quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Arte e Poesia em Modus Vivendi

Modus vivendi

"Werde der du bist."
Goethe



05 de janeiro de 2010

Beijo

Um beijo em lábios é que se demora
e tremem no abrir-se a dentes línguas
tão penetrantes quanto línguas podem.
Mais beijo é mais. É boca aberta hiante
para de encher-se ao que se mova nela.
É dentes se apertando delicados.
É língua que na boca se agitando
irá de um corpo inteiro descobrir o gosto
e sobretudo o que se oculta em sombras
e nos recantos em cabelos vive.
É beijo tudo o que de lábios seja
quanto de lábios se deseja.
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Jorge de Sena
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John Singer Sargent

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The Misses Vickers, ou o encanto familiar


Era o último amor

Era o último amor. A casa fria,
os pés molhados no escuro chão.
Era o último amor e não sabia
esconder o rosto em tanta solidão.
Era o último amor. Quem advinha
o sabor pela escuridão?
Quem oferece frutos nessa neve?
Quem rasga com ternura o que foi verão?
Era o último amor, o mais perfeito
fulgor do que viveu sem as palavras.
Era o último amor, perfil desfeito
entre lumes e vozes passadas.
Era o último amor e não sabia
que os pés à terra nua oferecia.
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Luís Filipe Castro Mendes
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04 de janeiro de 2010

Cinco sentidos

Nós temos cinco sentidos:
são dois pares e meio de asas.
- Como quereis o equilíbrio?
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David Mourão-Ferreira
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Paul Signac

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Porto de St. Tropez, ou inspiração para esquecer o inverno
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Por muito tempo

Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.
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Carlos Drummond de Andrade
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03 de janeiro de 2010

ressoou um beijo

Sobre o regaço tinha
o livro bem aberto;
tocavam em meu rosto
seus caracóis negros.
Não víamos as letras
nem um nem outro, creio;
mas guardávamos ambos
fundo silêncio.
Por quanto tempo? Nem então
pude sabê-lo.
Sei só que não se ouvia mais que o alento,
que apressado escapava
dos lábios secos.
Só sei que nos voltámos
os dois ao mesmo tempo,
os olhos encontraram-se
e ressoou um beijo.
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Gustavo Adolfo Bécquer
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Magritte

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enigma quase esfíngico
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um dia puro

Que nenhuma estrela queime o teu perfil
Que nenhum deus se lembre do teu nome
Que nem o vento passe onde tu passas.
Para ti criarei um dia puro
Livre como o vento e repetido
Como o florir das ondas ordenadas.
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Sophia de Mello Breyner Andresen
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Por Ana Roque às 09:43 de 03 de janeiro de 2010 |

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