terça-feira, 12 de julho de 2011

Introdução para o Neo-realismo em Portugal - Arte e Literatura

"AFINAL DE CONTAS, A LITERATURA NÃO É OUTRA COISA QUE UM SONHO DIRIGIDO", QUE AFIRMAVA BORGES. ENTRE 2009 E 2010, VAMOS COLOCAR PARTE DA NOSSA NAVEGAÇÃO AQUI. AONDE NOS DIRIGIMOS AINDA NÃO SABEMOS, MAS O QUE IMPORTA É NAVEGAR...


DOMINGO, 13 DE JUNHO DE 2010


Introdução para o Neo-realismo em Portugal



O Neorealismo é uma escola que elege para tema fundamental da obra literária assuntos relacionados com o condicionalismo sócio-económico dos povos e analisa a luta de classes que ele implica, visando, na linha ideológica do marxismo, contribuir para o desaparecimento da exploração do homem.
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Como se conclui da definição dada, o Neo-Realismo baseia-se na interpretação dinâmica do materialismo dialéctico. Para os marxistas, a cultura, a arte, a religião, o direito os costumes, o próprio conceito de natureza humana não passam de super-estruturas das infra-estruturas econômicas. Ora, como as realidades econômica se vão transformando pela luta de classes, segue-se logicamente que as super-estruturas delas derivadas e nelas assentes se têm de transformar também e, de facto, se transformam. Daqui se deduz que a cultura, a arte, as crenças religiosas, as leis, os costumes, tudo o que o homem em determinado momento pensa de si (o que, segundo os marxistas, constitui a sua natureza) não são realidades imutáveis, mas realidades em contínuo evoluir. É o homem que se faz e, ao fazer-se, faz a história.
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Diante desta evolução dialéctica, o literato pode assumir duas atitudes. A primeira é aceitar o mundo tal qual ele é, conformar-se com ele sem combate, e então a obra literária não passará de uma recriação de super-estruturas aéreas e efêmeras, reflexo esclerosado de realidades que tendem a desaparecer. A segunda é apreender o homem na sua totalidade, com implicações não só biológicas e psicológicas mas também sócio-económicas. Neste caso, como as realidades sócio-económicas evoluem pela dinâmica da luta de classes, o literato integrar-se-á automáticamente no evoluir da história, fomentando-o. Só esta atitude é válida para os marxistas. Na verdade, a missão do escritor, depois de estar na posse das leis da evolução dialéctica da vida da humanidade, é tornar conhecidas essas leis, com o que apressará o movimento evolutivo através do qual o homem se faz pela história, fazendo a história por sua vez. Foi isto que Idanov quis dizer, no Primeiro Congresso dos Escritores Soviéticos (1934), ao afirmar que incumbe ao Realismo socialista “a tarefa de transformação ideológica e de educação dos trabalhadores no espírito do socialismo.”
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Sendo isto assim, o artista, que se transforma numa força apreciável, terá de comprometer a obra literária no evoluir histórico. Porá de parte a “arte pela arte” e criará uma literatura de tese. Nessa literatura, o tema fundamental será a luta de classes, a luta entre exploradores e explorados, corporizada numa espécie de dicotomia maniqueísta em que o capitalista e o burguês representam todo o mal humano e em que o proletário simboliza a defesa da verdade histórica e da justiça. O escritor neo-realista combaterá evidentemente ao lado do proletariado contra o capitalismo e a burguesia que o escravizam, contradizendo na teoria e na prática a tese do fatalismo sociológico da pobreza.
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Implantação em Portugal do Neo-realismo
Entre nós, desde o século XIX, o romance insistia sobretudo na análise do individuo não caracterizado como elemento de classe. Nas primeiras décadas do século XX, persiste ainda a mesma técnica narrativa tradicional: academicismo, culto do pitoresco histórico e regional, primado do estilo como elemento estético. Baldados os esforços de modernidade de Raul Brandão e Almada Negreiros, o movimento da Presença arredou-se um pouco da linha tradicional, mas ficou-se pela análise psicológica de indivíduos neutros, sem consciência de classe.
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No primeiro Congresso dos Escritores Soviéticos em 1934, Gorki lançou a palavra de ordem do que chamou realismo social. Por essa altura, em países ocidentais como América do Norte e o Brasil, muitos romancistas agitavam nas suas obras assuntos socio-económicos numa linguagem crua. Todo o mundo se interessou pelo novo tipo de literatura, sobretudo quando as primeiras conquistas do socialismo foram esmagadas pelo imperialismo financeiro que, sob o nome eufônico de “nacionalismo”, impôs em vários países do mundo regimes militares ditatoriais.
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Também em Portugal se começou então a notar certo interesse pelo realismo social. A nova corrente literária, ainda que embrionariamente, ia-se manifestando em artigos que apareceram em revistas criadas por alturas do citado Congresso dos Escritores Soviéticos em 1934; Gleba(Lisboa, 1934), Outro Ritmo (Porto, 1934), Agora (Coimbra, 1934), Gládio (1935) e também no “órgão do Instituto de Cultura Socialista” Pensamento (Porto, 1930).
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Coimbra franqueava nessa época as portas da Universidade a estudantes pequeno-burgueses, alguns deles oriundo de meios humildes. Desejosos de combater a opressão, começaram por adoptar o combativismo da Geração de 70, dos coriféus da primeira República e dos homens da “Seara Nova”. Ouviam com sofreguidão emissoras estrangeiras, folheavam revistas fornecidas por embaixadas, desencadeavam movimentos cívicos e estudantis, logo reprimidos. E liam o novo romance americano de Hemingway, John dos Passos, Steinbeck, e sobretudo os autores brasileiros Jorge Amado, Armando Fontes, Lins de Rego, Graciliano Ramos.
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Os jovens neo-realistas portugueses contestaram logo de início o socialismo utópico da Geração de 70 ou qualquer outro tipo de humanitarismo laico. Contraditoriamente aos realistas burgueses do século XIX, inclinaram-se mais ou menos abertamente pra o socialismo marxista. Mas, nas circunstâncias políticas da época, não lhes foi possível uma assimilação perfeita do materialismo dialéctico. A todos faltava uma solida formação filosófico-científica, não obstante alguns terem acesso a obras clássicas na matéria, que lhes chegavam por via francesa: de George Friedmann (La Crise Du Progrès), de Henri Lefêcbre e Norbert Gutermann (La Conscience Mystifiée), de Aragon (os romances do ciclo“Le Monde Réel”) e também de Plekanov (A Arte e a Vida Social).
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Foi por isso talvez que os pioneiros da escola, nos seus começos e até 1950, se entretiveram sobretudo com a polémica que ficou conhecida pelo nome de “batalha pelo conteúdo contra a arte pela arte”. O alvo dos seus ataques foram os escritores da “Presença”, como se sabe, totalmente divorciados dos temas políticas e sociais. Na esteira de afirmações isoladas de Jorge Amado e Alves Redol, chegaram mesmo a advogar para o livro neo-realista a categoria de “documento” de preferência à categoria de “literatura”. Contra o desprezo da forma no estilo neo-realista cedo se insurgiria Mário Dionísio, decretando-se mais tarde que o descuido da “literariedade” não podia constituir de forma alguma um preceito do Neo-Realismo.
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A polémica a que aludimos, envolvendo do lado presencista José Régio, Casais Monteiro e outros, foi sustentada por Alves Redol, Gomes Ferreira, Mando Martins, António Ramos de Almeida, Afonso Ribeiro, Álvaro Cunhal, Mário Dionísio. Escreviam nas revistas do Sol Nascente (Porto, 1937-1940), e nas citadas PensamentoGlebaOutro RitmoAgoraCládioSeara Nova, etc.
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Como a censura política, ciosa e atenta, obstava à divulgação do Neo-Realismo através da informação periódica, os coriféus da escola acharam bem optar pela obra literária: poesia, conto, novela, romance. Lançaram-se nesse campo. Aparecem então iniciativas editoriais aglutinantes do movimento: o “Novo Cancioneiro” (Coimbra, 1941-1944) e “Cadernos Azuis” (Porto, 1941); surgem logo a seguir obras narrativas. Com bastantes imperfeições técnicas geradas por tantas contrariedades, o Neo-Realismo acabou, apesar de tudo, por se implantar na nossa literatura.
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Costuma indicar-se como início da escola em Portugal o ano de 1940 (mais concretamente Dezembro de 1939), data em que apareceu o romance de Alves Redol Gaibéus. Mas, omitindo o nome de Ferreira de Castro, não devemos esquecer que indícios claros de Neo-Realismo aparecem já em alguns poemas de Mário Dionísio publicados em Sol Nascente (1937), nos contos de Afonso Ribeiro Ilusão da Morte (1938), nos livros poéticos de António Ramos de Almeida Sinal de Alarme (1938) e principalmente Sinfonia de Guerra (1939, e em poesias dispersas de Manuel da Fonseca, Joaquim Namorado, Álvaro Feijó, Políbio Gomes dos Santos, João José Cochofel, aparecidas em 1939 nas revistas Sol NascenteO DiaboSeara Nova,Altitude, etc.
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Por alturas chamada “Guerra Fria” (anos 50), o Neo-Realismo foi vítima de convulsões internas que o debilitaram. Dificuldades em congraçar o marxismo com a literatura de vanguarda e discussões antigas de fundo e forma levaram os Neo-Realistas a um esgrimir contraproducente nas revistas Mundo Literário (anos 1946-1947), Ler (ano 1952), e Árvore (anos 1951-1953). Muitos escritores evoluem então para o existencialismo, enquanto outros que, em oposição ao Neo-Realismo, haviam continuado agarrados ao psicologismo presencista, tentam o imaginismo poético e o surrealismo. Mas a literatura de intervenção e empenhamento social, mais ou menos ataviada de formalismos neo-realistas, tem encontrado nas últimas décadas os seus apaniguados, ao mesmo tempo, ao mesmo tempo que crescem os estudos monográficos e análises gerais da história pátria baseados numa focagem de teor marxista das infra-estruturas econômico-sociais.
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O romance neo-realista português
Vamos destacar que a acção do romance neo-realista normalmente é aberta, sem progresso dramático linear, composta em geral por uma acumulação de factos, de quadros panorâmicos, só ligados entre si pelo narrador e pela homogeneidade de situações que são muitas vezes símbolos. Desta forma, a intriga de tipo tradicional ou não existe ou corre diluída em fragmentações do gênero “reportagem”. E, a princípio, muitas obras neo-realistas nem sequer conseguiam ultrapassar um vulgar nível panfletário.
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As personagens são quase sempre colectivas, grupos antagônicos constituídos, de um lado, por representantes do capital e, de outro, por conjuntos de trabalhadores agrícolas e (mais raramente) de operários esmagados pela ganância de uma minoria dirigente, localizados em zonas bem determinadas. A estreita localização destes grupos trouxe para o neo-realismo português uma característica que não abona: o regionalismo alentejano.
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Estas personagens não figuram na acção como caracteres psicologicamente estudados mas apenas como tipos de uma classe. Se há um protagonista que merece destaque, é por ser o mais atingido entre a multidão ou por reflectir as reacções do todo. Por isso, o romance neo-realista abandona a personagem vista nos salões através da psicologia tradicional, para descer à personagem vista nos salões através da psicologia tradicional, para descer à personagem vulgar do campo ou da fábrica, conhecida por processos behavioristas, anotadores de um comportamento externo que se reduz a gestos de protesto social e também a atitudes de revolta contra o fatalismo do meio geográfico. Diante dos factores materiais e das forças sociais que as bloqueiam, as personagens neo-realistas não esboçam qualquer atitude de espiritualidade.
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O autor observa as situações com neutralidade pelo menos aparente, coloca os protagonistas no ambiente próprio, deixa-os agir e viver uma vida muito real; faz depois “jornalismo”, reportagem. Selecciona, no entanto, as situações a analisar e, quando calha, põe-se a interpretar os factos em função do fim que tem em vista. Com efeito, os neo-realistas são radicalmente objectivos, recriando a realidade social. Mas o subjectivismo não lhes é de todo estranho, pois não se limitam a recriar a realidade: orientam-na para transformações profundas com que sonham e em que estão empenhados.
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Minimizam os neo-realistas o cuidado da forma (que julgam encobrir ou pelo menos esfumar a verdade do romance) e, uma vez ou outra, no afã de retratar a realidade do modo mais simples possível, chegam a descurar as regras gramaticais. Foi neste sentido que a polémica com os presencistas orientou inicialmente a estética da escola. Contra este desprezo da forma insurgiu-se, como dissemos já, Mário Dionísio.
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O autor neo-realista gosta de pôr na boca das personagens a linguagem popular regional, como se a tivesse gravado do natural em fita magnética e a repetisse. Leva o diálogo muitas vezes a assumir funções narrativas. Emprega frases curtas, bem adaptadas ao pensamento conciso que o domina. Com tendência para a substantivação do real, usa moderadamente o adjectivo.

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