domingo, 26 de março de 2017

Truman Capote e A Sangue Frio: afinal havia outro


Uma reportagem do Wall Street Journal revela a existência de um outro relato do crime que originou a obra mais memorável de Truman Capote. Foi escrito por um dos assassinos, Richard Hickcock, que alude, ao contrário do escrito por Capote, a um crime encomendado.
26 de Março de 2017, 8:18
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O escritor sabia da existência do segundo relato e tudo terá feito para impedir a sua publicação REUTERS/NEW YORK TIMES/HANDOUT

Na noite de 15 de Novembro de 1959, na casa de uma quinta em Holcomb, no Texas, dois homens surpreendem a família Clutter. Procuram um cofre com dez mil dólares e asseguram ao casal e aos dois filhos adolescentes que nada de mal lhes acontecerá. O cofre nunca aparece. Na manhã seguinte, os quatro Cuttler jazem mortos, baleados, na casa da quinta isolada. Muitos conhecem a história de um dos crimes mais célebres e infames na história dos Estados Unidos. Foi a partir dele, afinal, que Truman Capote criou A Sangue Frio, editado em 1966 e o livro mais aclamado do escritor americano, considerado o criador do jornalismo literário.

Que alguns factos menores foram alterados para servir a narrativa de Capote, era sabido há muito. Mas quanta liberdade tomou o autor? Essa é a questão que se coloca quando nos deparamos com a existência de um outro livro sobre o crime, mantido desconhecido durante cinco décadas. Foi escrito por um dos assassinos, Richard Hickcock, com a ajuda de um jornalista do Kansas, Mack Nations. A revelação foi feita esta semana numa reportagem do Wall Street Journal, que teve acesso à única cópia existente do relato de cerca de 200 páginas intitulado The High Road to Hell.

A principal novidade reside na possibilidade de, ao contrário do descrito por Capote, estarmos perante um crime encomendado – em A Sangue Frio, um antigo companheiro de cela de Hickcock, outrora empregado dos Clutter, conta ter revelado àquele a existência do cofre na casa da família e a obsessão com os dez mil dólares nele contidos que, a partir de então, tomou conta de Hickcock. Em High Road to Hell é identificado e referido brevemente alguém de nome Roberts, que encomendara o assalto e assassinato. “Ia matar uma pessoa. Talvez mais que uma. Conseguiria fazê-lo? Talvez recue. Mas não posso recuar, já tenho o dinheiro. Gastei algum dele”, escreve Hickcock. À luz deste facto estranha-se que, durante o julgamento, a sua defesa nunca o tenha referido e que a identidade do misterioso Roberts nunca tenha sido investigada.



Ralph Voss, professor da Universidade do Alabama e estudioso de Truman Capote e A Sangue Frio, desvaloriza a revelação. Explica-a pela desilusão de Hickcock com Capote, que julgava que poderia auxiliá-lo no seu caso desesperado. “Quando percebeu que não, procurou ganhar dinheiro pelos seus próprios meios. Não acreditaria em nada de Hickcock, nem julgo que o manuscrito acrescente algo de significativo ao publicado por Capote”.

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