altos que são absolutamente devorados pelos
juros dos créditos à habitacão ou a elevadíssima carga fiscal. Deixei para
trás, por uns dias, a sociedade que produz e que se esfola diariamente para
conseguir pagar as contas, ditadas por um banco em Frankfurt ou uma guerra que
alguém escolheu alimentar em meu nome.
Do outro lado
estava um mundo relativamente diferente, com mais sorrisos, com outros
problemas certamente mas também com outras solucões. De alguma maneira a vida
parece mais fácil debaixo de sol, com sumos de fruta fresca a toda a hora, mar
quente, budistas e uma gastronomia que não aborrece nem envergonha. Dizia-me um
dos companheiros que por lá já se sentia em casa: "já reparaste que eles
estão sempre a sorrir?"
Mesmo com
história dramáticas e traumas recentes (por exemplo o genocídio no Cambodia que
arrasou com 25% da populacão), aquele pessoal consegue, aparentemente, ter a
alegria e a forca de focar nas coisas básicas e importantes da vida. E não
pensemos que estamos a falar dos pobrezinhos e coitados. O sudoeste asiático já
não é apenas o sítio onde as multinacionais vão coser roupa. Não vi mais gente
a dormir nas ruas de Banguecoque do que, por exemplo, no centro de Lisboa,
Paris ou Roma.
É dificil
explicar a sensacão de viver no aparente caos destas cidades super povoadas. Eu
não me importo com a confusão, a enxurrada de gente ou o barulho. Sinto-me
acompanhado em ambientes desses. Mas há algo de especial em estar o dia todo na
agitacão para, de seguida, dar de caras com uma praia deserta, daquelas que
vemos nos postais. Ou entrar numa rua escura ao calhas e uma senhora abrir a
cozinha para nos fazer o último pad thai da noite. O que estou a tentar dizer é
que, parece-me, por aqui cada dia conta e é vivido de forma intensa. Ainda
assim, sem grande pressão ou horários definidos. Tudo se arranja, tudo se
desenrasca, há sempre alguém que conhece alguém.
Regresso de um
mundo onde tudo vibrava, tinha cor e cheiros para o meu espaco. O tal ocidente
civilizado, velho continente que ensina os demais a viver. E o que vejo? Em
Portugal voltam-se a discutir temas de 1950, desenterrados por um livro
apresentado por Passos Coelho e escrito, entre outros, por fachos como o Jaime
Nogueira Pinto. Um idiota daquele partido que teve 100 000 votos sem querer,
afirma que as neves do Kilimanjaro ainda lá estão, portanto, isto do
aquecimento do planeta é uma tanga.
Parece que
ficamos mais estúpidos quanto mais informacão nos disponibilizam. Eu estive no
cume do Kilimanjaro em 2008. Os glaciares já eram muito menores nessa altura do
que em décadas anteriores. É só ver as imagens aéreas para perceber. Os lagos
reduziram o seu tamanho, os glaciares também mas...o facto de existirem, ainda
que menores, não quer dizer nada. É tudo uma conspiracão.
Na televisão
vejo velhos que, na sua juventude fugiram à guerra colonial, dizerem que o
apoio à Ucrânia não pode parar e que é tempo de enviar soldados. Isto porque,
claro, já não são as costas deles que lá vão bater. Já para não falar do
genocídio em Gaza que nem nos rodapés aparece. Será também estudado daqui a 20
anos.
No meu bairro,
em Gotemburgo, há casas a serem vendidas em hasta pública por execucão
bancária. Algo que eu nunca tinha visto em 20 anos. Famílias que, por causa das
taxas do BCE e a eterna desculpa da Ucrânia, passaram a pagar 3, 4 ou 5000
euros pelas prestacões ao banco e simplesmente...estouraram. Eu já nem consigo
perceber como é que se sobrevive em Portugal quando nos países ricos comecam a
ficar depenados.
E depois...tudo
em nome de quê? Chegamos a meio da nossa vida, eu pelo menos espero ter
chegado, a trabalhar dia e noite para pagar contas, sustentar guerras,
patrocinar a corrupcão e sermos governados por entidades como o BCE.
Eu, que sou um
ferrenho apoiante do estado social e da solidariedade, trabalhei 20 anos para
entregar mais de 50% do meu rendimento em impostos e, mesmo assim, ser
extorquido mensalmente pela banca, sem que os governos eleitos facam
absolutamnete nada. A Europa transformou-se numa zona muito pouco recomendável
onde, sem darmos por isso, ficámos acorrentados a um jogo cujas regras mudaram
no espaco de 4 anos (desde 2020) e que foram decididas, a meias, entre a banca
e a comissão europeia. Nada ou ninguém que eu me lembre de ter eleito para
falar ou decidir em meu nome.
A desilusão é
tal que, aos poucos, vou desligando as notícias, perco a vontade de escrever,
simplesmente não quero saber. Não importa, não interessa. Isto já não é a vida
que vinha no guião do "vai estudar e esforca-te para seres o melhor
possível no teu local de trabalho". Isto é apenas uma merda.
A vida devia
ter menos Ursulas, Putins, Zelenskis e Venturas e mais momentos em família,
fotos para a posteridade, recordacões que nos fazem pensar que valeu a pena
passar pelo planeta.
Digo isto
várias vezes aos meus filhos e é algo em que acredito profundamente. Depois da
educacão que será a ferramenta deles para enfrentarem o futuro, tudo o que lhes
quero dar são momentos. Experiências, paisagens, um pouco de mundo. Algo que
lhes fique na memória e que lhes permita ter um conceito de "bairro"
mais alargado quando comecarem, sozinhos, a definir o seu. É esse, para mim, o
verdadeiro sentido da vida. É conhecer em vez de acumular. É ir em vez de
esperar. É, no fundo, perceber onde estamos e o que fazemos aqui, como dizia o
poeta em tempos de má memória.
Em resumo, eu
quero que a Ucrânia se foda, que a Rússia se foda, que a Ursula se foda, que a
Lagarde se foda, que o Trump se foda, que os fachos se fodam, que os idiotas
que apoiam o genocídio em Gaza se fodam ou que os burros que acham que uma
Europa com muros é a solucão, se fodam.
No fundo era só
isto, mas o poder de síntese nunca fo o meu forte.
2024 04 12
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