António Louçã - A Alemanha e a Revolução dos Cravos. Uma investigação sobre a Fundação Ebert
* António Louçã 14.Nov.20 Outros autores
A ajuda e o incentivo internacional à contra-revolução em Portugal desempenhou um papel decisivo: as forças internas não teriam sido capazes de a levar a cabo. A RFA (seja com a democracia-cristã como com a social-democracia no poder) não deve ser ignorada, tanto pelo apoio que manteve ao Portugal fascista, como pela activa intervenção após o 25 de Abril. Intervenção que vai do ataque ao MFA à promoção do divisionismo sindical, do incentivo à ingerência estrangeira ao vultuoso financiamento de toda a acção contra-revolucionária. E que teve como interlocutores (e títeres) privilegiados o PS de Soares e o PSD de Sá Carneiro.
A República Federal da Alemanha (RFA) foi o país europeu que mais activamente apoiou a ditadura salazarista. E foi também o país europeu de onde a oposição anti-salazarista recebeu um apoio mais substancial. Compreender o paradoxo é meio caminho andado para compreender o papel decisivo da RFA no processo de controlar e dominar a Revolução dos Cravos.
O livro de Peter Birle e Antonio Muñoz Sánchez, publicado em julho deste ano (Partnerschaft für die Demokratie. Die Arbeit der Friedrich-Ebert Stiftung in Brasilien und Portugal. Bonn: Verlag Dietz, 2020), tem como tema o trabalho da Friedrich Ebert Stiftung (FES) - fundação ligada ao SPD - no Brasil e em Portugal durante os últimos anos das respectivas ditaduras, durante a transição e durante os primeiros anos dos regimes democráticos que depois se estabeleceram.
A parte referente a Portugal ficou a cargo de António Muñoz Sánchez e apresenta para o público português a inestimável vantagem de se basear não só em arquivos já relativamente explorados por investigações portuguesas (como o arquivo político do Auswärtiges Amt, equivalente alemão do MNE, ou o Bundesarchiv, em Koblenz), como noutros menos explorados (o da Fundação, em Bona), ou mesmo em arquivos pessoais de actores importantes da História de então.
Os amigos alemães da ditadura
Sánchez recorda por um lado o contexto internacional em que se deram os primeiros confrontos da guerra colonial, sustentando que Salazar, na ausência de um apoio britânico ou norte-americano à sua obstinação colonialista, só pôde decidir-se pela guerra devido aos apoios francês e alemão - nenhum deles assumido publicamente, num ambiente internacional favorável às independências africanas.
O apoio alemão em especial foi concedido com requintes do mais elaborado secretismo, mas beneficiando também do empenhamento de personalidades destinadas a altos voos na política alemã, como Richard Jäger, ministro da Justiça de Adenauer e mais tarde presidente do Bundestag.
Em termos práticos, foi decisivo o líder bávaro Franz-Joseph Strauss que, como ministro federal da Defesa, urdiu toda a teia para o acordo secreto luso-alemão de 1960. Aí se incluíam a base aérea de Beja, a base militar de Alcochete, armazéns da Bundeswehr em Setúbal e, reciprocamente, a venda de armamento alemão a Portugal.
Por outro lado, não deixa de ser significativo que inicialmente Strauss tenha considerado prudente ocultar os detalhes do acordo aos próprios colegas ministros. A RFA movia-se num contexto internacional altamente volátil e em Junho de 1966, quando Amílcar Cabral denunciou bombardeamentos feitos na guerra colonial com aviões alemães, o Governo de “Grande Coligação” que sucedera a Adenauer ponderou mesmo encerrar o aeroporto de Beja e limitar drasticamente a cooperação militar com Portugal.
Sánchez sublinha acertadamente o papel do embaixador em Lisboa, Müller-Roschach, em conseguir salvar o periclitante acordo. E, logo em seguida, não deixa de lembrar-nos que esse diplomata tão entusiástico pela colaboração germano-portuguesa havia de ser destituído dois anos depois, ao vir a público na Alemanha o papel que desempenhara no extermínio dos judeus durante a Segunda Guerra Mundial (mas o escândalo não ia servir de emenda ao AA, que depois nomeou para o posto de embaixador em Lisboa o ex-SS Schmidt-Horix e, depois do suicídio deste em 1970, o antigo jurista nazi Ehrenfried von Holleben).
“Evolução na continuidade” como política do SPD
Para além do papel desempenhado por Müller-Roschach na preservação do acordo, há sobretudo a ter em conta a viragem política que o SPD efectuara, desde o Congresso de Bad Godesberg, em 1959, aproximando-se da política externa de Adenauer. Com essa viragem, o trio composto por Willy Brandt, Herbert Wehner e Fritz Erler fazia tirocínio como parceiro credível para soluções governamentais de coligação ao centro. No que diz respeito às relações com Portugal, a viragem traduz-se numa renúncia do SPD a pôr em causa os fornecimentos militares alemães.
E, quando finalmente o SPD passa da oposição para o governo, Willy Brandt ascende a ministro federal dos Negócios Estrangeiros e ainda mais acentua essa viragem. O SPD continua a ignorar o grupo mais ou menos informal conhecido como Acção Socialista Portuguesa (ASP), onde pontifica acima de todas as outras a dinâmica personalidade de Mário Soares. A muito custo, e só sob pressão da Internacional Socialista, o SPD se decide em 1968 a protestar contra a deportação de Soares para S.Tomé.
A política externa alemã aposta entretanto numa evolução interna da ditadura e não numa reviravolta política que catapulte a oposição para o poder. A Embaixada da RFA, mais do que qualquer outra em Lisboa, tem o cuidado de se manter longe da oposição portuguesa e ganha com isso uma fama de pró-salazarista.
A chamada “primavera marcelista” vem ainda reforçar o argumentário justificativo da aposta numa evolução interna, em colagem ao slogan de “evolução na continuidade” popularizado pelo novo chefe da ditadura. Ao visitar Portugal, o mesmo Brandt que continua no verão de 1969 a recusar os pedidos de audiência de Soares comete mesmo a gaffe de confraternizar com o seu homólogo Franco Nogueira, um dos “ultras” do fascismo.
Muñoz Sánchez não tem, portanto, contemplações com a política de Brandt, entretanto ascendido ao lugar de chanceler. Também como chanceler, Brandt toma partido pela política pró-marcelista do MNE Walter Scheel, contra o ministro da Cooperação Económica, Erhard Eppler, que era favorável a um distanciamento perante a ditadura.
Fundação Ebert, ou os ovos também no outro cesto
Mas, precisamente quando o SPD acentuava a sua viragem à direita, a FES estabelecia, através do seu colaborador Robert F. Lamberg, os primeiros contactos com a ASP. O trabalho de Muñoz Sánchez consegue manter um rumo lógico e racional na interpretação deste paradoxo. E permite-nos entender como, apesar da relativa indiferença dos correligionários europeus, Mário Soares pôde realizar em 1970 uma tournée pelo Velho Continente, radicalizando o seu timorato discurso anticolonial e classificando como fascista o regime de Marcelo Caetano.
Com efeito, a ASP não estava tão abandonada como parecia e, graças a um financiamento da FES, poderia em breve dispor, como órgão oficioso, do diário “República”. Muñoz Sánchez não hesita em classificar a criação do “República” como uma das iniciativas mais custosas e mais bem sucedidas da FES na fase final das três grandes ditaduras da Europa meridional - Espanha, Portugal e Grécia.
As políticas internacionais da social-democracia e da Fundação iriam, nos anos seguintes, continuar a evoluir em direções diferentes. Por um lado, a FES intensificava o seu apoio à ASP, colocava-a em contacto com a poderosa central sindical alemã, DGB, e tomava a seu cargo a organização do congresso fundador do Partido Socialista (PS), em Bad Münstereifel, em abril de 1973.
Já o SPD, obrigado pela pressão da opinião pública a carregar nos tons críticos do seu discurso contra o colonialismo português, continuava no entanto a ignorar o PS. Os congressos, praticamente simultâneos, do PS e do SPD realizaram-se portanto de costas voltadas um para o outro, sem que qualquer dos dois partidos estivesse representado no congresso do outro por alguma delegação digna de nota.
A própria Internacional Socialista, embora tivesse aceitado a integração da ASP em junho de 1972, vinha desenvolvendo um consenso no sentido de favorecer a tal evolução interna da ditadura portuguesa, e não o seu derrubamento. A Internacional aproximava-se assim da política do SPD e deixava de constituir uma instância de recurso dos socialistas portugueses contra a Realpolitik de Brandt.
Soares, desde o início apostado em combater o PCP
Só em 1974 Mário Soares ia conseguir que Brandt finalmente lhe concedesse uma audiência. Viajou portanto para Bona e foi pernoitar no hotel de onde devia sair ao encontro do chanceler. Mas o calendário marcava 25 de abril e, de madrugada, Soares foi avisado da revolução que estava a eclodir em Portugal. Desta vez foi ele a cancelar o encontro e a deixar plantado o líder da principal potência europeia. A revolução invertia por um breve instante a ordem de importância dos dois putativos interlocutores.
Para além de relatar episódios saborosos como este, o trabalho de Muñoz Sánchez retoma a perspectiva mais ampla do processo revolucionário e, ao referir a tournée europeia que Soares faz logo no início de maio, permite-nos reavaliar criticamente a ideia de que o PS chegara a Portugal com um espírito unitário, de colaboração com o PCP, e que só depois, devido ao sectarismo comunista, foi tomando distâncias.
Apesar de discursos como o de Soares no 1º maio de 1974 parecerem confirmar a imagem tradicional de uma inclinação unitária do PS, os contactos do líder socialista com os seus confrades europeus, logo em maio, mostram que desde o primeiro instante ele reclamou por trás dos bastidores um apoio político, logístico e financeiro da social-democracia internacional, com o objectivo assumido de disputar a hegemonia do PCP no início do processo revolucionário.
A pose unitária assumida em público por Soares era, nessa fase, uma mera concessão ao ambiente político do país, e não o reflexo de uma genuína convergência com o PCP. Na social-democracia internacional, o seu parceiro natural não era o líder socialista François Mitterrand, que, na luta pelo poder em França, adoptara uma táctica frente-populista. O parceiro de Soares devia ser, pelo seu anticomunismo apimentado com as sofisticações tácticas da Ostpolitik, aquele mesmo Willy Brandt que até pouco tempo antes lhe fechava todas as portas.
A obstinada desconfiança de Brandt face ao PS
Ao eclodir a revolução, os social-democratas alemães tinham portanto, apesar de si próprios e muito graças à FES, condições ideais para se ingerirem eficazmente no processo político português.
Por um lado, as democracias-cristãs europeias tinham ignorado arrogantemente os católicos oposicionistas portugueses e foram surpreendidas pelo 25 de Abril sem quaisquer interlocutores em Portugal. As fundações democratas-cristãs estavam completamente a leste e a FES era a única solidamente implantada no terreno.
Por outro lado, Soares tinha uma afinidade espontânea com a política anticomunista de Willy Brandt e não deixaria que as subjectividades suscitadas pela anterior indiferença deste interferissem com a aproximação desejada.
Mesmo assim, a FES continuou durante algum tempo a ser o veículo privilegiado para uma influência social-democrata que Willy Brandt relutava em assumir. Assim, ficamos a saber pelo trabalho de Muñoz Sánchez que foi o responsável da FES Günter Wehrmeyer quem emitiu um primeiro diagnóstico sobre o aparelho partidário do PS ao visitar Portugal logo em julho de 1974.
Wehrmeyer ficou chocado com a debilidade desse aparelho, apenas com uma dezena de funcionários, segundo nos diz, face ao milhar de funcionários que se estimava existirem no PCP. E ficou principalmente chocado por ver os dirigentes socialistas tão ofuscados pelo glamour da alta política que permaneciam inteiramente alheados desta fragilidade do PS.
Em consequência, a FES empenhava-se em encontrar soluções para as debilidades organizativas do partido, dando por suposto que sem essas soluções o PS não se atreveria a uma demarcação mais frontal face ao PCP. Por seu lado, o SPD, aparentemente sem ter captado o nexo causal entre debilidade organizativa e timidez política, continuava a suspeitar que o perfil baixo do PS perante o poderoso PCP traduzisse, não um calculismo táctico, mas uma atitude politicamente conciliadora e porventura frente-populista.
Tal foi a preocupação manifestada por dois altos quadros do SPD, Jürgen Wishnewski e Bruno Friedrich, ao serem enviados a Portugal no verão de 1974. A visita seguinte foi de ainda mais alto nível: o próprio Willy Brandt veio a Portugal em outubro de 1974, com a prioridade, bem no topo da sua agenda, de contrabalançar o efeito da visita de Mitterrand em julho.
Essa anunciada prioridade era tão visível logo desde os preparativos que Brandt foi recebido festivamente no aeroporto de Lisboa por um número apreciável de militantes do PPD, eclipsando estes a discreta presença do PS. Durante a visita, Brandt acedeu também a abrir um diálogo com o PPD, alimentando ainda as expectativas deste em ser admitido na Internacional Socialista, com natural desagrado de Soares.
Não surpreende que depois, na RFA, tenha sido principalmente um jornal de direita, Die Welt, a dar largas ao seu entusiasmo, considerando “verdadeiramente modelar” o desempenho de Brandt em Lisboa.
As eleições promovem o PS a principal interlocutor
Escapava ainda à superficial observação do SPD o desconforto que já então Mário Soares sentia perante o reforço da esquerda, de cada vez que a direita dava algum tiro no pé, com uma das suas intentonas abortadas. Já assim fora perante o golpe abortado de 28 de setembro de 1974, em que o líder socialista teve dificuldade em esconder a sua apreensão por Spínola se ter demitido. E assim voltou a ser com o 11 de março de 1975.
Olhando a revolução a partir da Alemanha, o SPD alarmou-se com a radicalização do processo revolucionário e realizou em 21 de março, sob a direção de Helmut Schmidt, uma reunião de emergência para discutir um pedido de socorro enviado por Mário Soares. Nessa mesma noite Schmidt telefonou para o presidente norte-americano Gerald Ford e para o primeiro-ministro britânico Harold Wilson, a pedir-lhes que se tomassem medidas contra o perigo de um “golpe de Praga” em Portugal.
Cinco dias depois, sem ter alcançado os resultados que pretendia, o mesmo Schmidt lamentava-se sobre a atitude passiva da comunidade internacional. O Governo da RFA decidiu então, em reunião de 8 de abril, aprovar um plano para intervir por sua conta em Portugal, sem esperar que os aliados saíssem da inércia em que continuavam mergulhados. E o SPD decidiu injectar na campanha eleitoral portuguesa vultosas quantias - em dinheiro vivo, do partido ou mesmo do orçamento do Estado, trazido em malas como nos filmes de espionagem, devido à suspensão das transferências bancárias.
Com tudo isto, o SPD ainda se encontrava longe de ter a clareza política da FES e faltava-lhe decidir quem seria o seu principal interlocutor do lado português: o apoio financeiro destinado à campanha para as eleições constituintes foi repartido salomonicamente entre PS e PPD. E só quando o PS emergiu do escrutínio de 25 de abril de 1975 como o partido mais votado passou a notar-se uma clarificação das preferências do SPD.
O que era até então uma divisão de tarefas entre SPD e FES assume daí em diante contornos de colaboração cada vez mais homogénea e consistente. Na Embaixada de Lisboa é criado um cargo de “adido social”, para acompanhar a actividade de sindicatos, partidos e fundações, e logo preenchido com um quadro da FES, Hans-Ulrich Bünger.
Schmidt, que no início de maio substituíra Brandt como chanceler, cauciona nessa fase uma diplomacia paralela a partir dos relatórios de Bünger, que são entregues a Carlucci. E tudo se faz nas costas do parceiro liberal na coligação, Hans-Dietrich Genscher, que no entanto, como máximo responsável da política externa alemã, era suposto ser o primeiro a saber.
Já neste novo contexto eclode a crise do “República”, que o PS utiliza como arma de arremesso contra o PCP, embora saiba que não foram militantes deste partido a desencadear a ocupação do jornal. E aqui tem lugar um episódio sintomático que Muñoz Sánchez nos revela: depois de anunciar, por volta da meia-noite de 11 de julho, que o PS vai retirar-se do IV Governo Provisório, Soares apressa-se a telefonar, minutos depois, para a Embaixada alemã, e marca um encontro que terá lugar logo na manhã seguinte, com Bünger e com Karl-Heinz Sohn. Em perfeita coordenação, o Governo da RFA sai da sua reserva sobre o MFA e pela primeira vez o critica publicamente.
Da clarificação política à viragem militar
Aqui valerá a pena recuar um pouco e lembrar os dilemas que se colocavam à política das grandes potências ocidentais em janeiro de 1975, quando Kissinger substituiu o embaixador Nash Scott no seu posto de Lisboa por Frank Carlucci. Não custa crer que a decisão de Kissinger fosse ditada pela expectativa de poder bisar em Portugal o êxito obtido no Chile com a receita putschista.
Mas, se alguém sabia apalpar o terreno e avaliar as condições para um putsch, esse alguém era certamente o experiente Carlucci. Depois de Spínola por duas vezes ter tentado golpes de Estado, de forma prematura e diletante, as condições para um terceiro do mesmo tipo pareciam definitivamente comprometidas. Não por escrúpulos democráticos, mas por realismo político, Carlucci entendeu o que se passava e não chegou, seriamente, a conspirar para uma espécie de pinochetazo português. Por isso mesmo Kissinger, como sublinha Muñoz Sánchez, se lamentava de alguém lhe ter vendido a imagem de Carlucci “como um tipo duro”.
Na impossibilidade de fazer de Portugal o Chile da Europa, Kissinger rapidamente passou a preconizar que se tratasse o país como a Cuba da Europa. E também a essa avaliação e às ilações práticas correspondentes se opôs Carlucci, mas neste caso em estreita colaboração com o embaixador alemão em Lisboa, Fritz Caspari, e com o respaldo do Governo de Bona.
Com efeito, contra a “teoria da vacina” defendida por Kissinger, Schmidt opunha-se a que Portugal fosse expulso da NATO. Neste contexto, forçou mesmo em maio de 1975 um encontro entre o secretário de Estado norte-americano e o seu homólogo português, Melo Antunes. E, à margem deste contacto infrutífero, o Governo de Bona ia-se comprometendo com um auxílio a Portugal no valor de 70 milhões de marcos.
Um dos méritos, e não o menor, do trabalho de Muñoz Sánchez consiste em introduzir uma nuance significativa na visão corrente até agora, que dava o “falcão” Kissinger a perder um braço de ferro contra o seu embaixador em Lisboa, Frank Carlucci. Por muito hábil que tenha sido Carlucci, e foi, ficava sempre por explicar como ele se teria imposto ao seu chefe, que nunca teve tendência para se contentar com um papel decorativo.
Na verdade, a conhecida colaboração que mantiveram no terreno os embaixadores norte-americano e alemão não foi mero produto de uma afinidade pessoal ou de uma visão comum sobre o processo revolucionário que ambos estavam empenhados em travar. Essa colaboração contou também, do lado alemão, com o apoio do Governo Federal.
Se Carlucci conseguiu fazer da vitória eleitoral do PS a principal alavanca para suscitar um movimento militar de restauração da disciplina castrense, como primeiro passo para controlar a dualidade de poderes no país, isso deveu-se em grande parte ao facto de ele poder colocar no seu prato da balança o peso da principal potência europeia, que partilhava dessa aposta estratégica.
Parece, assim, credível a versão de Schmidt, apresentada em público meses depois do 25 de novembro e citada por Muñoz Sánchez, reclamando para si o crédito por ter convencido os renitentes Henry Kissinger e Harold Wilson de que a revolução portuguesa devia ser domada pelo PS e pelos seus aliados militares - não por um putsch de tipo chileno ou por uma quarentena de anos ou décadas como no caso de Cuba.
Esplendor e queda da Fundação Ebert em Portugal
A parte da investigação do livro que ficou a cargo de Muñoz Sánchez estende-se depois aos temas da transição democrática e da integração europeia num arco de tempo mais largo, que não nos propomos tratar nesta recensão. Mas lança também um olhar sobre o período imediatamente pós-revolucionário, que aqui especialmente nos interessa por fazer também alguma luz sobre o sentido último da estratégia da FES durante o PREC.
Para além do papel da FES, primeiro como sucedâneo, depois como intermediária, da intervenção do SPD e do Governo de Bona na revolução portuguesa, há o balanço de duas outras intervenções muito concretas da Fundação na sociedade portuguesa: uma, ao nível sindical; outra, ao nível da reforma agrária.
No processo que conduziu à criação da Carta Aberta e, depois, da UGT, Muñoz Sánchez classifica, muito assertivamente, como decisivo o papel da FES em criar uma central que veio quebrar o monopólio sindical dos comunistas. E a este juízo de facto logo acrescenta um outro, mais valorativo, mas igualmente razoável: é duvidoso que os trabalhadores tenham ganho alguma coisa com isso, pelo menos nos moldes em que sucedeu.
No que diz respeito à reforma agrária, o nosso autor aponta o protagonismo da FES na criação da Servcoop, entidade que se dizia apostada em contribuir para a “democratização” das cerca de 500 unidades colectivas ou cooperativas agrícolas predominantemente influenciadas pelo PCP. Mas a dita Servcoop estava condenada ao fracasso porque, em vez de “democratização”, o que veio a seguir foi um processo de restituição das terras aos latifundiários, sob a batuta do então ministro socialista António Barreto. E, com as terras devolvidas aos agrários, não havia ficção democratizadora que pudesse sobreviver.
Contrastando com Espanha, onde os meios investidos pela FES deixaram até hoje um rasto visível, em Portugal as fundações próximas do PS desmoronaram-se assim que lhes foi faltando o empenhamento da FES. E isso que Munõz Sánchez designa como discrepância entre os vultosos investimentos e a magreza dos resultados é sem dúvida um balanço expectável quando se lida com um partido, o PS, que é sobretudo uma máquina de combate eleitoral.
Fonte: https://www.rtp.pt/noticias/politica/a-alemanha-e-a-revolucao-dos-cravos-uma-investigacao-sobre-a-fundacao-ebert_n1270524
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