D'ali e D'aqui
Textos e Obras Daqui e Dali, mais ou menos conhecidos ------ Nada do que é humano me é estranho (Terêncio)
terça-feira, 19 de março de 2024
Carlos Coutinho - Dá que pensar
segunda-feira, 11 de março de 2024
O desprezível governo PS ou as acrobacias do Costa
Banqueiros, governo psd/cds e fascismo
A Economia em estado comatoso, o fascismo brando e o PS em fim de linha
domingo, 10 de março de 2024
A economia e os efeitos na pobreza
António Guerreiro – As sondagens: modo de usar
CRÓNICA ACÇÃO PARALELA
* António Guerreiro
7 de Março de 2024
A política-espectáculo cresce à
medida que diminui o poder político que se exerce no interior de um Estado que
é cada vez menos soberano.
Um dos slogans inventados no Maio de 68,
às vezes recordado como uma peça de arqueologia revolucionária, como muitos
outros surgidos nesse tempo, desdenhava alegremente do acto essencial da
afirmação da democracia: “Élections, piège à cons”.
Traduzido em português nunca funcionaria porque perde a rima e o ritmo
prosódico: “Eleições, armadilha para imbecis”.
Actualmente, não existe no
espectro político nenhum extremo que ouse pôr em causa o formalismo democrático
do voto. “Porquê votar?” não é pergunta que hoje se faça publicamente e com um
alcance político programático. Em contrapartida, tem aumentado incessantemente
os que se interrogam – “Em quem votar?” – até ao momento de colocar a cruz no
boletim e os que, incapazes de decidir, engrossam as fileiras dos
abstencionistas.
Os “indecisos”
tornaram-se uma categoria decisiva. Por isso é que as sondagens, outrora tão
fiáveis, se tornaram um deficiente instrumento de medição do resultado final.
Podemos pressentir que se deu um fenómeno de inversão ou de reversibilidade: as
sondagens, que dantes calculavam com precisão as intenções de voto sem
interferir nelas de maneira significativa, tornaram-se um elemento que
determina, em última instância, a escolha do eleitor. O eleitor informado toma
as sondagens para calcular o sentido do seu voto.
Evidentemente, isso deu-se à
medida que se multiplicaram as sondagens pré-eleitorais e que os cidadãos
aprenderam a lê-las e a avaliá-las na sua dimensão performativa, isto é,
enquanto acção pragmática. Mas tal aconteceu porque aumentou o voto estratégico
que oscila em função das configurações da paisagem eleitoral, das posições dos
partidos nos rankings. Isto significa que as
sondagens, através deste processo de retroacção, entram ilegitimamente no jogo eleitoral? Se elas,
afinal, são um instrumento do cálculo do eleitor e não a sua
instrumentalização, então não devemos tirar essa conclusão. O problema está
noutro lado: na modalidade do discurso político que engendrou este
cidadão-termostato cuja acção é profundamente uma reacção.
Vivemos colectivamente (refiro-me
ao espaço público mediático), durante estas últimas semanas, sob o primado da
política dos políticos e da política dos media. A cena
política, em momentos como este, transforma-se numa arena onde cada um exibe
uma virtual potência de decisão em todos os domínios da sociedade. Sabemos, no
entanto, que tanta vontade e preparação para fazer mil e uma coisas não passa
de tagarelice por várias razões: porque quem chega ao poder governamental tem
de se conformar com uma fraca soberania, só pode agir respeitando os poderes
formais e informais das instituições europeias, das contingências
internacionais do mundo globalizado (as guerras, as crises económicas, os
ditames da grande finança mundial, etc.); porque a classe política, por mais
que tenha a seu cargo a acção administrativa e gestionária, não consegue
realizar o que propõe nos seus discursos porque se confronta com o
condicionamento dos poderes burocráticos.
Há uma regra que não devemos esquecer: a política-espectáculo cresce à medida
que diminui o poder político que se exerce no interior de um Estado que é cada
vez menos soberano.
Este discurso funciona sob o
signo da infantilização. Por todo o lado a política é vista como uma vulgata
para crianças retardadas. E as campanhas eleitorais não são mais do que um
simulacro. Mas talvez esta seja uma condição benévola: muito pior seria que não
se cumprissem os protocolos para salvar as aparências que asseguram, apesar de
tudo, alguma estabilidade do sistema.
Seria, no entanto, muito
interessante saber em que acreditam verdadeiramente os protagonistas políticos,
quando já estão fora do jogo eleitoral. Ao contrário do que se passa noutros
domínios de actividade, este é um campo onde raramente se pratica o metadiscurso,
o desdobramento reflexivo: há um pathos de
primeiro grau que sobrevive e se torna duro como pedra em quem ocupou cargos
políticos de relevo. Entre nós, Cavaco
Silva ilustra com uma rara intensidade expressiva esta persistência do
discurso naïf de primeiro grau.
Livro de Recitações
“Travar a crise climática não está na mesa de voto
Slogan do
movimento máximo
Entre as várias razões que tornam
inadequado e até contraproducente alguns aspectos do discurso e da acção destes
“activistas” (tratarei de analisar em breve esse discurso) está o uso da
expressão “crise climática”.
É certo que ela chega até nós
mediada por muitas instâncias e entrou na linguagem corrente. Mas quem assumiu
a missão – louvável e grandiosa – de alertar a opinião pública para este
problema e levar os poderes políticos e económicos a agir de modo a interromper
uma desastrosa corrida tem de começar por rejeitar a linguagem que neste campo
é acriticamente usada e transmitida: a metáfora da “crise”, que até na política
e na economia tem muitas vezes um objectivo de ocultação, revela-se pouco
certeira para designar as alterações climáticas. As crises são momentos breves
no curso das sociedades, correspondem a situações temporárias em que se dá uma
perturbação do que antes dela era a normalidade.
A saída de uma crise implica, em maior ou menor grau, uma metamorfose. Ora,
aquilo que é designado como “crise climática” afecta o receptáculo de todas as
nossas actividades, não é uma “crise” particular e localizada.
E, ainda mais importante, a temporalidade dos acontecimentos ambientais não tem nada que ver com a temporalidade das perturbações sociais e políticas que a palavra “crise” designa: trata-se de uma temporalidade que se situa numa escala geológica.
sexta-feira, 8 de março de 2024
Gustavo Carneiro - LEVANTADOS DO CHÃO
quinta-feira, 7 de março de 2024
Dulce Maria Cardoso - Un juguete frágil en manos toscas (excerto)
Los portugueses tendrán que pronunciarse en las elecciones del domingo sobre el lugar de la extrema derecha de Chega y sobre la herencia de la dictadura de Salazar
terça-feira, 5 de março de 2024
Carlos Coutinho - Guerra é guerra
segunda-feira, 4 de março de 2024
Fernando Pessoa e Oliveira Salazar
ANTÓNIO DE OLIVEIRA SALAZAR
António de Oliveira Salazar.
Três nomes em sequência regular...
António é António.
Oliveira é uma árvore.
Salazar é só apelido.
Até aí está bem.
O que não faz sentido
É o sentido que tudo isto tem.
......
Este senhor Salazar
É feito de sal e azar.
Se um dia chove,
A água dissolve
O sal,
E sob o céu
Pica só azar, é natural.
Oh, c'os diabos!
Parece que já choveu...
......
Coitadinho
do tiraninho!
Não bebe vinho.
Nem sequer sozinho...
Bebe a verdade
E a liberdade.
E com tal agrado
Que já começam
A escassear no mercado.
Coitadinho
Do tiraninho!
O meu vizinho
Está na Guiné
E o meu padrinho
No Limoeiro
Aqui ao pé.
Mas ninguém sabe porquê.
Mas enfim é
Certo e certeiro
Que isto consola
E nos dá fé.
Que o coitadinho
Do tiraninho
Não bebe vinho,
Nem até
Café.
Da República (1910 - 1935) . Fernando Pessoa. (Recolha de textos de Maria Isabel Rocheta e Maria Paula Mourão. Introdução e organização de Joel Serrão). Lisboa: Ática, 1979.
- p. 349.1ª publ. in Diário Popular , Lisboa, 30 Maio e 6 Junho 1974 . inc? CF. lello - fotoc
Salazar - Um cadáver emotivo,
Salazar
Um cadáver emotivo, artificialmente galvanizado por uma propaganda...
Duas qualidades lhe faltam — a imaginação e o entusiasmo. Para ele o país não é a gente que nele vive, mas a estatística d'essa gente.
Soma, e não segue.
Pessoa Inédito. Fernando Pessoa. (Orientação, coordenação e prefácio de Teresa Rita Lopes). Lisboa: Livros Horizonte, 1993.
- 221.O Prof. Salazar é muito mais inteligente e muito mais culto,
O Prof. Salazar é muito mais inteligente e muito mais culto, ainda que a sua inteligência seja monocórdica e a sua cultura unilateral. Tem uma inteligência do tipo científico, mas sem ser céptica; tem uma cultura do tipo humanístico, mas sem ser literária. Isto lhe dá aquela unidade psíquica de onde resulta a sua formidável disciplina e energia; isto, ao mesmo tempo, o desumaniza.
Pessoa Inédito. Fernando Pessoa. (Orientação, coordenação e prefácio de Teresa Rita Lopes). Lisboa: Livros Horizonte, 1993.
- 220.O Prof. Salazar tem, em altíssimo grau, as qualidades secundárias…
O Prof. Salazar tem, em altíssimo grau, as qualidades secundárias da inteligência e da vontade. É o tipo do perfeito executor da ordem de quem tenha as primárias.
O chefe do Governo tem uma inteligência lúcida e precisa; não tem uma inteligência criadora ou dominadora. Tem uma vontade firme e concentrada, não a tem irradiante e segura. É um tímido quando ousa, e um incerto quando afirma. Tudo quanto faz se ressente d'essa penumbra dos Reis malogrados.
Quando muito, na escala da governação pública, poderia ser o mordomo do país.
Faltam-lhe os contactos com todas as vidas — com a vida da inteligência, que vive de ser vária e, entre os conflitos das doutrinas, não sabe decidir-se; com a vida da emoção, que vive de ser impulsiva e incerta; com a vida da (...)
O Chefe do Governo não é um estadista: é um arrumador. Para ele o país não se compõe de homens, mas de gavetas. Os problemas do trabalho e da miséria, como há ele de entendê-los, se os pretende resolver por fichas soltas e folhas móveis?
A alma humana é irredutível a um sistema de deve e haver. É-o, acentuadamente, a alma portuguesa.
Às vezes aproxima-se do povo, de onde saiu. E traz-lhe uma ternura de guarda-livros em férias, que sente que preferiria afinal estar no escritório.
É sempre e em tudo um contabilista, mas só um contabilista. Quando vê que o país sofre, troca as rubricas e abre novas contas. Quando sente que o país se queixa, faz um estorno. A conta fica certa.
O Prof. Salazar é um contabilista. A profissão é eminentemente necessária e digna. Não é, porém, profissão que tenha implícitas directivas. Um país tem que governar-se com contabilidade, não pode governar-se por contabilidade.
Assistimos à cesarização de um contabilista.
Pessoa Inédito. Fernando Pessoa. (Orientação, coordenação e prefácio de Teresa Rita Lopes). Lisboa: Livros Horizonte, 1993.
- 222.POEMA DE AMOR EM ESTADO NOVO
Tens o olhar misterioso
Com um jeito nevoento,
Indeciso, duvidoso,
Minha Marta Francisca,
Meu amor, meu orçamento!
A tua face de rosa
Tem o colorido esquivo
De uma nota oficiosa.
Quem dera ter-te em meus braços,
Ó meu saldo positivo!
E o teu cabelo — não choro
Seu regresso ao natural —Abandona o padrão-ouro
Amor, pomba, estrada, porta,
Sindicato nacional!
Não sei por que me desprezas.
Fita-me mais um instante,
Lindo corte nas despesas,
Adorada abolição
Da dívida flutuante!
Com que madrigais mostrar-te
Este amor que é chama viva?
Ouve, escuta: vou chamar-te
Assembleia Nacional
Câmara Corporativa.
Como te amo, como, como,
Meu Acto Colonial!
De amor já quase não como,
Meu Estatuto de Trabalho,
Meu Banco de Portugal!
Meu crédito no estrangeiro!
Meu encaixe — ouro adorado!
Serei sempre o teu romeiro...
Pousa a cabeça em meu ombro,
Ó meu Conselho de Estado!
Ó minha corporativa,
Minha lei de Estado Novo,
Não me sejas mais esquiva!
Meu coração quer guarida
Ó linda Casa do Povo!
União Nacional querida,
Teus olhos enchem de mágoa
A sombra da minha vida
Que passa como uma esquadra
Sobre a energia da água.
Que aristocrático ri,
O teu cabelo em cifrões — Finanças em mise-en-plis! —
Meu activo plebiscito,
Nunca desceste a eleições!
Por isso nunca me escolhes
E a minha esperança é vã.
Nem sequer por dó me acolhes,
Minha imprevidente linda
Civilização cristã!
Bem sei: por estes meus modos
Nunca me podes amar.
Olha, desculpa-mas todas.
Estou seguindo as directrizes
Do professor Salazar.
Fernando Pessoa - O Último Ano. (Catálogo da Exposição Comemorativa do Cinquentenário da Morte de Fernando Pessoa, organizada e coordenada por Teresa Sobral Cunha e João Rui de Sousa.) Lisboa: Biblioteca Nacional, 1985.
- .N. do A.: «o demoliberalismo maçónico-comunista»
[Carta ao Presidente da República - b]
Quer isto dizer, Senhor Presidente, que uma nação haja sempre de ser governada por chefes acentuadamente tais, que não haja período em que possam estar no poder os inteligentes sem aura e os patriotas sem prestígio? Não o quer dizer. O que porém quer dizer é que esse prestígio de chefe, desnecessário muitas vezes num governo de época normal, é indispensável num governo de época anormal, imprescindível num governo de autoridade. O que porém quer dizer é que o Prof[essor] Salazar, não tendo tal prestígio, nem maneira de o ter, se deixou investir da aparência d'ele. É a sua túnica de Nessus[.J
Ninguém pode legitimamente culpar o actual Presidente do Conselho de não ter qualidades que não tem; pode legitimamente fazer-se de, não tendo tais qualidades, pretender tê-las e ter-se colocado em situação de, não podendo tê-las, ser todavia necessário que as tenha.
Culpa-se o Prof[essor] Salazar d'isto: de ser incompetente para o cargo que assumiu.
Pessoa Inédito. Fernando Pessoa. (Orientação, coordenação e prefácio de Teresa Rita Lopes). Lisboa: Livros Horizonte, 1993.
- 229.[Carta ao Presidente da República - d]
Destinado assim naturalmente por Deus para executor de ideias de outrem, visto que as não tem próprias, de secretário de prestígio alheio, porque o não pode conquistar seu, o Prof[essor] Salazar quis alçar-se, ou deixou que o quisessem alçar, a um pedestal onde mal se acomoda, a um trono onde não sabe como sentar-se. Não conseguiram os titãs, e eram titãs, escalar o Olimpo; como o conseguirão os anões, condenados, para que possam parecer grandes, ao desequilíbrio constante das andas que lhes ataram às pernas?
Pessoa Inédito. Fernando Pessoa. (Orientação, coordenação e prefácio de Teresa Rita Lopes). Lisboa: Livros Horizonte, 1993.
- 231.