16/08/2016 por Elisabete Figueiredo
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‘A raging torrent of emotion, that even nature can’t control – Niagara’*
Há um filme de 1953, de Henry Hathaway, cujo trailer* começa assim… uma torrente de emoções que nem a natureza pode controlar… ao mesmo tempo que vemos as águas precipitando-se furiosa e descontroladamente formando as cataratas do Niagara. O filme tem, entre outros, Marilyn Monroe no papel de vilã. Há uma fotografia tirada durante a rodagem desse filme, no Tower Hotel, o mesmo onde estou. O restaurante do 26º piso chama-se também Marilyn.
Eu estou no 27º piso do Tower Hotel que basicamente parece um depósito de água. Uma coluna altíssima onde apenas existem os elevadores e no cimo dela 4 ou 5 andares, em redondo, formam o hotel. Quando reservei vi a torre, mas não me apercebi que o hotel era a própria torre. Reservei igualmente um quarto com ‘city view’, porque os com ‘falls view’ eram demasiado caros. Qual não foi, assim, o meu espanto, quando entrei no quarto, que é praticamente todo envidraçado, e dei de caras com as cataratas. Não as Horseshoe falls, as canadianas, mas as mais modestas (mas não menos impressionantes) American falls. Ganhei o dia e esqueci as vertigens. Passei longos momentos sentada no parapeito interior da janela a olhar para aquilo e a pensar ‘que maravilha’. É, de facto, uma maravilha a vista. Ainda há bocado as cataratas iluminaram-se de várias cores e eu estava feita parva, de boca aberta, do alto do depósito de água a olhar para aquilo e a sentir um misto de admiração e crítica.
Mas antes deste momento de luz e cor, apreciado da janela do meu quarto, viajei entre Toronto e as Niagara Falls de comboio. Apanhei-o na Union Station. Era o mesmo comboio que vai para Nova Iorque. A viagem iniciou-se às 8 e 20 e terminou, para mim, às 10 e 16 da manhã. Para quem viajava para Nova Iorque, a viagem prosseguiu por mais umas 8 horas. Quando saio da estação dos comboios o que vejo é uma cidade desoladora, de casinhas baixas, algumas bastante maltratatadas. Não me informei convenientemente sobre como chegar à cidade e por isso (e pela mala pesadíssima) apanho um taxi. O taxista é, de novo, emigrante de um qualquer país africano. Desta vez não me inteirei da proveniência do meu condutor temporário. Ele, ao contrário, pergunta-me se sou americana. Que não, credo, sou portuguesa. ‘Portugal… the country of the great Cristiano Ronaldo!’, exclama! Que sim, digo-lhe eu. Que hei-de fazer se não conformar-me que o Ronaldo é, provavelmente, o único português que muita gente no mundo conhece. Há uns anos as pessoas diziam: ‘Portugal? Eusébio!’… o meu país é uma equipa de futebol, apenas, ao que parece. Tanto que o taxista acrescenta embevecido que fomos campeões europeus, na França. Sim, sei, digo eu. E ele diz que gosta mais do Ronaldo que do Messi. Estou para lhe dizer que não sei qual é a diferença entre um e outro, mas resolvo recusar-me a falar de futebol e apenas sorrio e aceno com a cabeça.
O táxi deixa-me à porta do hotel pouco passa das 10 e meia. O quarto, obviamente, não está pronto. Deixo as malas e saio para ver as cataratas. Esta parte da cidade é o oposto do que vi quando saí da estação. Arranha-céus, movimento, casinos, pessoas e pessoas e ainda mais pessoas… Desço no pequeno funicular, depois de beber um expresso no Starbucks da esquina, até ao Niagara Falls Visitor Center. Não compro bilhetes para nada, quando lá chego, apesar da enorme profusão de ofertas. Saio para a rua e vejo de perto o que já tinha vislumbrado no funicular. Vejo as enormes torrentes e mais que ver, ouço as águas rugirem com tal força que é impossível não sentir respeito. E um pouco de medo, sim. Estou do lado canadiano e não penso entrar hoje nos Estados Unidos, embora fosse fácil percorrer a Rainbow Bridge, mais à frente, e atravessar a fronteira. O tempo que perderia na alfândega, porém, desencoraja-me e vou andando apenas ao longo do Niagara Parkway e tirando muitas fotografias e sentindo as gotículas da água molharem-me. Não está demasiado calor hoje e isso é tão bom para variar dos últimos dias em Toronto que não me importo de me molhar. As quedas de água, de ambos os lados da fronteira são impressionantes. Torrentes de emoção, absolutamente. Incontroláveis, ruidosas, magníficas. Portanto, eu mesma sou tomada por uma paixão súbita pelas cataratas do Niagara. E deixo-me apaixonar perdidamente.
Tomada pela súbita paixão, decido que aquela vista que tenho do Niagara Parkway não pode ser suficiente. Quero outras perspetivas, outras vistas, quero ouvir o rugido da água de outras maneiras. Reentro no centro de visitantes e compro um bilhete para ‘the journey behind the falls’. Ainda hesito entre isso e o barco – o ‘Maid of the Mist’, mas ao ver os barcos humildes face à fabulosa queda de água em forma de ferradura, decido que não tenho coragem. Vou portanto à viagem por trás das cataratas que, basicamente consiste em percorrer os tuneis subterrâneos e ver as cataratas a partir de baixo. Dão-nos uma capa amarela, de plástico, recomendam que só a vistamos quando chegarmos aos túneis, devido ao calor, e ala. Nos tuneis parece outra vez que estou numa sauna. Uma sauna barulhenta e bastante povoada. Parece o metro no Campo Grande, às horas de ponta. Apesar disso, o percurso faz-se bem, com cuidado para não escorregar no chão húmido. Há dois decks de observação das cataratas e a perspetiva é fabulosa. Estamos por baixo de um dos lados (o esquerdo se estivermos de costas para a queda de água) da Horseshow Fall e o que vemos e ouvimos é inesquecível. Eu, pelo menos, não me vou esquecer.
Fico bastante tempo a olhar para aquilo embasbacada. É grandioso. É poderoso. Parece incontrolável e que a qualquer momento toda aquela água vai desabar mesmo em cima de nós. Seria desastroso, obviamente, mas deve haver muito piores maneiras de nos despedirmos desta vida, suponho. Quando saio dos túneis venho (outra vez) um bocado tonta. Está visto que não sou pessoa para altas temperaturas e muita humidade. Bebo água, respiro fundo, sento-me num banco e melhoro passado um bocadinho. Tanto que até fumo um cigarro, descansadamente. A seguir como alguma coisa numa cadeia de comida qualquer, sem história e depois avanço para a Skylon Tower. Se vi as cataratas a partir de baixo, parece-me óbvio que tenho de as ver agora a partir de cima. A Skylon Tower tem cerca de 230 metros e depois de uma incrível viagem de elevador oferece-nos uma vista deslumbrante sobre as cataratas e sobre a cidade… embora esta última tenha pouco de deslumbrante para meu gosto. Está muito fresco lá em cima e deixo-me ficar a tirar fotografias e mais fotografias.
Quando saio da Skylon Tower caminho em direção ao hotel, já são quase 4 da tarde e o quarto já deve estar mais que pronto. Está. Estou no 27º piso… o resto da história sobre o quarto já a contei ali atrás. Passo um grande bocado sentada no parapeito interior da enorme janela a olhar para as cataratas americanas e para a Rainbow Bridge. De repente lembro-me que me falta ainda outra perspetiva das cataratas. A vista mesmo de cima para o grande buraco cheio de névoa. Lembro-me também do restaurante no 26º andar e das vistas que promete nos cartazes que estão nos elevadores. Desço um piso pelas escadas. Ali está ele. Abro a porta e uma rapariga simpática pergunta-me quantos somos. Digo que sou só eu, mas que não venho jantar. Venho só ver a vista. Posso? Claro que sim, diz ela, extraordinariamente simpática,e a seguir: ‘I love your shirt’, apontando para a coisa azul que trago vestida. ‘Thank you but I think I look a little bit like Batman in pale blue’ – respondo ao mesmo tempo que abro os braços para ilustrar melhor. ‘No, no, no’ – diz ela – ‘you look just like a goddess!’. Ora bem. Pois evidentemente. Tenho de me lembrar de agradecer à Lanidor por me fazer parecer uma deusa. E já agora, se alguém da Lanidor me estiver a ler, acho bem que se lembrem de me recompensar por vestir as vossas roupas e fazê-las serem apreciadas aqui tão longe… (just saying… ).
Após este interlúdio muito ‘girly’, aparece um rapaz que me pergunta novamente se sou só eu. Digo que eu sou só eu, sim, mas que não venho jantar. Venho só ver as vistas. Com certeza, sorri ele e pergunta-me: ‘where is your camera?’… ‘in my bedroom, upstairs’. Ele ordena-me praticamente que vá buscar a máquina fotográfica e tire fotografias. Eu obedeço, pois claro. Fico depois a pensar que, se isto fossem em Portugal, nos sítios mais turísticos, jamais me deixariam entrar, quanto mais tirar fotografias!
É por estas coisas que fiquei a gostar do Canadá (bom, de Toronto e agora de Niagara Falls) e dos canadianos. Têm sempre um sorriso. São sempre prestáveis. Pedem sempre desculpa e dizem sempre obrigada. Um povo cheio de urbanidade, já o disse ontem. São 2 e meia da manhã aqui. Sete e meia em Portugal. Vou refletir ali para a janela, a olhar outra vez para as torrentes de água incontroláveis, a ouvir o seu rugido poderoso. Talvez nunca mais as veja na vida. Ainda bem que as vi ao menos uma vez na vida.
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