D'ali e D'aqui
Textos e Obras Daqui e Dali, mais ou menos conhecidos ------ Nada do que é humano me é estranho (Terêncio)
sexta-feira, 1 de julho de 2022
Carlos Coutinho - Biografando
Ricardo Araújo Pereira - Agasalhe-te, cidadão
quinta-feira, 30 de junho de 2022
Carlos Coutinho - Não se pode travar a memória
domingo, 8 de maio de 2022
Filipe - Chinita eu.comunista.
terça-feira, 3 de maio de 2022
Filipe Chinita - partido comunista português
segunda-feira, 2 de maio de 2022
Filipe Chinita - poesia
domingo, 3 de abril de 2022
Fernando Pessoa - Anti-Gazetilha
sábado, 2 de abril de 2022
Bruno Amaral de Carvalho - Os pássaros não cantam em Lugansk
José Pacheco Pereira - Portugal: o país que os portugueses estavam proibidos de conhecer
* José Pacheco Pereira
2 de Abril de 2022,
“Ah! Se os homens pudessem somente persuadir-se que a força não está na força, mas na verdade! “ (Tolstoi) – Cortado pela Censura
A Censura durou ininterruptamente 48 anos da ditadura. A PIDE e a polícia atacavam os corpos, a Censura atacava as cabeças. “Fazer” as cabeças necessita de tempo, poder, proibições, ameaças, violências diversas, matilhas de vigilância, medo e autocensura, mas “desfazê-las” é muito mais difícil. Isso significa que a “obra” da Censura ainda está connosco, sem reconhecermos a sua assinatura sinistra, o que a torna mais poderosa. A essa marca inconsciente de 48 anos, que os quase 50 anos de democracia não conseguiram eliminar, somam-se agora novos impulsos censórios vindos também das instituições, mas também “de baixo”, do activismo político à esquerda e à direita, e das redes sociais. É por isso mesmo que falar e mostrar a Censura (na verdade um complexo de censuras para os livros, os periódicos, para a música, o teatro, os filmes, a publicidade, tudo o que podia mexer com as cabeças) é a melhor pedagogia cívica nos nossos dias.
A essa marca inconsciente que os quase 50 anos de democracia não conseguiram eliminar, somam-se agora novos impulsos censórios vindos também das instituições, mas também “de baixo”, do activismo político à esquerda e à direita e das redes sociais
Na verdade, sendo a Censura poderosa pelo rastro de
interditos e “inconveniências” que deixou – um exemplo recente é falar das crises
estudantis dos anos 60-70 como se fossem apenas movimentos espontâneos de
revolta, minimizando o papel decisivo das organizações políticas clandestinas,
o PCP e os grupos esquerdistas, acabando por as “despartidarizar” como se o
papel dos partidos “manchasse” o valor dos eventos –, é também a mais fácil de
denunciar, quando se vai à sua realidade. E isso significa ir muito para além
da acção contra o explícito político, e ter uma concepção holística da Censura.
“parece que o autor esteve em qualquer vila, ou aldeia, e
escolheu para protagonista do seu romance a família mais asquerosa do povoado”
“as obras destes autores não devem ser consentidas em
agremiações operárias, por razões óbvias”
As “razões óbvias” explicam tudo. Visitemos o arranque e a moldagem da Censura nos anos 30 que a fez como existiu até 1974. O conflito entre a Itália e a Etiópia não podia ser comentado, porque isso era “propaganda antifascista”, do mesmo modo que não se podiam fazer “referências menos respeitosas para com o Chefe do Governo Alemão”, Adolfo Hitler. Aliás, condenar a invasão da Etiópia era proibido por “antibelicismo”. Como “propaganda inconveniente” eram cortadas as referências a “António José da Silva (O Judeu)” queimado pela Inquisição. Duarte Nuno de Bragança não podia ser identificado como pretendente ao trono português, mas a restauração da monarquia na Grécia era cuidadosamente protegida de dichotes.
Corrupção não havia e as negociatas da Sociedade dos Açúcares eram “cortadas totalmente”. Em Espanha podia-se falar de “escândalos”, por cá não. Violências também não, o país tinha “brandos costumes”. Por exemplo, não se podia saber que em Peniche um “motim”, provocado por protestos contra a prisão de pescadores que pescavam com dinamite, teve dois mortos. Violência sobre as mulheres, infanticídio, aborto, pedofilia, violações – tudo cortado.~
A religião era intocável e a Censura escondia dezenas de conflitos anticlericais. A queixa de um missionário sobre as dificuldades de ensinar a doutrina cristã aos indígenas, porque estes consideravam que as histórias de “Criador que rege o céu a terra” eram da mesma natureza das suas histórias com “leões, hienas e chacais” – subversivo.
Falar do analfabetismo no exército era antimilitarismo. Falar da lepra em Portugal? Proibido, porque era “assunto fechado”. Um jornalista estivera preso num local com muitos ratos – corte total. A tuberculose como “doença social” era perigosíssima para os censores: não bastavam sanatórios, mas ter vida “sem fome” – corte total. Não podia haver queixas sobre o “caríssimo” serviço telefónico, sobre a falta de assistência aos pescadores do bacalhau na Terra Nova, etc.
Suicídios, como se sabe, não havia. Era um país propício a
quedas em poços e a acidentes com armas de fogo. Uma “figura popular” teve um
misterioso “desaparecimento” (expressão muito usada para os suicídios) – corte
total “por se depreender que é suicídio”. Um tenente em Penacova fez um
desfalque e matou-se – corte total. A Greta Garbo chinesa, a atriz Ruan Lingyu
que se suicidara em 1935, era objecto de uma atenção detalhada da censura, que
suprimia com vigor as “doentias sugestões”.
Pintura de Almada Negreiros no Edifício do Diário de Notícias, em Lisboa. Retrata a sequência da redacção, produção, impressão, e distribuição de um jornal. Tem uma omissão deliberada: falta o envio das provas à Censura para esta poder proibir, cortar ou permitir o que se podia ler DR
A moral e os bons costumes eram, junto com a subversão, real ou imaginada, e o desrespeito o núcleo duro da acção da Censura. E nisso os censores, muitas vezes tratados como pouco inteligentes e ainda menos cultos e “burros” no sentido popular do termo, eram mesmo bons.
Não se podia saber que em Évora uma rapariga tinha desaparecido da “casa da família”, coisa assaz inconveniente. Umas “quadras em que se canta o amor prostituído, totalmente cortadas por imorais”. Uma “versalhada para fadistas” cortada “por porca”…
Quarenta e oito anos assim. O Portugal que aparece nos
cortes das censuras não era o Portugal que existia. Esse os portugueses não o
podiam conhecer. Alguns saudosistas de Salazar e alguns neo-saudosistas
actuais, que arranjam mil pretextos para legitimar a ditadura, lavando-a das
suas violências para diminuir a democracia, têm nesta matéria um osso duro de roer.
Eles sabem disso, eles sabem como foi, mas fazem de conta.
O autor é colunista do PÚBLICO
sábado, 5 de março de 2022
Filipe Chinita - Contra a guerra
03.03.2022
Sex, 13:11
* Filipe Chinita
contra a guerra!
.
eu
comunista
(e nunca imperialista)
não suporto mais
ouvir
as 'notícias'
e
mui menos
os 'comentários'
de 'jornalistas' e 'comentadores'
(excepto de alguns militares)
sobre a mesma
que
se revelam
ser de palavra.s!
- sentados nas suas cadeirinhas -
tão ou mais belicistas
do que aqueles
que
se guerreiam
em campo
pois que
só defendem e promovem
- sem responsabilidade alguma -
o acentuar generalizado.
da mesma... de que
todos! poderemos
vir a padecer
senão
mesmo
a morrer
ou
a desaparecer
.
isto
além do histerismo
quasi.generalizado
(quando
não já violência.
física e verbal)
que já reina...
nas mentes
de alguns/
umas
.
um bom dia
para todos
os
que
'almejam' a paz
de palavras
e
de actos
.
fj
12.38
04.03.2022
apago-me e retiro-me
de mais comentários
sobre... esta
des.dita
.
o meu coração está com
todos! os que sofrem
(milhões)
com
a guerra
________________________________________________________
está
em marcha
mais uma grande campanha.propagandística imperial
servindo-se vergonhosamente da guerra
da violência da destruição e da morte
como su.porte... da mesma
.
quem
o não consegue ver
é apenas...
alienadamente
cego!
13:53
'sociologia
política'
.
os
mesmos
(estranhos) seres
que nunca antes
foram solidários
com
outras guerras!
bem mais destruidoras do que até agora... esta
nem com os refugiados das mesmas...
adoptando reaccionárias posições
de qussi.extrema-direita
são agora
mui subitamente
solidárias
com esta guerra
estes refugiados
unindo-se contra
tudo o que é
russo
.
incluso
contra toda a arte
e desporto/istas
daquele
povo
.
porque
será
?!
.
pensem
um pouco
sintam um pouco.
e
estranhem-se...
ou
entrenhem-se
um pouco
mais
.
o sempre
vosso
fj
13.16
05.03.2022
e
nem
já falo
de 'jornalistas'
domingo, 27 de fevereiro de 2022
Filipe Chinita - breve estarei a viver na rua
* Filipe Chinita
breve estarei a viver na rua
Dom, 23:37
nunca
imaginei...
poder haver seres
que tanto nos bajulem...
- pública e privadamente - pela frente...
tão mal nos mal.dizendo... pelas costas
.
fj
22.34
27.02.2022
Qui, 22:00
comunista
.
(eu)
sou comunista
.
não!
vazo o marxismo
para o plástico lixo dos dias
nem para o caixote do lixo da história
.
mui menos
o seu método dialéctico de pensar e agir
que praticamente já quasi.ninguém
sabe usar... e menos ainda...
pratica
.
comunista.
materialista.dialéctico e histórico
portanto o mais in.comum.e rasteiro dos seres
rente ao chão... qual a pene.planície
em que nasci... levantado
da mesma
.
comunista.
alentejano.
e desde sempre!
benfiquista. e
vermelho!
.
comunista.
da
planície
do latifúndio
- de sol a sol -
da quinta dos pretos.escravos!
.
comunista.
da mineral
milenar - de humanos -
proletária e resistente aldeia/vila de escoural
.
comunista.
p'la construção da sociedade socialista
em todo o planeta/terra
tendo como fito último e primeiro...
atingir a civilização
comunista
.
comunista.
nada pois...
tenho a ver com o.s imperialismo.s
segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022
Poesia de Filipe Chinita
20.02.2022
e
ainda
me vêm falar... sem corar
de democracia e
liberdade...
decerto!
que apenas... a dele.s
.
e
o malvado... putin
(com o qual nada tenho a ver)
é que... propagandeia
quando só a favor
da ucrâcia
todos!
falam
só
sempre!
(os) ucraniamos
de cá e de lá...
ouvindo
.
ah
e claro
ainda é... professor universitário
21/02/2022, 00:40
Filipe
Filipe Chinita
ponto da situação política
.
eu
digo-te... qual
(é) a 'sublime' diferença:
se... não me desviar.em
da minha paz e silêncio
eu passo um inteiro dia
em plena concentração
de mim... escrevendo
em íntegro labor... de
(s)em horas.sem fim
sem me perder
com nada mais
e
inteiramente
feliz.de mim
e do que
faço:
servir o.s
outro.s
.
fj
23.47
20.02.2022
'talento'
é apenas trabalho
e trans/inspiração
.
ah
e mesmo....
de rabo ferido.em sangue
em
casa alheia.sem nada de meu
completamente paupérrimo
de tudo
a
320 euros mês
cuidando
de minha mãe.de 85 anos
(vai para mais de dois anos)
sem liberdade alguma
sem ternura alguma
sem amor
algum
.
inteiramente
dependente...
da boa vontade
de outros.e de outrem
______________________________
ou
ainda... do 'choro':
nunca
te queiras ver na situação
em que me encontro eu
absolutamente
manietado
pela
realidade
concreta
.
inteira
mente livre...
(apenas)
dentro de mim mesmo
sem já o meu próprio corpo
dominar... na sua totalidade
sábado, 19 de fevereiro de 2022
Xoto - Setubalense - Amo-te Setúbal
Poesia de Filipe Chinita - um dia... em vão
19/02/2022, 21:46
um dia... em vão
.
já
não aguento...
nada
.
(nem) sequer
uma dose
só
para mim
(habituado... que estou
a tudo dividir...
por dois)
.
estou já mortal...
a todo o tempo
.
como sempre
aliás.somos
.
mas agora
mui mais
.
cheguei
a morrer...
desta aventura
de máquina.s de café
e (de) torradeira.s
no comercial
colombo...
worten
.
peça
de substuição...
nem pensar...
malgré...
tudo feito
na república popular da china
ao preço... da uva
mijona
ao serviço das 'marcas' todas!
do capitalismo
mundial...
.
para que serve então o capitalismo?!
se quasi.tudo! dele... e delas
é produzido na
china
esses malvados... 'falsos comunistas
vendidos... ao capitalismo'
que querem 'dominar'
o ocidental
mundo...
'livre'
.
fj
20.35
19.02.2022
e
assim
se passou mais um dia
só... estirado no sofá...
recuperando
-me
.
um dia
fora dos meus ritmos
é já de si quasi.mortal
.
então sem o meu café
matinal... que
dizer...
?!
foi um dia...
como se não contasse
para a (minha)
vida...
de
tal forma
mal-disposto... fisicamente
que só a minha mãe janta
(o nosso arroz.de sempre)
com
o folhadinho de carne
que lhe... trouxe
da nobel...
versaille.s
pejada
de jovens empregadas
vindas do outro lado
do atlântico
.
fj
20.40
19.02.2022
então...
boa noite.a todos!
20/02/2022, 21:40
Filipe
Filipe Chinita
o
faz tudo.
da 'democracia'
e 'liberdade' de adão e silva
em toda a televisiva
comunicação
pátria
.
ele
é comemorações
dos 50 anos do 25 de abril.
ele
é canal 1.ao domingo.
ele
é canal 6.à semana
aqui.sempre a favor
do sistema
social-democrata
do capital
ismo
.
ele
é sport tv
(como que representando
o sport lisboa e benfica)
aqui.sempre em discurso
contra
o seu dito clube
decerto que
cor de
rosa
.
fj
21.04
domingo, 13 de fevereiro de 2022
João Ramos de Almeida - A lã e a neve liberais do Estado Novo
"A Lã e a Neve", do Ferreira de Castro, um "romance proletário" passado na Covilhã - , teve a sua primeira edição em 1947, durante a II Grande Guerra, e lê-lo hoje é uma máquina do tempo: pelo que descreve, pela linguagem usada, pelos sentimentos contidos, pelos personagens que nos ressoam a familiares distantes e - é aí que eu quero chegar! - pela desigualdade social tão fortemente hierarquizada e pelo consequente desamparo em que as pessoas viviam.
Um desamparo a que nos arriscamos a viver cada vez mais, caso as arcaicas e interesseiras teses liberais se reforcem - ainda mais! - no país. A história começa asssim:
O jovem Horácio volta alegre a casa, a uma aldeia de Manteigas, depois de ter feito a tropa. E vem cheio de ideias. Viu Lisboa e o Estoril, as casas, os jardins, a limpeza das ruas e não lhe agradam mais como se vive na sua terra. O escritor é exímio:
Casas "negregosas, velhentas, colavam-se umas às outras, com a parte inferior de granito escurecido pelo tempo e a parte cimeira com folhas de zinco enferrujadas a revestirem as paredes de taipa, mais baratas do que as de pedra. Este e aquele casebre exibiam apodrecidas varandas de madeira e outros, mais raros, umas escadas exteriores, coroadas por um patamarzito quadrado, logradoiro do mulheredo nas horas do paleio com as vizinhas".
Horácio tenta convencer a noiva Idalina a adiar o casamento para que possam viver o seu sonho. Quer deixar o pastoreio que lhe rende pouco e que o faz estar meses afastado, sozinho pela serra de neve, com os animais. Quer fazer-se empregar numa fábrica de lanifícios da Covilhã para ganhar mais e conseguir juntar dinheiro para terem uma casa, limpa, com quintal, onde possam crescer os filhos saudáveis. Mas Idalina tem medo que o casamento se adie para sempre. Não vê como vai ele arranjar esse dinheiro. Horácio insiste e acha que convenceu a Idalina. Mas o sonho mal limado esbarra em obstáculos.
Fala com o padre, pede-lhe ajuda, mas as fábricas não estão a abrir as portas. Horácio já tem mais de 20 anos e ser aprendiz não é tarefa de mancebo. Além do mais, as fábricas estão limitadas a contratar até 20% de aprendizes. Está tudo cheio. Sai acabrunhado. Encontra o seu parceiro que o deixa pensativo. Ele não trocaria a liberdade pela fábrica, fechado no fio das horas, sem fim. Mas na arte de pastoreio também não se faz fortuna. Rebanhos próprios pouco se aguentam. É uma dor de alma, mas tem de se vender ovelhas para comprar cabras que tudo comem.
Horácio vai à Covilhã que já a sente comesinha face a Lisboa, e a sua esperança esvazia-se. A mesma história das fábricas sem empregos. Horácio amaldiçoa a escolha para padrinho feita pelos pais. Outro galo cantaria se fosse aquele outro com os seus terrenos comprados aos camponeses em dificuldades e que montou em toda a região fábricas cheias de operários, onde os seus apadrinhados têm sempre lugar porque quando há greves, os apadrinhados não alinham. Tudo lhe parece afundar-se. E se isso não bastasse, os pais estão contra o seu sonho. Lá muito a custo contam-lhe porquê.
Na sua ausência, o pai adoeceu e tiveram de pedir dinheiro emprestado para o tratar. Não conseguiram hipotecar a propriedade. E a última pessoa a quem pediram foi ao patrão do Horácio, o dono dos rebanhos, a quem garantiram que o que ele ganhasse era para pagar a dívida contraída. Horácio vê-se assim obrigado a ter de trabalhar sem ganhar. O pai ainda lhe propõe que se venda a pequena courela que os pais tinham: "Assim como assim, era para ti". Horácio não aceita. Mas fica a roer-se. E nada pode dizer por causa desse segredo dos pais. Quer contar a Idalina, mas não pode.
Idalina faz perguntas, mas a medo. Fica triste, em silêncio. Conta aos pais que intervêm, como se o rapaz quisesse esquecer o casório. Filho e pais prometem que nada se altera, sem explicar o que se passa. Mesmo tendo estado longe de Idalina durante todo o tempo da tropa, Horácio decide regressar quanto antes ao pastoreio. Quanto mais cedo pagar a dívida, melhor.
Veste o seu capote de pastor, assobia ao cão que vem todo feliz ter com ele. A felicidade do cão agredi-o e Horácio atira-lhe uma pedra à pata que o deixa a mancar. Nunca mais o cão saltará feliz à sua frente. Horácio vai ter com a Idalina ao campo onde ela está a sachar. É uma cena de filme.
Ela triste porque mal esteve com ele e ele a justificar-se que quer acabar com a dependência do seu patrão, desejoso de lhe dizer o que vai na alma, mas não lhe sai. E o tempo silencioso, de poucas palavras, marcado pelo som ritmado das enxadas na terra, como um relógio a empurrar o encontro para o fim porque ela foi contratada para sachar e não para estar ali a conversar. Ele afasta-se com o cão para meses de invernia.
O que ressalta desta história? Para mim, a ausência do papel interventivo do Estado.
Um Estado capaz de conceder a justiça social onde reina a primária desigualdade, o regime imperial de classe que advém do domínio da propriedade e da propriedade dos instrumentos de produção. Os pais de Horácio teriam tido uma assistência médica universal e - mesmo que fosse! - "tendencialmente gratuita", paga pelos impostos que incidiriam sobre quem mais tem, e não precisariam de se endividar ou de aprisionar o futuro do seu filho, obrigado agora a trabalhar sem nada receber para si, para pagar uma dívida estúpida. Pugnar hoje pela redução da "carga fiscal", cheira a pedir a desobrigação por parte dos mais ricos de contribuir em prol dos mais pobres. Um regresso à selvajaria.
Para ter um emprego do seu agrado, os trabalhadores pobres não teriam de esperar reverencialmente pelo apoio impotente do padre da aldeia ou do beneplácito interesseiro dos padrinhos da terra, nem ter de condicionar a sua opinião ao emprego garantido pelos padrinhos. Hoje, os trabalhadores inscrevem-se em agências de trabalho temporário ou em plataformas que os transformam em trabalhadores por conta própria, isolados, trabalhadores desmaterializados, erxplorados até ao tutano, a pensar que estão sozinhos na sua vida. Os serviços públicos de emprego foram privatizados e os empregos deixados ao abandono por uma autoridade pública de regulação ou mesmo judicial que deixam que a lei que não seja aplicada (consultar o Código de Trabalho a partir do artigo 139º sobre as modalidades de contrato de trabalho).
Resta esperar que os representantes do Estado de hoje saibam governar no sentido de impedir que a vida de trabalho não seja uma vida de pobreza e que haja empregos para quem queira trabalhar (no 4º trimestre de 2021, a taxa de subutilização do trabalho ainda rondava os 12%) e ter uma vida que possa garantir uma casa condigna, mesmo que a referência ainda seja a ilusória zona senhorial do Estoril, já reconstruída e reforçada por todos os donos que fingem hoje nada se lembrar do passado em que foram reis de todos, ao mesmo tempo que apoiam a liberdade sem intervenção do Estado, como se fosse uma moda moderna.
Depois, conto-lhes o que aconteceu ao Horácio.