Por mais que tentem descafeinar a Revolução, as direitas deste país não têm motivos para querer comemorá-la.
* Manuel Loff
17 de Abril de
2024
Nos 50 anos do
25 de Abril e da democracia em Portugal, é de novo a direita que está no
Governo. Parece a maldição dos anos terminados em 4: salvo nos 25 anos (1999),
os aniversários redondos da democracia foram comemorados em contracorrente com
governos de direita que se sentiram sempre incomodados com quase tudo quanto o
25 de Abril significou nas nossas vidas. Foi assim em 1994 (Cavaco) e em 2004
(Durão); duas das comemorações (1984, Bloco Central PS/PSD, e 2014, Governo
Passos PSD/CDS) coincidiram com os dois piores períodos de devastação social
provocada por políticas de austeridade que obrigaram a reavaliar o que restava
da democracia que o 25 de Abril criara.
Por mais que
tentem descafeinar a Revolução, as direitas deste país não têm motivos para
querer comemorá-la. A memória da Revolução continua a irritá-las de
sobremaneira (veja-se 25 de Abril. Revolução e mudança em 50 anos de memória,
livro que está prestes a sair e que coordenei com Miguel Cardina). A libertação
de Portugal e das colónias não foi simplesmente uma mudança de regime com o
desmantelamento da polícia política (ao contrário da transição espanhola, por
exemplo) e o reconhecimento da independência dos novos países africanos – o que
já não seria pouco! O 25 de Abril foi a conquista de direitos dos trabalhadores
das cidades e dos campos, “A terra a quem a trabalha!”, o direito à habitação,
o início do longo processo de emancipação das mulheres (ainda que muito ficasse
por conquistar nos direitos sexuais reprodutivos) – justamente o que enfurece a
falange de ressentidos que Passos juntou há dias em torno de um livro rançoso.
O 25 de Abril foi a derrota do autoritarismo e da violência de Estado nas suas
formas herdadas do fascismo dos anos 30; e foi o fim da guerra, produto da
denúncia do colonialismo, que mudou, ainda antes da Revolução, a forma como a
imensa maioria dos jovens imaginavam Portugal e se definiam como portugueses. Na
admirável síntese que o Presidente Costa Gomes fez em 1974 perante as
Nações Unidas, tomara-se a decisão coletiva de “não mais admitir trocar a
liberdade de consciência coletiva por sonhos grandiosos de imperialismo
estéril”.
O 25 de Abril
não foi de forma alguma um “golpe de Estado” clássico. Resultou da iniciativa
de uma geração de jovens capitães, 30 e poucos anos, formados todos nas escolas
militares impregnadas de colonialismo, nacionalismo autoritário e lições mal
aprendidas da Argélia e do Vietname, valores que, em África, na guerra,
começaram a repudiar. Derrubada a ditadura, sustentada, afinal, apenas sobre o
medo da repressão e a opção irreversível pela guerra, mas sem que ninguém se
quisesse bater por ela, a Revolução irrompe pela força irreprimível de todo
aquele povo que, contra a vontade (ou a expectativa) do MFA, invadiu não apenas
as ruas, entre cravos e aplausos, mas cercou a sede da PIDE/DGS e as prisões
políticas para exigir a libertação dos presos. Da mesma forma, se se chegou, ao
fim de poucos dias, a um cessar-fogo nas colónias, foi por vontade dos oficiais
e soldados que, na mata, desesperavam por uma solução política para a guerra, e
dos guerrilheiros africanos que não ficaram à espera do que se decidisse em
Lisboa. O MFA vinha prometer o fim da guerra (era essa a mensagem essencial do
seu programa); mas o calendário que alguma vez terá imaginado foi antecipado
pela vontade das centenas de milhares de jovens empurrados, ano após ano, para
África. O 25 de Abril foi a vontade simultânea dos capitães de fazer a paz e a
perceção do povo português de se ter aberto uma oportunidade única de
democracia genuína, sem medo e sem guerra.
Desde Sá
Carneiro, que comparou aqueles anos a uma “opressão siberiana”, até Cavaco, que achava que quem fez a Revolução
era “gente [que] não [estava] boa da cabeça” e que Portugal se “[parecia] um
país de loucos” (Autobiografia Política, 2002), as direitas continuam a
detestar o 25 de Abril. Nada de mais natural: a nossa democracia nasceu num
“dia inicial inteiro e limpo” que abriu as portas de uma Revolução. E é por
isso que comemorá-la não é, nem por um minuto, um ritual oco e sem utilidade.
Nos tempos que correm, poucas festas podem ter mais valor prático!
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