* Francisco Louçã
U
ma refeição desta época de Natal, com as várias gerações da família, permite um momento raro de observação das bengalas da língua falada. Dizia-me a Ana, quando saímos: “já reparaste que o ‘pá’ desapareceu? Agora é ‘tipo’”. Pois é.
O “pá” foi o bordão da fala da nossa geração, a interjeição seca que marcava o ritmo das frases. A emoção aumentava a frequência dos “pás” e, em algumas pessoas, ela era obsessiva.
Helder Guégués, no seu blog, dá, entre outros, estes exemplos de textos de Lídia Jorge e de Manuel Alegre com o “pá”:
“Pá, oh pá, estava eu com a bandeja em frente da copa e vieram dizer. Pá. Porra que vais ser um gajo de sorte. Com tanta coisa a dar-se, vais ver que te escapas de lá ir, pá” (O Cais das Merendas, Lídia Jorge. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 6.ª ed., 2002, p. 71).
“D. Diogo, com os seus olhos muito azuis, sempre a sorrir, mesmo quando se zangava, perguntou com a voz sumida que tinha, como se viesse de fora para dentro: Ó pá, o cachimbo? Essa agora, respondeu o meu pai, que é que tem o cachimbo? Os outros olhavam, suspensos. Então o meu pai desconfiou: Que é que há? Nunca me viram fumar? E lá se decidiu. Quando acendeu o forno, o cachimbo disparou a rabiar [sic] que nem um foguete. Foi um pagode” (Alma, Manuel Alegre. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 10.ª ed., 2004, pp. 91–92).
“Pá” será uma contracção de “rapaz”, segundo os dicionários, mas esta referência perdeu-se, pois se passou a aplicar a todo o tipo de situações, géneros e idades. “Pá” tornou-se assim uma bengala (isto, pá, é uma frase, pá, não percebes?), um vocativo (oh pá) e uma interjeição (ena pá) com tons que vão da simples pontuação à ênfase mais marcada. Será talvez uma expressão única pela sua plasticidade em circunstâncias tão diferentes:
“Acho interessante porque nós não temos um equivalente exacto em inglês. Pois, temos ‘dude’, ‘man’ e outros, mas não se ouve um velhinho a dizer ‘hey, dude’ ao seu neto como se ouve um avô português a dizer ‘então, pá’. Há um termo equivalente no Brasil…que abrange todos os níveis da sociedade? Se calhar ‘cara’?”
Mas, ao contrário do “cara”, o “pá” desapareceu, é hoje uma raridade de museu. O que mostra como em poucas décadas a mesma geração pode perder um termo que era tão comum – era uma identificação de comunicação em sociedade e que permeava várias classes e grupos – e transformar ou adaptar a sua linguagem.
O que essa geração não consegue, contudo, é adaptar-se ao termo que substituiu o seu bordão. “Tipo” é esse termo e não sei como e de onde foi trazido para a fala dos jovens. Leio que é do Brasil que vem essa “expressão idiomática, indicando miséria vernacular absoluta”, como se escreve com alguma ligeireza irritada num dicionário.
Escreve Pedro Mateus, no seu blog Ciberdúvidas:
“Assim, à falta de melhor, eu arriscaria (de forma algo aventureira, tenho essa consciência) inserir esta expressão no grupo dos chamados marcadores discursivos: ‘unidades linguísticas invariáveis, com alto grau de gramaticalização, que não desempenham uma função sintática no âmbito da frase, nem contribuem para o sentido proposicional do discurso, mas que têm uma função relevante na produção dos atos pragmático-discursivos, estabelecendo conexões entre os enunciados, organizando-os em blocos, indicando o seu sentido argumentativo, introduzindo novos temas, mantendo e orientando o contacto do locutor com o interlocutor’ (Dicionário Terminológico), mais concretamente no subconjunto dos marcadores conversacionais ou fáticos (‘ouve’, ‘olha’, ‘presta atenção’, ‘homem’, etc.) (Dicionário Terminológico, idem).”
O tipo fará o seu caminho e extinguir-se-á, ou não. Seja como for, tipo, o uso do “pá” tipo já desapareceu.
http://blogues.publico.pt/tudomenoseconomia/2016/01/04/o-uso-do-pa-tipo-desapareceu/
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