11/11/2015 por Carla Romualdo
Na pensão de sobe-e-desce, a empregada sacudia as colchas para a rua. Olhos concupiscentes fixaram-se nelas. Esvoaçavam com o pesadume dos tecidos velhos, gastos, deformados. A empregada sacudia-as com esforço, um rosto cansado e sofrido, uma imigrante de leste que trabalha sem folgas. Os velhos que passam o dia à porta da pensão conhecem o ritual das cinco, o sacudir das colchas. Não têm dinheiro para subir, limitam-se a andar pela rua, de trás para a frente, a meter conversa com as meninas, que são quase todas cinquentonas, à espera do milagre, da benesse, do dia em que as encontrarão de cabeça tão perdida, ou de coração tão apertado, que lhes darão uma borla, só para dizerem que não foi por dinheiro, só para se sentirem mais livres. Mas o dia nunca chega, ou pelo menos ainda não chegou. E eles andam sempre por ali, pés cada vez mais arrastados, a ver que se lhes acabam os dias e nada de amores.
Há quem se deite debaixo daquelas colchas, mas eles não. As colchas a arejar à janela são o único que conhecem do quarto, o mais próximo que chegarão. E por isso as olham como se de uma aparição se tratasse, tão esplendorosamente erótica, tão provocadora.
E elas, as mulheres, encostadas à parede, a vaguear para cima e para baixo, a bater com os tacões no chão para aquecer os pés enregelados, a rir umas com as outras, a fumar cigarros, a pintar os lábios, a praguejar contra o rapazola de mota que as insultou, a telefonar para a filha a saber se o catraio já não tem febre, a fazer de tudo menos caso aos velhos, os que não lhes podem pagar. Riem-se deles, os pobres trouxas, sempre por ali, a cobiçar, a invejar os que podem pagar, a sonhar que um dia lhes vai sair o euromilhões, só se for isso.
Às cinco da tarde, as janelas abriram-se, a empregada assomou-se com a colcha verde nas mãos, os velhos levantaram os olhos e uma das meninas, que de menina já perdeu tudo menos o título, disse, enfastiada.
– É só para inglês ver. Nunca as lavam, nunca as trocam. São sempre as mesmas.
Os velhos não a ouviram. Olhos pregados na janela. A esvoaçar, lá em cima, estava uma promessa de júbilo pela qual valia a pena passar os dias à espera. Ainda que nunca chegasse.
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