"Tenho uma vizinha no 4º andar, que todas as noites atira da janela um embrulho em forma de "puding", quase sempre de peixe, envolto quem sabe se nas suas crónicas , e que é a soma ou total do lixo diário lá de casa. Já me ia caindo uma vez na cabeça. Apesar de andar acolchoada a raposas e ter cachuchos, a dama em questão não tem sopeira, e acha que é feio ir ao caixote. Faz as compras pelo processo do cesto e cordel, de combinação com o marçano da frente, e faz as descargas pelo processo de vómito nocturno e jornalístico. Àquela hora os cívicos andam neurasténicos e não passam na rua.
.
Que hei-de fazer para pôr a pinha no seguro?"(cartas de leitores a Leitão de Barros, desenho de Abel Manta, nos Corvos, 1º volume)
Publicado por T em 09:45
A gorjeta
"Os franceses chamam-lhe pourboire, os espanhóis propina, os italianos mancia, os ingleses gratuity, e os alemãestrinkgeld. Nós temos o malsoante termo de gorjeta, mas a verdade é que todos os povos lhe chamam um figo! Pagar uma conta é um gesto seco. Dar uma gorjeta é acrescentar amavelmente uma reticência metálica, que equivale a um sorriso. É passar o atestado, voluntário que se foi bem servido....(continua)
clicar na imagem, aumentar e ler o resto do texto. Corvos, Leitão de Barros e João Abel Manta
Publicado por T em 08:12
.
18 de Jul de 2007
Parece-me dever Lisboa, que guarda como pergaminhos de nobreza as velhas sovas líricas de São Carlos (entre os partidários das várias divas), , que tomou sempre como um caso de honra nacional as fífias históricas , não ficar indiferente ao sonoro escandâlo da Ópera de Roma(...) Calas? Cantas? Não cantas? (...)A Sra Callas mais a comadre americana Elsa Maxwell ( a terrível inconfidencial de papeira que bate todos os recordes da má língua intercontinental , )desafiaram Roma . E a nutrida parteira de escândaloa americanos não esteve com meias medidas : chamou bárbaros aos romanos" (...)(conta-nos Leitão de Barros sobre umas fífias de Callas num concerto que levou a confrontos com o público e ameaças de processos em tribunal) (...)"Diz-se que Callas vem a São Carlos. O nosso coração lhe perdoará , de antemão, todos os abaixamentos que aqui, infelizmente, já não provocarão levantamentos. São Carlos já mete o medo de outrora. Está calmo. Aceita o que lhe dão, srº Callas: consente..."Texto de Leitão Barros e ilustração de João Abel Manta
Publicado por T em 12:11
Os anjos do céu também têm sarampo
"Nada há de mais belo do que contemplar anjos de carne e osso, mesmo com sarampo ou papeira. É encanto supremo observar as suas primeiras tentativas cirúrgicas para estripar bonecas; esse desabrochar de olhares desconfiados e perscrutadores lançados sobre os mistérios que os rodeiam; o desprezo audacioso e sem hipocrisia que eles dedicam à literatura infantil ou àqueles desenhos feitos por artistas que põem fraldas na alma para os convencer de que penetram o seu mundo - vedado esse aos maiores de 12 anos como se fosse um espectáculo, classificado por um júri de crianças adultas, carecas, dispépticas, cheias de óculos e de desilusões. Ah ! Se os miúdos tivessem a sua Comissão de Censura aos graúdos! Se eles pudessem escrever escrever e desenhar para nós como eles nos vêem, se lhes fosse dado marcarem-nos castigos e notas más, eliminarem-nos os espectáculos impróprios de qualquer idade - quantos ficariam reprovados na arte de dialogar com gente de palmo e meio! "
Texto de Leitão Barros e ilustração de João Abel MantaClicar na imagem para ampliar!
Publicado por T em 09:12 ..
-
4 de Jul de 2007
Publicado por T em 19:00
2 de Jul de 2007
Sobre léxico -2
"Foi a Rainha Dona Amélia quem trouxe para a corrente linguagem de sociedade o você.
.
No entanto, nós conservamos o Vossa Excelência, com as suas variantes do Vossência e do Vosselência. Gostamos das palavras de cauda, em trajo de cerimónia e besuntamos a conversa mais corriqueira com esse verniz barato dos ências. Para o usted, o vous, o you, não temos equivalente genérico e elástico, curto e prático. Somos todos excelentes e excelentíssimos, não só porque não custa dinheiro. mas porque vai a matar com o nosso sorriso de rapapé e vénia. Não importa que o calendário político tenha virado a folha ao Deus guarde a Vª Sª e o tenha substituído pela Saúde e Fraternidade e mesmo pelo A bem da Nação - o Vosso Excelência , esse, ficou um denominador comum eterno e comprido".
.
Leitão de Barros, Corvos Volume 1
Publicado por T em 14:27
Sobre léxico-1
"Os que tratam os pais por os velhotes ou os meus velhos, a mulher por a patroa ou, o que é pior, a minha bicicleta, e são aos milhares, transformam o encantamento natural dos tratamentos familiares num calão íntimo, que, por ser ingénuo, não deixa de ser grosseiro. Também os petizes , em vez de os pequenos, é um galicismo sórdido, como os parentes políticos ou o nepote, a substituir o sobrinho (que lemos já numa gazeta respeitável), como o concunhado e oconsogro me parecem um bocado rebarbativos . A esposa, a mamã, o bebé precisavam de pagar multa, pois são, por substituírem a minha mulher, a mãe, o menino, um sarro linguistico pretensioso que atraiçoa toda a simplicidade idiomática. E desde a escola primária seria preciso ir limpando na linguagem esses índices antigos de pirismo verbal, que um modesto bom-gosto condena."
.
Leitão de Barros, Corvos 1º volume.
Publicado por T em 11:59
15 de Jun de 2007
Nomes e marcas
"A Lusitânia Mimosa e a Pastelaria Beijo da Infância, ali a São Bento, são puras não só na poesia, mas nos pasteís de nata.
.
A famosa e falecida casa de prego A Idealista, continha, nessa palavra, um universo de esperanças e um pequeno mundo de tristes realidades, as cautelas de penhores.
O Ideal dos Caminhos de Ferro ( que alguém julgará ser a venda de bilhetes) é apenas um salão de bilhares. Há títulos bilingues como a velha Bijou da Avenida ou o falecido Petit- Suisso e casas que foram sempre conhecidas, não só pelos seus nomes, mas por alcunhas, como o pacatíssimo restaurante da Trindade (galaico-português como o cancioneiro), e a quem todos tratam pela sinistra e vesga designação Os Anarquistas o falecido Tavares Pobre, o Farta-Brutos, ou o Lar-Triste.
Grandes viúvas alegres, respeitáveis e ricas, cujos maridos foram comercialmente esquecidos, povoam a nossa praça: AViúva Lamego, a Viúva Macieira, A Viúva Gomes. O Gomes, o Macieira e oLamego todos juntos, não valem qualquer dessas valentíssimas viúvas, que ficam na nossa história comercial. "Leitão de Barros, Os Corvos, 1º volume
Publicado por T em 15:04
6 de Jun de 2007
Os Modismos de Lisboa
"As cidades tem os seus modismos próprios - as suas vivas imagens verbais peculiares, os seus chistes, o seu calão, particulares a cada uma - a sua lexicografia inconfundível. E tudo isto é génio popular do idioma. Lisboa não escapa à regra.
Foi ela que inventou o Ver Mosquitos na outra Banda, o Meter o Rossio na Rua da Betesga, o Cair o Carmo e a Trindade, o Ficar a ver navios no alto de Santa Catarina, o Fazer a Avenida, o Amparar as esquinas, as Obras de Santa Engrácia, oBem se canta na Sé mas é quem é, Uma vez a Cascais nunca mais, o Polir as calçadas, o Visto isso e os autos, Seca e Meca, olivais de Santarém e Passar as passas do Algarve.
.
A rambóia é Lisboa das docas: a bebedeira dos marinheiros ingleses - a rainbow ( o arco íris)- a originou; o café de lepestem a mesma origem, como o guines. O mariola do Cais da Ribeira tem a raiz no mar. Os amigos de Peniche são os soldados de Pombal que vêm para policiar o pós terramoto, abarracam na Patriarcal queimada e não policiam nada.E da passagem dos estrangeiros ficaram em Lisboa pelo menos os dois velhos dizeres: roupa dos franceses e para inglês ver."Leitão de Barros e Abel Manta, Corvos Volume 1
Publicado por T em 22:39
.
5 de Mai de 2007
"Nós criámos o camping urbanizado, asseadinho, escovado com água e moral encanadas, esquadra de polícia, correio, rega, caixote de lixo e arame farpado. Usamos fogões de algibeira a gás Cidla, com abundância de sardinhas Nice, fiambre do Isidoro e fados da Amália. Não haverá nele qualquer encanto imprevisto, isolamento, paisagem deserta, montanha inóspita, riacho poético: teremos antes o bloco campestre, urbanizado, o bairro caracol, em que as famílias carregam com as casas- as barracas de lona desses vastos Lona-Parques e acampamo-las com perfeita ordem e disciplina, sobre a relva com agentes de trânsito e cobradores de impostos (e talvez algum pedinte para dar cor local). Sorveremos a natureza com perfeita conduta social e dormiremos ao relento com a lei à cabeceira e a taxa turística debaixo da cama de campanha ao pé da baixela de urgência. Sentir-nos-emos homens Tarzan de cintura para cima, segundo o regulamento, e as nossas mulheres mais ou menos "mamute" (nesse saltitante primitivismo da vida paradisíaca reconhecido oficialmente por decreto com força de lei)."
.
Leitão de Barros, com ilustração de João Abel Manta"Os corvos"
Publicado por T em 09:49
.
Etiquetas: Blog Rua dos Dias que Voam, Cartoon, Crónicas, Humor, João Abel Manta, Leitão de Barros
Subscrever: Enviar comentários (Atom)
Lisboa tem, evidentemente, além de uma alma que os fadistas cantam, um corpo a que não faltam corcundas nas encostas, e vegetação abundante em várias regiões - Tapadas, evidentemente."
Leitão de Barros, "Os Corvos"
Fotografias
Pozal, Fernando Martinez Travessa do Pé de FerroSerôdio, Armando, Escadas do Caracol da Graça Portugal, Eduardo Pátio do Tronco
Fotografias
Pozal, Fernando Martinez Travessa do Pé de FerroSerôdio, Armando, Escadas do Caracol da Graça Portugal, Eduardo Pátio do Tronco
Publicado por T em 18:04
0 comentários:
Hiperligações para esta mensagem