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Os índios escritores estão recuperando a história dos povos indígenas que os não índios ignoram. Seus livros, numa coleção de narrativas para crianças e adultos que relembram as tradições das 250 nações hoje sobreviventes no Brasil, variam no estilo, mas perseguem todos o mesmo objetivo - restaurar na ficção de lendas, novelas e romances a sabedoria dos ancestrais.
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Pesquisas antropológicas e o registro de uma memória que vem sendo transmitida, de geração em geração, pela boca dos pajés, permitem resgatar toda essa riqueza cultural. Daniel Munduruku, ou Derpó, que em sua língua nativa significa Peixe Maluco, é um dos pioneiros desse esforço editorial.
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Ao lado de guerreiros como Marcos Terena, Kaká Werá, Aílton Krenak, Darlene Taukane, Eliane Potiguara e dezenas de outros autores que aparecem num catálogo literário organizado por entidades de defesa dos bens e direitos sociais dos índios, Daniel ajuda a espalhar a produção intelectual de seus parentes, pelo Brasil e no exterior.
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Aos 45 anos de idade e 13 de escritor, Daniel lança O Karaíba, uma história do pré-Brasil (Editora Manole, 98 págs., R$ 39), romance destinado ao público juvenil. É mais um livro para ler com o coração, conselho válido para todas as lendas buscadas nas profundezas dos séculos anteriores à chegada dos portugueses à Bahia.
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Essa é uma história de ficção", alerta Daniel, com a ressalva de que, se não ocorreu de verdade, é uma história que poderia ter acontecido. Karaíba foi um profeta que percorria as aldeias prevendo coisas assustadoras, como a chegada de um grande monstro que destruiria tudo. "Não sobrarão nem vestígios de nossa passagem sobre esta terra onde nossos pais viveram", anunciou o velho sábio a seus parentes que habitavam a Amazônia.
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"Tudo será revirado: as águas, a terra, os animais, as plantas, os lugares sagrados", era essa a visão de Karaíba que os índios confirmariam no futuro, quando um jovem se assustou com um ponto branco se aproximando da praia. "Fantasmas estão chegando!", gritou aos guerreiros da aldeia.
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O que aconteceu daí em diante, a história contada pelos não índios, os manuais ensinam nas escolas. Nas páginas desse seu pequeno romance, Daniel resgata um pouco da cultura e da tradição dos Munduruku, que se espalham hoje com uma população de 12 mil índios pelos Estados de Mato Grosso, Amazonas e Pará.
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Foi numa aldeia da região de Santarém (PA), entre os igarapés afluentes do Rio Tapajós, que Daniel viveu até os 15 anos. Quando o pai foi morar na cidade, continuou a visitar seu povo, como conta em outro livro, Meu Vô Apolinário (Studio Nobel), que ele define como "um mergulho no rio de (minha) memória". Casado com uma moça do Vale do Paraíba e pai de dois filhos, Daniel formou-se em Filosofia na Universidade Salesiana de Lorena e faz doutorado em Educação na USP, enquanto escreve e dá palestras pelo Brasil afora.
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Cultura para crianças
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A tradição e a cultura indígena também são compartilhadas com as crianças nas escolas. "Xibat?", pergunta o índio escritor-professor a uma turma de alunos da Escola Lourenço Castanho, no bairro do Ibirapuera, em São Paulo, na manhã de uma sexta-feira de novembro. Os meninos e meninas, de 8 a 10 anos, que no início do encontro tinham ouvido de Daniel uma saudação em língua indígena, logo traduzida para o português, não entenderam nada. Todos sorriam, esperando a tradução de mais essa palavra.
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"Tudo bem? Tudo legal? Tudo joia? Tudo porreta?", traduziu o índio, despejando uma enxurrada de gírias para quebrar o gelo. Depois contou que, na aldeia, ninguém se cumprimenta com beijos e abraços, mas só com uma saudação simples como xibat, olhando nos olhos, porque, como dizem os ancestrais, "o olho é a única parte do corpo que não mente". Explicou que Munduruku quer dizer Formiga Guerreira ou Gigante, um nome que, com um significado desse, só pode dar orgulho a seu povo. A criançada prestou a maior atenção.
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"Meu povo, que vive na floresta há séculos, entrou em contato com os não índios há uns 300 anos. Aprendeu a usar roupa quando lhe disseram que era pecado andar pelado, balançando os balangandãs. Aprendeu a comer alimentos, como o macarrão, que não faziam parte de sua tradição. Os índios comiam mandioca, anta, farinha, peixe. Os índios, que falavam sua língua tradicional, tiveram de aprender o português. Os povos indígenas, que falam 180 línguas nas diversas regiões do País, agora são bilíngues."
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Não havia como não prestar atenção. O horário reservado para a palestra estourou, porque Daniel cativou os alunos. Fez provocações engraçadas, riu, gritou alto de assustar até os adultos, cantou, ensaiou passos de dança, pintou a cara com tinta de jenipapo e de urucum, pôs um cocar de chefe na cabeça e um colar de festa no pescoço. Assumiu a identidade da aldeia ao relembrar a cultura dos ancestrais, mas deixou claro que fazia concessões à modernidade. Para divulgar a história dos índios e defender seus direitos, tem um blog na internet e se comunica por e-mail e por telefone celular.
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"O povo indígena é um povo humano, que tem raiva, alegria, amor e ciúme", disse Daniel, citando sentimentos que acompanham seus personagens. Ao descrever as aventuras de seus parentes - com namoros, casamentos, caçadas, guerras e alianças de paz - ele utiliza palavras atuais, como garoto, rapaz e moça. Tudo com poesia e figuras simbólicas, mas sem aquela linguagem tipo "virgem dos lábios de mel" com que José de Alencar se referia a Iracema.
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Derpó Munduruku, que hoje se orgulha desse nome, mesmo atendendo pelo registro civil que o rebatizou como Daniel, confessa que já sentiu vergonha de suas origens, quando era discriminado por causa da imagem que o índio tinha. "Além de considerar que o índio era preguiçoso e feio, diziam que ele atrapalha o progresso, pois tem muita terra e não sabe o que fazer com ela."
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Daniel queria ser bombeiro ou astronauta, não queria ser visto como um selvagem. "Agora, tenho consciência de minha identidade e gosto dela: sou um brasileiro-índio." E, quando ele lembrou que existem brasileiros brancos, negros, japoneses, italianos e cidadãos de muitas outras ascendências que nem por isso são menos brasileiros, todos entenderam. "Xibat?", perguntou o índio. "Xibat", respondeu a criançada em coro.
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Com O Estado de S.Paulo
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Ao lado de guerreiros como Marcos Terena, Kaká Werá, Aílton Krenak, Darlene Taukane, Eliane Potiguara e dezenas de outros autores que aparecem num catálogo literário organizado por entidades de defesa dos bens e direitos sociais dos índios, Daniel ajuda a espalhar a produção intelectual de seus parentes, pelo Brasil e no exterior.
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Aos 45 anos de idade e 13 de escritor, Daniel lança O Karaíba, uma história do pré-Brasil (Editora Manole, 98 págs., R$ 39), romance destinado ao público juvenil. É mais um livro para ler com o coração, conselho válido para todas as lendas buscadas nas profundezas dos séculos anteriores à chegada dos portugueses à Bahia.
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Essa é uma história de ficção", alerta Daniel, com a ressalva de que, se não ocorreu de verdade, é uma história que poderia ter acontecido. Karaíba foi um profeta que percorria as aldeias prevendo coisas assustadoras, como a chegada de um grande monstro que destruiria tudo. "Não sobrarão nem vestígios de nossa passagem sobre esta terra onde nossos pais viveram", anunciou o velho sábio a seus parentes que habitavam a Amazônia.
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"Tudo será revirado: as águas, a terra, os animais, as plantas, os lugares sagrados", era essa a visão de Karaíba que os índios confirmariam no futuro, quando um jovem se assustou com um ponto branco se aproximando da praia. "Fantasmas estão chegando!", gritou aos guerreiros da aldeia.
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O que aconteceu daí em diante, a história contada pelos não índios, os manuais ensinam nas escolas. Nas páginas desse seu pequeno romance, Daniel resgata um pouco da cultura e da tradição dos Munduruku, que se espalham hoje com uma população de 12 mil índios pelos Estados de Mato Grosso, Amazonas e Pará.
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Foi numa aldeia da região de Santarém (PA), entre os igarapés afluentes do Rio Tapajós, que Daniel viveu até os 15 anos. Quando o pai foi morar na cidade, continuou a visitar seu povo, como conta em outro livro, Meu Vô Apolinário (Studio Nobel), que ele define como "um mergulho no rio de (minha) memória". Casado com uma moça do Vale do Paraíba e pai de dois filhos, Daniel formou-se em Filosofia na Universidade Salesiana de Lorena e faz doutorado em Educação na USP, enquanto escreve e dá palestras pelo Brasil afora.
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Cultura para crianças
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A tradição e a cultura indígena também são compartilhadas com as crianças nas escolas. "Xibat?", pergunta o índio escritor-professor a uma turma de alunos da Escola Lourenço Castanho, no bairro do Ibirapuera, em São Paulo, na manhã de uma sexta-feira de novembro. Os meninos e meninas, de 8 a 10 anos, que no início do encontro tinham ouvido de Daniel uma saudação em língua indígena, logo traduzida para o português, não entenderam nada. Todos sorriam, esperando a tradução de mais essa palavra.
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"Tudo bem? Tudo legal? Tudo joia? Tudo porreta?", traduziu o índio, despejando uma enxurrada de gírias para quebrar o gelo. Depois contou que, na aldeia, ninguém se cumprimenta com beijos e abraços, mas só com uma saudação simples como xibat, olhando nos olhos, porque, como dizem os ancestrais, "o olho é a única parte do corpo que não mente". Explicou que Munduruku quer dizer Formiga Guerreira ou Gigante, um nome que, com um significado desse, só pode dar orgulho a seu povo. A criançada prestou a maior atenção.
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"Meu povo, que vive na floresta há séculos, entrou em contato com os não índios há uns 300 anos. Aprendeu a usar roupa quando lhe disseram que era pecado andar pelado, balançando os balangandãs. Aprendeu a comer alimentos, como o macarrão, que não faziam parte de sua tradição. Os índios comiam mandioca, anta, farinha, peixe. Os índios, que falavam sua língua tradicional, tiveram de aprender o português. Os povos indígenas, que falam 180 línguas nas diversas regiões do País, agora são bilíngues."
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Não havia como não prestar atenção. O horário reservado para a palestra estourou, porque Daniel cativou os alunos. Fez provocações engraçadas, riu, gritou alto de assustar até os adultos, cantou, ensaiou passos de dança, pintou a cara com tinta de jenipapo e de urucum, pôs um cocar de chefe na cabeça e um colar de festa no pescoço. Assumiu a identidade da aldeia ao relembrar a cultura dos ancestrais, mas deixou claro que fazia concessões à modernidade. Para divulgar a história dos índios e defender seus direitos, tem um blog na internet e se comunica por e-mail e por telefone celular.
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"O povo indígena é um povo humano, que tem raiva, alegria, amor e ciúme", disse Daniel, citando sentimentos que acompanham seus personagens. Ao descrever as aventuras de seus parentes - com namoros, casamentos, caçadas, guerras e alianças de paz - ele utiliza palavras atuais, como garoto, rapaz e moça. Tudo com poesia e figuras simbólicas, mas sem aquela linguagem tipo "virgem dos lábios de mel" com que José de Alencar se referia a Iracema.
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Derpó Munduruku, que hoje se orgulha desse nome, mesmo atendendo pelo registro civil que o rebatizou como Daniel, confessa que já sentiu vergonha de suas origens, quando era discriminado por causa da imagem que o índio tinha. "Além de considerar que o índio era preguiçoso e feio, diziam que ele atrapalha o progresso, pois tem muita terra e não sabe o que fazer com ela."
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Daniel queria ser bombeiro ou astronauta, não queria ser visto como um selvagem. "Agora, tenho consciência de minha identidade e gosto dela: sou um brasileiro-índio." E, quando ele lembrou que existem brasileiros brancos, negros, japoneses, italianos e cidadãos de muitas outras ascendências que nem por isso são menos brasileiros, todos entenderam. "Xibat?", perguntou o índio. "Xibat", respondeu a criançada em coro.
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Com O Estado de S.Paulo
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[Audiobook] Catando Piolhos, Contando Histórias – Daniel Munduruku ...
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Coisas de Índio: Versão Infantil
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Daniel Munduruku, autor deste bonito panorama sobre as comunidades indígenas do Brasil, é índio e gosta de ser índio. Ou seja, acha fundamental o resgate do orgulho indígena, tão em baixa desde que os brancos aqui aportaram. Tanto que a expressão "coisas de índio" tem valor negativo, querendo dizer: "coisas de gente esquisita, de ignorante". Mas, desde que conduzidos pela mão certa, basta uma rápida olhada na cultura e na história dos povos indígenas para vermos que não é bem assim. Coisas de índio é um livro para pesquisa, acessível, interessante e muito atraente, capaz de fazer com que o leitor sensível compreenda toda a riqueza e pluralidade das coisas dos nossos índios.
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http://www.planetanews.com/produto/L/44029/coisas-de-Indio--versao-infantil-daniel-munduruku.html
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