domingo, 9 de dezembro de 2018

LINGUAGEM Pregar dois pregos de uma só martelada

ONG internacional quer alterar expressões anti-animal. PAN também sugere alternativas em Portugal

RAQUEL ALBUQUERQUE

Atirar o pau ao gato, matar dois coelhos com uma só cajadada, pegar o touro pelos cornos ou fazer gato sapato são expressões comuns na língua portuguesa. Têm significados diferentes, mas formas de linguagem que incluem com algum tipo de violência contra os animais. A PETA, uma organização não-governamental fundada em 1980 e com sede nos Estados Unidos, lançou esta semana uma campanha controversa que sugere alterações a este tipo de expressões. O PAN vê na iniciativa um “sinal bastante positivo” e dá alguns exemplos de alternativas a expressões portuguesas.

Pegar um touro pelos cornos 
→ Pegar uma flor pelos espinhos

Pregar dois pregos de uma só martelada ou atirar a comida ao gato são duas soluções possíveis que o partido com assento parlamentar tem partilhado nas redes sociais. “Há expressões que usamos desde pequenos e só anos mais tarde nos questionamos sobre o seu conteúdo. Portanto, em causa está uma mudança de linguagem antiviolência contra os animais. Esta campanha é um sinal de evolução e a prova de que a sociedade civil, as organizações e as ONG se movimentam nesse sentido”, defende Francisco Guerreiro, coordenador da comunicação e membro da comissão política do PAN.

Avançar para algum tipo de iniciativa legislativa está, no entanto, fora de causa, garante o responsável. “Achamos que seria contraproducente porque o objetivo não é condicionar a liberdade de expressão ou a criatividade. A evolução que tem existido está baseada em diálogo.” É por isso que as redes sociais, sobretudo o Facebook, são a forma de comunicação ideal: ajudam a manter um tom informal levando as pessoas a questionar o conteúdo de expressões que sempre utilizaram.

Foi também através do Twitter que a PETA (Pessoas pelo Tratamento Ético dos Animais, em português) lançou uma campanha apelando a que se deixe de usar linguagem antianimal nas expressões idiomáticas. “As palavras importam e à medida que o nosso entendimento sobre a justiça social evolui o mesmo deve acontecer à nossa linguagem”, escreveu a organização, na passada segunda-feira.

Atirei o pau ao gato mas o gato não morreu → Atirei comida ao gato mas o gato não comeu

O PAN reconhece na sociedade portuguesa uma evolução e uma maior sensibilidade para questões ambientais e para a causa animal. A indignação provocada em 2015 pelo enunciado de um exercício de Físico-Química num caderno de atividades para o 9º ano, que previa que um rapaz atirasse um gato de uma altura de cinco metros, é prova dessa evolução, defende Francisco Guerreiro. “O Diogo largou um gato da varanda do seu quarto a 5 metros do solo. Sabendo que o gato tem de massa 4 quilos, indica qual a intensidade da força aplicada ao gato durante a queda”, lia-se no enunciado. “A própria editora pediu desculpas publicamente e retirou o exercício. Essa evolução tem sido vista nos manuais escolares, nos pais e educadores em Portugal.”

Matar dois coelhos com um só cajadada → Pregar dois pregos de uma só martelada

Nas músicas infantis também têm sido criadas alternativas e o caso mais conhecido é o da canção popular “Atirei o pau ao gato, mas o gato não morreu”. Em muitas escolas já se canta um verso diferente: “Atirei comida ao gato, mas o gato não comeu”, por exemplo. Francisco Guerreiro rejeita que esteja em causa uma atitude “politicamente correta”. O partido vai mais longe e sugere outras alternativas: “Fruta madura é que dá bom sumo“ (em vez de “Galinha velha é que dá bom caldo”) ou “Mais vale dois pássaros a voar do que um na mão”.

“LÁPIS COR DE PELE”

A violência contra os animais é o ponto de partida desta campanha, mas não é o único problema. Muitas expressões idiomáticas são discriminatórias. “Com um olho no burro e outro no cigano” é um dos exemplos. Segundo Raquel Matias, socióloga e investigadora do ISCTE, é nas escolas, nas aulas de cidadania e através de discussões públicas que se deve despertar a atenção para o conteúdo da linguagem. “Quando se usa uma expressão como essa está a reforçar-se a ideia de haver uma característica específica de uma comunidade. É discriminatório e contra a coesão social”, afirma.

Mais vale um pássaro na mão do que dois a voar → Mais vale dois pássaros a voar do que um na mão

“Mais do que um policiamento ou moralismo é preciso discutir o assunto. É preciso perceber que a nossa linguagem é feita de história e cultura. As expressões idiomáticas estão repletas de memória social.” Raquel Matias, que se tem debruçado sobre a linguagem e as migrações, lembra que há expressões ou até designações, como “lápis cor de pele”, que transmitem normas sociais. “Deveríamos falar de lápis cores de pele.”

https://leitor.expresso.pt/semanario/semanario2406/html/primeiro-caderno/sociedade/Pregar-dois-pregos-de-uma--so-martelada

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