quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Miguel Esteves Cardoso - O Raio da Conjugação

OPINIÃO

O raio da conjugação

A conjugação do verbo dá a ideia que estão sempre a trabalhar para a nossa satisfação.

A língua portuguesa, tal como todas as outras línguas (que triste é viver com um problema que é geral!), está cada vez mais suja e mais incapaz de se limpar.
Recuemos ao século XIX. Ramalho Ortigão entra numa livraria de Lisboa e pergunta se já chegou um livro inglês. O livreiro salta milagrosamente para o século XXI e, em vez de dizer que ainda não chegou ou que nunca ouviu falar dele diz que “estamos à espera dele a qualquer momento. Só nos falta saber o momento exacto da chegada”.
Passemos a Janeiro de 2016. Há seis horas que paguei uma conta que já deveria ter pago. Por não ter pago cortaram-me o pio.
Acho bem. Quem se porta mal merece ser castigado. Só que quando telefono para a “entidade” – o nome teológico dos nossos tudo-menos-metafísicos fornecedores – recebo sempre a mesma “mensagem”: “Estamos a processar o seu pedido”.
A conjugação do verbo dá a ideia que estão sempre a trabalhar para a nossa satisfação. Deveriam dizer – o que seria bem aceite – que “ainda não tivemos tempo de voltarmos a ligá-lo à nossa rede”. Mas não. Nunca podem usar a negativa. Têm sempre de fingir que estão permanentemente ocupados a tentar dar-nos prazer.
E nós continuamos, permanentemente, sem receber esse prazer. Depois de meia hora à espera que alguém nos atenda o telefonema ouvimos, de minuto a minuto, “o seu telefonema encontra-se em fila de espera”. Que bom para ele encontrar-se numa fila. Nós – os ouvintes destas lengalengas – que nos lixemos.
https://www.publico.pt/sociedade/noticia/o-raio-da-conjugacao-1721558?frm=opi

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