OPINIÃO
Depois da anunciada penúria do
IILP, agora foi o VOC. Quem tentava lá entrar, recebia uma resposta em inglês:
“Congratulations!” Catorze dias depois, reagindo a este texto,
ressuscitaram-no.
23 de Janeiro de 2020,
7:30 actualizada às 12:21
Sinto-me honrado. Nunca me deram
os parabéns tantas vezes e em tão pouco tempo. Por algum texto? Por fazer anos?
Nada disso. A história é mais bizarra. Começa numa mania que mantenho com
regularidade: consultar o chamado Vocabulário
Ortográfico Comum da Língua Portuguesa (dito VOC) do Instituto Internacional
da Língua Portuguesa (IILP), de nome pomposo e misérrimas vestes, para ver
se algo mudou ou para confirmar o monumental absurdo de tal “empresa”. Devo
ser, aliás, um dos raríssimos visitantes daquela inutilidade, criada na
sequência do enorme embuste que foi o Acordo Ortográfico de 1990 (AO90).
Mas no dia 13, ao clicar no VOC,
deram-me os parabéns. E em inglês: “Congratulations!” Como naquelas mensagens
que nos dizem, matreiramente, que ganhámos qualquer coisa para depois nos
levarem à certa. Pensei que era um erro e insisti: parabéns outra vez. Não
podia ser. Tentei mais tarde e a coisa repetiu-se. Nesse dia e nos seguintes.
Até ontem. Esteve assim durante semana e meia e ninguém deu por nada. Nenhuma
explicação, nenhum pedido de desculpas (género “estamos a remodelar o VOC,
voltaremos em breve”). Silêncio total.
Só a mensagem ali continuava a
repetir-se, impassível. Soube, entretanto, que já no dia 9 alguém tentara
entrar no VOC e tivera essa mesma resposta. Primeiro, um “Congratulations!” em
letras grandes. Depois isto: “You’ve
successfully started the Nginx Proxy Manager. If you’re seeing this site
then you’re trying to access a host that isn’t set up yet. Log in to the Admin
panel to get started.” Pois. Trocando em miúdos: isto não está
configurado; ou o lugar onde esta coisa estava alojada fechou-lhe as portas.
Pelos vistos, o cheque “extraordinário” de 200 mil euros enviado por Portugal
chegou tarde… Adeus!
Quem não chegou a conhecer o
defunto, ainda pode espreitar uma “foto” esquecida algures no infinito espaço
virtual. Basta carregar em iilp.cplp.org/voc/ e lá aparece a Página Inicial do
dito VOC, mas sem nenhum préstimo, pois apesar de ainda ter algumas ligações
activas, nenhuma delas vai dar ao vocabulário. Lá estão, à esquerda, as nove
bandeirinhas, mas de nada vale tentar clicar nelas. Antigamente, lia-se:
“Selecione [sic] a versão do VOC a usar”. Isto significava carregar numa das
oito bandeirinhas correspondentes aos países da CPLP ou então numa outra, a
nona, que era uma espécie de saco-de-gatos com todas as variantes lá dentro.
Quando funcionava, clicava-se em três bandeiras e não dava nada: Angola,
Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe (os dois primeiros países não ratificaram o
AO90; e São Tomé ratificou-o, em condições mais que duvidosas, mas não tem
vocabulário que se veja). As restantes conduziam a cinco vocabulários com nomes
diferentes: Vocabulário Ortográfico
Cabo-Verdiano da Língua Portuguesa, Vocabulário Ortográfico Moçambicano da Língua Portuguesa, Vocabulário Ortográfico de Timor-Leste,
todos eles incorporando o nome dos respectivos países, e os dois restantes sem
identificação nacional: Vocabulário
Ortográfico do Português (o de Portugal) e Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (o do Brasil).
Para quem prometia um Vocabulário Ortográfico Comum, esta multiplicação é
patética.
Quanto ao defunto, e depois de
várias buscas, eis que surge em linha uma luz: um “Concurso Internacional de
Design de Projetos do IILP”, pretendendo dar “a oportunidade a um talento do
design de criar duas marcas para dois projetos” [sic], sendo um deles o VOC.
Ora aqui está: o vocabulário vai ser remodelado, e ainda que péssimo vai ter
nova cara. Puro engano: o anúncio é de 2013 e diz isto [sic]: “O projeto VOC –
Vocabulário Ortográfico Comum da Língua Portuguesa, visa implementar em uma
plataforma digital o vocabulário oficial da Língua Portuguesa, constituído de
forma inovadora pela soma dos diversos Vocabulários Ortográficos Nacionais
(VON), dos países da CPLP. A partir dos Vocabulários Nacionais de Angola,
Brasil, Cabo Verde, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste, o
Vocabulário Comum da Língua Portuguesa, pela primeira vez, incluirá numa grande
base de dados lexicais de gestão comum, o vocabulário de todos os países
escrito na nova ortografia, com inúmeras utilidades, o que abrirá uma fase nova
para a língua portuguesa.” Vírgulas fora do sítio e o “esquecimento” da
Guiné-Bissau são mesmo do texto, aqui em transcrição literal.
É duvidoso que algum “talento do
design” tenha arriscado nome e tempo em tal façanha, pois o resultado, tanto
gráfico como utilitário, sempre foi miserável. A “fase nova” para a língua
portuguesa também está à vista e não se recomenda. O que vão fazer, então, as
baixíssimas “altas instâncias”? Passar mais cheques? Ou aceitar de vez o
funeral, levando por arrasto no féretro o IILP (que sem VOC deixa de ter qualquer
justificação) e o Acordo Ortográfico de má memória, que desuniu em vez de unir
o amplo espaço da Língua Portuguesa? Decidam depressa, que o cadáver começa a
entrar em decomposição e urge o respectivo enterro. E desactivem lá o
“congratulations” – ao menos ali, dêem-nos os parabéns em português!
P.S.: – Anotem esta
data: ao 14.º dia de silêncio, o VOC ressuscitou do seu estado publicamente
cadavérico: precisamente às 12 horas e 4 minutos de 23 de Janeiro de 2020,
quatro horas e 34 minutos após a publicação desta crónica. Percebe-se: no
estado declarado de penúria em que se encontra, o IILP não devia ter dinheiro
para o funeral. Só que o morto ressuscitou tal qual fenecera – ou seja, mau.
Podiam ter aproveitado os 14 dias para melhorar alguma coisinha. Mas isso dá
muito trabalho. Fácil é repor o que não presta. E de preferência sem
comentários, porque não há nem haverá (escrevo isto para que haja, já que
eles são muito mais rápidos a contrariar os outros), em todo o sítio do IILP,
uma explicação, mais do que devida, para esta falha anormal e aberrante.
Enquanto isso, entretêm-se a fingir que propagam a língua portuguesa aos quatro
ventos no Universo. Pobres de nós...