sábado, 7 de maio de 2016

Os tempos estão prenhes

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Leonor de Almeida Portugal de Lorena e Lencastre
As Luzes de Leonor
A escritora Maria Teresa Horta recusou receber um prémio literário das mãos do primeiro-ministro e deixou-me pensando nas três leonores do século XVIII.
A primeira Leonor foi Leonor Tomásia de Távora. Há exatamente 257 anos, no dia 19 de setembro de 1755, Leonor de Távora desembarcou em Lisboa vinda do Estado da Índia Portuguesa, onde tinha sido vice-rainha junto do seu marido, o Marquês de Távora. O navio em que chegaram chamava-se Bahia de Todos os Santos; atracou no Terreiro do Paço e os esposos, considerados a primeira família nobre do reino, foram por uma prancha até à Casa da Índia, onde pisaram terra; dali seguiram para Belém, a beijar a mão aos reis. Menos de dois meses depois, o Grande Terramoto destruiu Lisboa. Leonor de Távora recebeu os desalojados do sismo no seu palácio de Galveias, ao Campo Pequeno, e tal como o seu confessor Malagrida explica a catástrofe como sendo um “castigo de Deus”. Entra em choque com Sebastião José de Carvalho e Melo, que se tornou no novo homem forte do reino. Três anos e poucos meses depois de ter chegado, a primeira Leonor foi decapitada.
A segunda Leonor foi Leonor de Almeida Portugal de Lorena e Lencastre. Foi sobre ela que Maria Teresa Horta escreveu um livro de mil páginas, As Luzes de Leonor. Esta segunda Leonor nasceu em 1750 e a partir da idade de oito anos passou quase duas décadas presa num convento, em Chelas, também por causa do processo dos Távoras. A segunda Leonor foi também marquesa, a Marquesa de Alorna, mas na poesia era conhecida pelo seu nome de Alcipe. O livro de Maria Teresa Horta é como uma espécie de grande árvore, e cada ramo ou cada folha tem um pedaço da história da segunda Leonor: um acontecimento, um poema, um excerto do diário, uma leitura de Voltaire ou Bayle, os primeiros passos em liberdade, as viagens pela Europa, o regresso a Portugal e os novos exílios. Espero que vá ser lido ainda por mais gente nos próximos tempos.
A terceira Leonor é a minha favorita, Leonor da Fonseca Pimentel. Nascida de pais portugueses em Roma, no ano de 1752, a terceira Leonor foi logo bilingue em português e italiano, e depois poliglota; aprendeu latim e grego, depois francês e outras línguas modernas. Tornou-se uma excelente tradutora, rigorosa e incansável; as suas cartas com as dúvidas para os autores traduzidos são modelos de precisão e seriedade. Casou-se e abandonou o marido. Influenciada pelas ideias das Luzes, a terceira Leonor passou à ação, foi uma das líderes da revolução republicana em Nápoles, e dirigiu o “Monitor Republicano”, jornal oficial da República. Os italianos chamam-lhe a Bela Eleonora, e não há cidade que não tenha uma praça com o seu nome. Quando a monarquia foi restaurada, em 1799, a Bela Eleonora foi enforcada.
Porque pensei nelas? Por causa de uma frase do tempo delas, escrita por Leibnitz: “os tempos presentes estão prenhes do que há para vir”. Pelo menos duas delas conheceram bem essa frase. Sobretudo, sentiram-na nos ossos: que os tempos estavam a mudar. E sim, pensei também na jovem mulher que, na manifestação de sábado, decidiu abraçar um polícia. Mas não interpretarei mais.
Coisas fáceis de entender, mas difíceis de explicar.
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