sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Poemas de Micheliny Verunsck

18 de setembro de 2015 - 16h39 

Poemas de Micheliny Verunsck

Micheliny Verunschk é poeta e historiadora pernambucana, mas vive atualmente em São Paulo, onde faz doutorado em Letras, pela PUC. Publicou recentemente o romance Nossa Teresa e o Letras Vermelhas desta semana traz, na íntegra, uma série de poemas da escritora. 


Arquivo pessoal

Micheliny Verunschk é poeta e historiadora

Além deste último trabalho, Micheliny tem outras obras publicadas, entre elas O Observador e o Nada e Geografia Íntima do Deserto, ambos lançados em 2003. Em 2010 a poeta trouxe à luz a obra A Cartografia da Noite.


Leia os poemas na íntegra: 



Outro Cântico
I
mulheres de Jerusalém, 
vocês viram o meu amado?
pomar de romãs
meu vinho meu leite
revoada de pássaros
mirra incenso 
falo.
[o meu amado
passou sua mão
pela fresta da porta
meu coração 
entre seus dedos
estremeceu:
eu sou do meu amado
e ele é meu].



II 
mulheres de Jerusalém
se encontrarem o meu amado
digam que guardei-lhe uma flor
semiaberta
entre as pernas
digam
que desfaleço
e morro de amor.
[o meu amado
ergue-se
Monte Carmelo
tenda no deserto
torre do Líbano
suas pernas, torres
sua coroa, lírios].



III
mulheres de Jerusalém
foi por entre as romanzeiras em flor
que o meu amado me beijou
e embaixo da macieira
sua língua 
cítara
entre meus dentes.
[o meu amado
passa a mão 
em minha cintura
e me conduz 
ao jardim 
de todas as venturas.
o meu amado é belo
como o cedro 
e o seu amor
mirra da mais pura].



IV
mulheres de Jerusalém
procurei o meu amado
e não o achei.
dizem que o amor
é mais forte que a morte
mas a saudade 
é pedra e sepultura.
aloé açafrão e nardo
nada sara essa ferida funda.
[ventos do oriente
[ventos do oriente
soprem 
seu perfume sobre mim
e deixem que o meu amado
me apascente
e coma dos frutos
do seu jardim]



V
mulheres de Jerusalém,
eu quero o meu amado
e o meu amado me quer
meu nome gravado em seu anel
meu cabelo enroscado no seu brinco
seu amor oásis de leite e mel
seu desejo marfim e vinho tinto.
[é doce beijar o meu amado,
seus olhos sua testa
a curva do pescoço
os seus lábios
e espero
como a pomba
aguarda a primavera 
para conduzi-lo
ao jardim
mais aromático].




Autorretrato II 



míope e diastêmica
mas não prognata
graças a deus
ou à genética
o que é mais certo.
um olho levemente 
maior que o outro.
pés pequenos.
dois grains de beauté
proeminentes:
um nas costas
outro no pescoço.
dedos curtos.
coxas firmes
mas com mais
que o necessário 
de celulite.
algumas cicatrizes:
uma no alto da testa
tem nome e causa: bicicleta.
cabelos que já foram lisos
hoje, ondulados
mas sempre muito, muito fartos.
tem duas asas ocultas
uma coleção de imperfeições
e uns trezentos sonhos
que não cabem 
não cabem no retrato.



Insectarium



I
você sabe, há as pequeninas desatenções, as pequeninas, mas bem marcadas desatenções. leves, diáfanas, elas borboleteiam displicentes, alheias, se achando, tão ingênuas, que são imperceptíveis. às vezes elas são tantas que formam primeiro um pequeno enxame silencioso, mas que à medida em que elas se multiplicam, elas, as pequeninas desatenções, vão fazendo ruído, o ruflar de suas asas num zumbido contínuo. você percebe, você sabe que você está lá, lâmpada a aquecer os pequenos ovos de onde elas saem. você sabe que você é a rainha fértil e gorda, mãe de todas as pequeninas desatenções. o que você talvez não saiba é que o outro está vendo você, está vendo a pequena e barulhenta nuvem que se adensa em seu redor, está vendo a grande parideira de desatenções miudíssimas que você é. ou talvez você saiba, mas confia que o outro estará sempre ali, silencioso e calmo perante o burburinho das pequeninas desatenções. ou talvez você saiba e não se importe: quem há de saber mensurar o tamanho de um desprezo? não. não há nada a fazer. chega o dia em que o outro vai embora e vai embora mesmo que continue sorrindo para você, vai embora mesmo e apesar de você não perceber que ele se foi, vai embora e te deixa sozinha, grandessíssima rainha, com suas leves e distraídas e muito caras a você mesma, pequeninas desatenções



II 
peçonhenta ela sobe por sua perna, e você deixa. suas patas finas como agulhas arranhando sua pele, o veneno na ponta da cauda, a cauda levantada, pronta a se cravar em sua carne. você deixa que ela percorra, você não se importa com o perigo de tanta proximidade, você nem percebe que o veneno contamina mesmo antes da inoculação. você se apega a ela e a chama, como se chamasse a um cachorrinho, de minha tristeza, minha tristeza. ela se aloja nas dobras da sua pele. se esconde na gola da sua camisa. ela se emaranha nos seus cabelos, nos seus dias e noites. às vezes ela, minha tristeza, minha tristeza, se oculta tão bem que você nem lembra. mas logo, dia menos dia, as patas finas arranhando suas pálpebras, rasurando seus lábios, dizendo, estou aqui, estou aqui. um dia ela te crava o ferrão bem no meio da língua e tudo finda. 



Do Portal Vermelho

http://www.vermelho.org.br/noticia/270404-368

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