Até onde pode um ser humano chegar, quando se encontra nas situações mais extremas que se podem imaginar? Esta pergunta poderia ser o subtítulo desta obra. O extremo do sofrimento, o limiar da raiva contida, o limite da injustiça… tudo neste livro nos faz tremer; é inacreditável até onde pode chegar o ódio, a violência do ser humano sobre o seu semelhante, em nome de ideais que por vezes nem se conhecem, por obediência a líderes que nada têm de benevolentes.
A luta contra a injustiça e a denúncia de uma sociedade fundada sobre a desigualdade, conferem a Victor Hugo o estatuto de escritor revolucionário mas, acima de tudo um grande e profundo humanista. A sua própria dor sente-se nas linhas da sua escrita. A dor de quem escreve com alma, com a paixão pelos ideais da Revolução francesa, mas com toda a consciência dos excessos dos próprios revolucionários que, em nome da justiça não hesitavam em cometer os mesmos crimes e a praticar a mesma violência.
Gouvin é o herói romântico que Hugo escolheu para representar o revolucionário que, esse sim, procurou combater o mal com o bem. Acabará mal, como é lógico.
O enredo desenrola-se no ano do título, em plena guerra da Vendeia, que opôs os revolucionários republicanos, herdeiros da Revolução Francesa, proclamando os ideias de Liberdade, Igualdade e Fraternidade e, do outro lado, os realistas, saudosistas da monarquia, com o apoio dos interesseiros ingleses.
Um dos aspetos que mais impressiona o leitor, nesta obra, é desapego dos personagens em relação à própria vida; é a forma por vezes heroica, outras vezes louca como enfrentam a violência do inimigo, com que se expõem às balas. E no meio de heróis uns e idealistas outros, o povo de pé descalço; milhões de soldados miseráveis jogando a vida como se a morte fosse o destino fatal de uma procura a que chamam vida.
Escrito em 1874, quando V. Hugo contava já 72 anos, este livro é o culminar de uma carreira literária brilhante; é a súmula de uma imensa obra, onde brilham estrelas como Os Miseráveis e Nossa Senhora de Paris. Sem a profundidade histórica do Corcunda de Notre Damme e sem a beleza e a profundidade de Os Miseráveis, este O Noventa e Três compensa o leitor com um ritmo narrativo alucinante, privilegiando os diálogos e a emoção do enredo.
Sem dúvida, mais uma obra grandiosa da enorme literatura francesa do século XIX.
Obrigatório para quem aprecia a grande literatura universal.
Nota dez em dez.