A TECNOLOGIA É BOA PARA O AMOR. INÚTIL NAS SEPARAÇÕES
Temos que aceitar com a tolerância que se tem com as coisas modernas que as relações e a intimidade têm hoje variantes que podem parecer patéticas mas que só são criticáveis porque tem um coração empedernido e/ou não é dado a questões tecnológicas. Ou ambas. Tomei conhecimento que casais separados geograficamente, ou que tenham uma relação amorosa mas vivam em casas separadas (namoradinhos), estão a aderir à moda de dormir, a noite toda, com o FaceTime (ou similar) ligado. Ou seja, de certa forma dormem ‘juntos’ cara com cara no ecrã. Isto é impossível de inventar. Estou a ler na “The Atlantic”: “Couples Who Sleep Thogether Over Videochat” — 3 de janeiro de 2020. E ali se relata a beleza de até se poder baixar o som quando o companheiro/a ressona (detalhe que consta do artigo revelado por uma entrevistada). O facto de se repartir o leito com um ecrã ligado à pessoa amada resolve algumas das misérias da convivência partilhada na cama tal como alguns imprevistos que o corpo exala na sua humanidade ou o sempre inevitável hálito matinal. Pela manhã, na pantalha digital, somos apenas despenteados e relativamente mal-encarados e mesmo assim há sempre uns filtros do Snapchat que podem remediar.
Mas, cuidado, e isto também é referido, este tipo de vídeo-relação, exige wi-fi ilimitado. Nada de meros pacotes de dados. Ou temos drama financeiro conjugal. Uma das vantagens, revela uma das entrevistadas, é que assim tem a certeza que a sua cara-metade não está (naquele momento, naquela noite) a ter um caso extraconjugal. Sente-o ‘ali’ deitado com ela numa vídeo-presença. Há, pois, uma sensação de conforto e fidelidade. Bolas!, isto chega a ser romântico. Demonstra esforço e devoção no compromisso (nas separações geográficas). Fica, pois, aqui ponto assente que para as relações à distância a tecnologia tem sido benéfica. E isto é bonito. E mostra fé, por um lado. De que o amor perdure independentemente da quilometragem. E é das maiores faltas de confiança no outro que já vi, dado que exige que esteja live, no vídeo, para impedir que salte a cerca. É escolher.
Já para as separações, a tecnologia tem feito muito pouco para ajudar. Um homem/mulher que é abandonado, que vê acabar uma relação duradoira, fica irremediavelmente reduzido a um traste e quando menos espera está nas redes sociais a cuscar onde é que a/o ex anda. Uns aprendizes de stalker. O que não abona a quem por esta altura já perdeu dignidade (calha a todos). A questão das separações é que, ao contrário da tecnologia, todos somos mais ou menos peritos, todos somos psicólogos inatos e temos uma bagagem conceptual que — embora não tenha funcionado connosco — achamos que pode ser servida a título de conselho gratuito ao amigo que chora baba e ranho no nosso ombro e diz que nunca mais vai amar e o mais que se diz quando somos largados na sarjeta.
— Então... então... tens de começar a fazer o luto...
E, fazendo rapport com tanto filme comédia-romântica e série de TV no bucho, manda-se esta: “Ainda estás em negação amigo... sabes, é o teu cérebro a defender-se e a preparar-te para a ‘raiva’... é o que aí vem, percebes? Raiva. Muita. Mas são as fases por que todos passamos...”
Não são. Ou melhor: as pessoas gostam de pensar que é assim. Que perante uma perda, um evento traumático, um amor que nos deu um pontapé nos fundilhos, todos reagirmos segundo um script idêntico, formatado, composto por cinco fases: negação, raiva, negociação, depressão e aceitação. Buscamos padrões, queremos que o mundo faça sentido, que haja Ordem sobre o Caos. Não queremos que a nossa vida íntima seja uma presidência do Trump. É por isso que esta cronologia de sentimentos é tão catita. O problema é quando não acontece. E se depois da ‘negação’ não sentir raiva e passar rapidamente para a depressão? Ou para a aceitação? O que estou a fazer de ‘errado’? Não sou ‘normal’? Ou — por esta não esperava — se galguei fases do luto, este amor... não era amor?
Estou para aqui a dizer isto à boss, mas estava convencido que era assim até ter lido que o modelo de Kubler-Ross (a investigadora que determinou essas fases para doentes terminais) não é propriamente funcional para miudezas da vida quotidiana, para quando perdemos a carteira de marca ou, mais uma vez, a alma gémea. Para ser sincero, irritam-me alguns destes ataques às verdades que nos arrumavam a vidinha e que antigamente se chamava “experiência de vida” ou ser batidão. Tiram-nos tudo é o que é.
Nesse artigo da “Psychology Today”, tenho-o à minha frente, também desmitificavam teorias como a do “gene da depressão” (não existe), a do “filho mais velho dominador” (não se verifica), a da “adição sexual” (não se comprova), a do hemisfério do cérebro dominante (são ambos) e por aí fora. Bonito serviço. Perdi várias certezas que tinham as suas virtudes timoneiras. “O gene da depressão... ah, pois... uma chatice.”
Que fazer, então, se não há um script boia de salvação para corações partidos, copiado aos moribundos? Estamos por nossa conta. Quando dá para o torto, já não há um GPS do luto. A seguir à ‘negação’ vêm cenas. Sabe-se lá o quê. Tenha bom senso e preserve o que tem. Se preciso for, durma a fazer conchinha com um smartphone ligado, para não perder o sentido de intimidade com a amada e talvez a impedir que seja infiel. É o que há.
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