O Inedito Viável.Paulo Freire trata da categoria do inédito viável nos livros Pedagogia do Oprimido e Pedagogia da Esperança, com espaço de 20 anos entre as duas publicações, uma na década de 1960, no exílio, e a outra já de retorno ao Brasil, na década de 1980. A escritora e viúva de Paulo Freire, Ana Maria Araújo Freire, na Nota 1 do livro Pedagogia da Esperança, traz uma análise sobre o “inédito-viável”, reproduzida a seguir:
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“Uma das categorias mais importantes porque provocativa de reflexões nos escritos da Pedagogia do Oprimido é o "inédito-viável". Pouco comentada e arrisco dizer pouco estudada, essa categoria encerra nela toda uma crença no sonho possível e na utopia que virá, desde que os que fazem a sua história assim queiram, esperanças bem próprias de Freire. Para Freire as mulheres e os homens como corpos conscientes sabem bem ou mal de seus condicionamentos e de sua liberdade. Assim encontram, em suas vidas pessoal e social, obstáculos, barreiras que precisam ser vencidas. A essas barreiras ele chama de "situações-limites".
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Os homens e as mulheres têm várias atitudes diante dessas "situações-limites": ou as percebem como um obstáculo que não podem transpor, ou como algo que não querem transpor, ou ainda como algo que sabem que existe e que precisa ser rompido e então se empenham na sua superação. Nesse caso a "situação-limite" foi percebida criticamente e por isso aqueles e aquelas que a entenderam querem agir, desafiados que estão e se sentem a resolver da melhor maneira possível, num clima de esperança e de confiança, esses problemas da sociedade em que vivem.
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Para isso eles e elas se separaram epistemologicamente, tomaram distância daquilo que os "incomodava", objetivaram-no e somente quando o entenderam na sua profundidade, na sua essência, destacado do que está aí, é que pôde ser visto como um problema. Como algo "percebido" e "destacado" da vida cotidiana o "percebido-destacado" que não podendo e não devendo permanecer como tal passa a ser um tema-problema que deve e precisa ser enfrentado, portanto, deve e precisa ser discutido e superado. As ações necessárias para romper as "situações-limites" Freire as chama de "atos-limites". Esses se dirigem, então, à superação e à negação do dado, da aceitação dócil e passiva do que está aí, implicando dessa forma uma postura decidida frente ao mundo.
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As "situações-limites" implicam, pois, a existência daqueles e daquelas a quem direta ou indiretamente servem, os dominantes; e daqueles e daquelas a quem se "negam" e se "freiam" as coisas, os oprimidos.
Os primeiros vêem os temas-problemas encobertos pelas "situações-limites", daí os considerar como determinantes históricos e que nada há a fazer, só se adaptar a elas. Os segundos quando percebem claramente que os temas desafiadores da sociedade não estão encobertos pelas "situações-limites" quando passam a ser um "percebido-destacado", se sentem mobilizados a agir e a descobrirem o "inédito-viável".
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Esses segundos são os que se sentem no dever de romperem essa barreira das "situações-limites" para resolvendo, pela ação com reflexão, esses obstáculos à liberdade dos oprimidos, transpor a "fronteira entre o ser e o ser-mais", tão sonhada por Freire. Este representando, evidentemente, a vontade política de todas e de todos os que como ele e com ele vêm trabalhando para a libertação dos homens e das mulheres, independentemente de raça, religião, sexo e classe.
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Esse "inédito-viável" é, pois, em última instância, algo que o sonho utópico sabe que existe mas que só será conseguido pela práxis libertadora que pode passar pela teoria da ação dialógica de Freire ou, evidentemente, porque não necessariamente só pela dele, por outra que pretenda os mesmos fins.
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O "inédito-viável" é na realidade uma coisa inédita, ainda não claramente conhecida e vivida, mas sonhada e quando se torna um "percebido destacado" pelos que pensam utopicamente, esses sabem, então, que o problema não é mais um sonho, que ele pode se tornar realidade.
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Assim, quando os seres conscientes querem, refletem e agem para derrubar as "situações-limítes" que os e as deixaram a si e a quase todos e todas limitados a ser-menos; o "inédito-viável" não é mais ele mesmo, mas a concretização dele no que ele tinha antes de inviável. Portanto, na realidade são essas barreiras, essas "situações-limítes" que mesmo não impedindo, depois de "percebidos-destacados", a alguns e algumas de sonhar o sonho, vêm proibindo à maioria a realização da humanização e a concretização do SER-MAIS.”
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