segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Santos, finados, famílias, flores, bruxas e abóboras: a confusão e o negócio


2 de Novembro de 2015, 14:14

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Hoje é o dia dos Finados. Tornado banal pela via do défice de espiritualidade e da escassez de memória, que as sociedades vão gerando crescentemente. Só conta o presente (essa aparente realidade que se esfuma instantaneamente) e o futuro (tantas vezes reduzido ao dia-seguinte).
Dois dias antes, a sempre ansiada quebra da rotina tornou num “happening” urbano a celebração do dia 31 de Outubro. Não tanto inserido na espiral inflacionista de dias consagrados a tudo e a nada (neste caso, trata-se, do Dia Mundial da Poupança, ainda que esta ande pelas ruas da amargura). Mas, de há uns anos a esta parte, porque mais associado ao chamado Dia das Bruxas (mais conhecido pelo termo inglês Halloween), importado da tradição americana e britânica e, por sua vez, herdado dos druidas celtas.
Curioso é o facto de a expressão inglesa ser uma corruptela de All Hallow’s Eve  (Vigília de Todos os Santos), uma espécie de “vésperas” do Dia de Todos-os-Santos (Festum omnium sanctorum) celebrado a 1 de Novembro pela Igreja Católica.
Halloween é, por cá, acontecimento muito recente e urbano. Mas vai ganhando, mais notoriedade e expressão sobretudo nas camadas jovens da população. A sociedade de consumo agradece mais esta oportunidade a juntar a uma série infindável de dias disto ou daquilo que sempre movimentam bens, serviços e dinheiro. As redes sociais tornam mais alargados e globais estes festejos. As cucurbitáceas abóboras sentir-se-ão socialmente promovidas, olhando, com algum desdém, para as flores (inchadas no preçário) que se depositam junto dos que já partiram.
Já a o Dia de Todos-os-Santos (popularmente “fundido” com o Dia dos Finados, o que também tem o seu significado, unindo a santidade e o caminho para a comunhão com Deus) sofreu, para os fiéis católicos, um duro golpe com a supressão do feriado obrigatório. Assim ordenou a lógica pseudo produtivista dos tempos que correm. Este dia, aliás, era, não apenas para os crentes mas para a população em geral, um dos mais significativos e importantes para as famílias. Porque precede o Dia dos Fiéis Defuntos, é uma data em que as famílias têm o natural desejo de irem às suas terras e origens para homenagear e evocar os seus mortos. Ou seja, mesmo fora do contexto religioso, o Dia de Todos-os-Santos é, a seguir ao Natal, o dia de reencontro familiar. Lamentável que tenha sido um Governo que se proclama defensor dos valores familiares a decretar esta situação, ainda que a mando dos credores, imagine-se!
Em suma: ganhou a feitiçaria, perdeu a memória. Assim se desvanece o passado e se enaltece a mera fruição do presente. E a abóbora parece vir tomando o lugar das flores. Como diz o provérbio “a abóbora e o nabo ao fim de três dias enganaram o diabo”. Que diabo? Cada qual que dê a sua resposta…
Parece que há ideias que apontam no sentido de restabelecer alguns dos 4 feriados suprimidos ou suspensos. O que se fala mais é do dia 1 de Dezembro, Dia da Restauração da Independência Nacional, sem dúvida uma efeméride significativa para a Nação Portuguesa. Mas, do ponto de vista dos valores fundamentais que constituem o acervo de uma Nação, sou de opinião que o valor humanista e solidário da família, enquanto única instituição natural e universal, e a diacronia entre os que já nos deixaram e os que prosseguem o caminho da vida, não podem ser considerados apenas num segundo plano. Independentemente de se ter fé ou não.
Mas, para os cristãos — como eu — o seu significado é acrescido porque a comunhão com os santos e a comunhão com os defuntos se juntam na única família de Deus: “Todos os que somos filhos de Deus e formamos em Cristo uma família, ao comunicarmos uns com os outros na caridade mútua e no comum louvor da Santíssima Trindade, correspondemos à íntima vocação da Igreja” (Catecismo Católico, 959).
http://blogues.publico.pt/tudomenoseconomia/2015/11/02/santos-finados-familias-flores-bruxas-e-aboboras-a-confusao-e-o-negocio/

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