Uma reportagem do Wall Street Journal revela a existência de um outro relato do crime que originou a obra
mais memorável de Truman Capote. Foi escrito por um dos assassinos, Richard
Hickcock, que alude, ao contrário do escrito por Capote, a um crime
encomendado.
26 de Março
de 2017, 8:18
o
O escritor sabia da existência do segundo relato e tudo terá feito para
impedir a sua publicação REUTERS/NEW YORK
TIMES/HANDOUT
Na noite
de 15 de Novembro de 1959, na casa de uma quinta em Holcomb, no Texas, dois
homens surpreendem a família Clutter. Procuram um cofre com dez mil dólares e
asseguram ao casal e aos dois filhos adolescentes que nada de mal lhes
acontecerá. O cofre nunca aparece. Na manhã seguinte, os quatro Cuttler jazem
mortos, baleados, na casa da quinta isolada. Muitos conhecem a história de um
dos crimes mais célebres e infames na história dos Estados Unidos. Foi a partir
dele, afinal, que Truman Capote criou A Sangue Frio, editado em
1966 e o livro mais aclamado do escritor americano, considerado o criador do
jornalismo literário.
Que
alguns factos menores foram alterados para servir a narrativa de Capote, era
sabido há muito. Mas quanta liberdade tomou o autor? Essa é a questão que se
coloca quando nos deparamos com a existência de um outro livro sobre o crime,
mantido desconhecido durante cinco décadas. Foi escrito por um dos assassinos,
Richard Hickcock, com a ajuda de um jornalista do Kansas, Mack Nations. A
revelação foi feita esta semana numa reportagem do Wall Street Journal,
que teve acesso à única cópia existente do relato de cerca de 200 páginas
intitulado The High Road to Hell.
A
principal novidade reside na possibilidade de, ao contrário do descrito por
Capote, estarmos perante um crime encomendado – em A Sangue Frio,
um antigo companheiro de cela de Hickcock, outrora empregado dos Clutter, conta
ter revelado àquele a existência do cofre na casa da família e a obsessão com
os dez mil dólares nele contidos que, a partir de então, tomou conta de
Hickcock. Em High Road to Hell é identificado e referido
brevemente alguém de nome Roberts, que encomendara o assalto e assassinato. “Ia
matar uma pessoa. Talvez mais que uma. Conseguiria fazê-lo? Talvez recue. Mas
não posso recuar, já tenho o dinheiro. Gastei algum dele”, escreve Hickcock. À
luz deste facto estranha-se que, durante o julgamento, a sua defesa nunca o
tenha referido e que a identidade do misterioso Roberts nunca tenha sido
investigada.
Ralph
Voss, professor da Universidade do Alabama e estudioso de Truman Capote e A
Sangue Frio, desvaloriza a revelação. Explica-a pela desilusão de Hickcock
com Capote, que julgava que poderia auxiliá-lo no seu caso desesperado. “Quando
percebeu que não, procurou ganhar dinheiro pelos seus próprios meios. Não
acreditaria em nada de Hickcock, nem julgo que o manuscrito acrescente algo de
significativo ao publicado por Capote”.
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