Ontem, à hora do almoço, fui confrontado por pessoa amiga
com o
post que escrevi sobre o livro de Henrique Raposo, "Alentejo
Prometido".
Quem me acompanhava na amesendagem interpelou-me
directamente:
- Se alguém nascido tripeiro escrevesse um livro sobre
o teu tão amado Porto, denegrindo a cidade, reagirias com a mesma fleuma?
A resposta saiu-me espontânea, rápida e sem rodeios:
Sem dúvida que sim. Depois de ler o livro e antes de
escrever o post, coloquei-me nessa posição e não demorei muito tempo até
encontrar a resposta. Se escrevesse um dia um livro sobre a minha
infância e juventude no Porto, não seria meigo.
A minha rejeição à cidade começou aos 12 ou 13 anos. Foi com essa idade que
percebi que me tinha de pirar de lá. Apesar dos amigos, da vida feliz que
aparentemente levava, sentia-me amarrado a um colete de forças. Sem espaço para
respirar e poder ganhar asas para voar.
Escolhi Direito para vir para Lisboa, porque detestava a claustrofobia do
Porto, mais parecido com um bairro grande onde todos se conheciam e intrometiam
na vida uns dos outros. Sempre adorei a história e a arquitectura do Porto mas,
socialmente, o Porto era uma cidade detestável. Não suportava o
bairrismo , a auto contemplação e aquela imagem superlativa que as pessoas
projectavam de si próprias para o exterior, que tresandava a
provincianismo- versão pobre de bairrismo bacoco. Como se para além das fronteiras
do Porto não existisse vida, ou a cidade fosse o centro de um mundinho onde as
pessoas se sentiam estrelas bizarras de uma companhia provinciana.
Tive momentos muito felizes na cidade, sem dúvida, mas
quando vim para Lisboa suspirei de alívio- apesar das saudades dos amigos.Foi
como se me libertasse de um colete de forças e sentisse finalmente a vida a
oferecer-se, desnuda, à minha frente. Sabia que Lisboa seria apenas uma etapa.
O meu objectivo era saltar além fronteiras e correr mundo como, felizmente,
veio a acontecer.
Não é certamente por acaso que hoje em dia os meus melhores
amigos do Porto sejam os que tal como eu saíram de lá para estudar, ou
logo que terminaram os estudos. Rumaram aos Estados Unidos ou à Europa e
só regressaram décadas depois. Alguns estiveram em Macau numa terceira ou
quarta experiência além fronteiras. Como eu.
Alguns reencontraram-se com o Porto depois de uma passagem prolongada por
Macau. Foi esse também o meu caso. Apaixonei-me pelo Porto aos 50 anos, mas não
pelo Porto que conheci na adolescência. Esse está bem morto e enterrado e
se por vezes o recordo neste Rochedo, é para lembrar as reminiscências de
coisas boas.
A cidade hoje está muito mudada.Para melhor, obviamente.
Cosmopolita, aberta, moderna e descomplexada (apesar de alguns resquícios de
bairrismo que se reflectem em notas picarescas). Isso não impediria,
obviamente, que escrevesse o que pensava ( e penso) do Porto dos anos 50/60/70.
Tal como as pessoas, as cidades também mudam com a idade. Umas pioram, outras
tornam-se melhores. Rejeitar isso é iludirmo-nos, ou mesmo mentir. Estás
satisfeita com a resposta?
- Estou, mas creio que se escrevesses um post no teu Rochedo
ou no FB a relatar esta conversa, ias arranjar alguns inimigos...
- Talvez tenhas razão, mas prefiro ter inimigos a
falsos amigos.
A frontalidade é uma característica que eu aprecio muito nos
tripeiros genuínos.
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