domingo, 26 de janeiro de 2025

Graça Castanheira - Um momento arrepiante




* Graça Castanheira  

«A riqueza dos dez homens mais ricos do mundo cresceu, em média, quase 100 milhões de dólares por dia, ou seja, mesmo que perdessem 99% da sua riqueza de um dia para o outro, continuariam a ser milionários. O dinheiro dos super-ricos subiu 2 biliões de dólares só em 2024, o equivalente a cerca de 5700 milhões de dólares por dia, a um ritmo três vezes mais rápido do que no ano anterior, de acordo com um relatório da organização não-governamental de combate à pobreza Oxfam Internacional. Este é o segundo maior aumento anual da riqueza dos bilionários desde que há registos. O anterior maior aumento ocorreu em 2021, durante a pandemia, impulsionado em grande parte pelos triliões que os governos injetaram na economia. No pódio da revista Forbes dos cinco mais ricos do mundo de 2024 encontram-se Bernard Arnault, que gere o império da moda Louis Vuitton e Sephora, com uma fortuna avaliada em 233 mil milhões; seguido dos conhecidos Elon Musk (195); Jeff Bezos (194) Mark Zuckerberg (177) e Larry Ellison (141), cofundador da gigante de software Oracle.

À medida que a quantidade e o património líquido total dos bilionários continua a crescer nos EUA, muitos têm usado a sua riqueza para comprar ilhas — ora inteiras, ora parcelas — ou propriedade edificada. Em 2023, Jeff Bezos gastou 147 milhões de dólares na compra de duas mansões na ilha de Indian Creek, na Florida, onde é, desde então, vizinho do casal Ivanka Trump e Jared Kushner. A pequena ilha havaiana de Lanai, ao largo da costa do Maui, foi comprada por 300 milhões, por Larry Ellison. A Nova Zelândia, encontra-se hoje povoada de casas de pessoas super-ricas da elite tecnológica — Sam Altman, Peter Thiel — que, em caso de um qualquer acontecimento apocalíptico, apanharão um jato para uma das suas casas neozelandesas, de preferência uma que esteja devidamente equipada com um bunker, o último grito nas propriedades bilionárias que se prezem.

Até notícia em contrário, o bunker maior de todos está a ser construído por Zuckerberg na ilha havaiana de Kauai, num terreno de cerca de 6 Km2 que este adquiriu por 250 milhões. Koolau Ranch, de seu nome, organiza-se em torno de duas mansões com a área total de um campo de futebol profissional, unidas por um túnel que se ramifica num abrigo subterrâneo, protegido por uma porta de aço e cimento anti explosão, com espaço habitacional, uma cozinha industrial e abastecimento autónomo de energia e alimentos.

Foram inúmeros os momentos terríveis da cerimónia da tomada de posse de Donald Trump. Mas certamente o mais arrepiante foi aquele em que falou de Gaza, de forma casual, enquanto assinava um dos seus cerca de 200 decretos na sala Oval: “Olhei para imagens de Gaza e aquilo parece um enorme local de demolição. Realmente... tem de ser reconstruída de uma forma diferente. Gaza é interessante, tem uma localização fenomenal. É à beira-mar, tem ótimo clima. Tudo é bom. Podem ser feitas ali coisas bonitas e fantásticas. É muito interessante”. As observações de Trump ecoam os comentários do seu genro Jared Kushner, que já descreveu a propriedade à beira-mar de Gaza como “muito valiosa”. Mais tarde, acrescenta Trump: “Não é possível continuar a ter as pessoas que lá estão — a maior parte delas está morta, de qualquer maneira. Eles não governaram bem Gaza. Dirigiram-na mal e de forma perversa. Isso não pode ser.”

No dia em que se reconstrua Gaza para lá se instalarem os super-ricos, é o dia em que a humanidade se desencontra fatalmente de si própria; é o dia em que perde a cara e se torna a vergonha alheia do universo e mais além. Temos de lutar que nem raparigas e garotos intergaláticos para que esse dia nunca venha a acontecer.»

https://www.publico.pt/2025/01/26/opiniao/

sábado, 25 de janeiro de 2025

Miguel Sousa Tavares - A tomada de posse dos donos do mundo

 Opinião
  
Miguel Sousa Tavares

Aqueles três homens, ali sentados em lugar de honra na posse de Donald Trump, juntos, detêm mais poder real que toda a UE e que metade da Humanidade
 
23 janeiro 2025 22:57

Na longa, trapalhona e grandiloquentemente ridícula cerimónia de tomada de posse de Donald Trump como 47º Presidente dos Estados Unidos era impossível não reparar (e eles próprios tudo fizeram por isso...) no destaque dado ao que Joe Biden, na sua despedida, chamou a oligarquia dos ultra-ricos, que estará a tomar o poder na América. Colocados de frente para as câmaras, logo atrás dos ex-Presidentes, a sua posição protocolar visava, sem subterfúgios, assinalar bem a importância que vão deter na nova Administração: na Casa Branca de Trump, como na corte de Estaline, estas coisas não são pormenores. Assim, lado a lado, Mark Zuckerberg, Jeff Bezos e Elon Musk, três dos quatro homens mais ricos do mundo, olhavam de frente e triunfantes as mais de oito mil milhões de almas planetárias cujos destinos, em larga medida, já controlam. “America first, the world next.” Ou o contrário: agora que já controlam o resto do mundo, vão controlar os Estados Unidos, o seu único concorrente.

Os três são génios e visionários, cedo revelados, quer em inteligência, quer em imaginação. O acesso a montanhas de dinheiro deu-lhes os meios necessários para cumprirem o resto: a ambição. Falta-lhes apenas o poder político à escala global que só o controlo da Casa Branca pode assegurar. Entre eles e isso está Donald Trump. Mas enquanto eles fazem dos seus egos uma força alimentada pela inteligência, Trump faz do seu desmedido ego uma fraqueza alimentada pela estupidez natural: havendo confronto, é provável que eles ganhem, desde que confortem o ego de Trump e o façam ganhar muito dinheiro pessoalmente.


Ilustração Hugo Pinto

Dos três, o menos perigoso é Zu¬ckerberg, com o seu ar de estudante nerd que só queria inventar um canal de comunicação entre os alunos de Harvard e viu a coisa crescer sem, supostamente, saber como. O Facebook e o Instagram, reunidos na Meta, têm hoje três mil milhões de assinantes, 40% da Humanidade. Todavia, se ele parece inocente, as suas redes sociais não o são e hoje podem gabar-se de já ter colonizado mentalmente e com efeitos duradouros uma geração inteira. Zuckerberg sabe isso muito bem: conhece os muitos estudos que já identificaram suficientemente o efeito dopamina da adição às redes, os traumas psicológicos que elas geram — a solidão, a dependência dos likes, a falta de auto-confiança ou a dinamitagem das relações pessoais e familiares e da vida em sociedade — ou a explosão das cirurgias plásticas entre os jovens, instigada pelo Instagram. E não ignora, antes promove, que os dados pessoais recolhidos pelo Facebook, mesmo que apagados pelos seus utilizadores, permanecem vivos e sejam armazenados para a eternidade na “nuvem”, sendo depois vendidos aos anunciantes para publicidade dirigida. Nada inocentemente também, Zuckerberg deixou que o Facebook utilizasse o seu algoritmo para orien¬tar a decisão de voto dos seus utilizadores e assim pode orgulhar-se de ter promovido o ‘Brexit’ (como o revelou o caso da Cambridge Analytica), a primeira eleição de Trump, a eleição de Bolsonaro, a invasão do Capitólio em 2021, promovida pelos golpistas agora perdoados por Trump, e a segunda eleição deste. A sua relutância em controlar os discursos populistas e de ódio no Facebook — agora assumida sem disfarces, em nome de uma hipócrita “liberdade de expressão” — contribui de forma determinante para a informação dos “factos alternativos”, disseminando a mentira, o ódio no lugar do debate e o crescimento do populismo larvar de extrema-direita. Não contente com isso, e consequentemente, recusa remunerar os direitos de autor dos textos que publica da imprensa de referência e, pior: juntamente com a Google e a Amazon, a Meta detém hoje a quase totalidade das receitas publicitárias na net e 50% das receitas publicitárias a nível global, excluindo a China. Ou seja, conscientemente e com a colaboração irresponsável das marcas, está a matar a imprensa livre e informada, um pilar insubstituível das democracias e a alternativa que resta ao mundo da desinformação reinante nas redes. O seu próximo horizonte: o investimento na inteligência artificial (IA).

Separados na cerimónia apenas por um indiano (Sundar Pichai, CEO do Google) estavam Bezos e Musk, numa inesperada e amável cavaqueira, que, em vão, a decotada e plastificada namorada de Bezos tentava perturbar. Os dois odeiam-se de morte, não apenas pelo confronto de egos sem freio, mas muito também por causa da concorrência pelos contratos da NASA, quer para a exploração do espaço, em que substituíram a agência estatal, quer pelo negócio fundamental da colocação em órbita dos satélites de baixa altitude: a rede de satélites Starlink, de Musk, e a Kuiper, de Bezos, têm sido essen¬ciais para ajudar a Ucrânia na guerra e representam um poderosíssimo meio de controle económico-militar de que a Europa se desinteressou (vários satélites europeus, incluindo dois portugueses, foram colocados em órbita na semana passada pelo foguetão Blue Origin, de Bezos). Começando também inocentemente por vender e entregar livros ao domicílio, a Amazon, de Bezos, acabaria por se tornar numa esmagadora plataforma electrónica de vendas online de quase tudo, pelo caminho arruinando milhares de negócios comerciais e respondendo por milhões de desempregados. Foi a altura em que ele se pegou com Trump, antes da primeira eleição deste. Num extraordinário exercício de falta de vergonha, Trump — conhecido por fugir sistematicamente aos impostos — escreveu no Twitter que “se a Amazon pagasse os impostos devidos, já teria ido à falência” (uma indesmentível verdade). Bezos respondeu-lhe que, se algum dia Trump chegasse à Presidência, a democracia americana estaria ameaçada. Mas foi forçado pelas circunstâncias a arrepender-se e assim ganhou o seu lugar no Capitólio e na caverna de Ali Babá. Logo depois disso, porém, a livraria ao domicílio estava ultrapassada e o sucesso da Amazon proporcionou outro e mais rentável ramo de negócio: hoje, a maior fonte de receitas da Amazon é o armazenamento na “nuvem” e a venda de dados pessoais dos seus utilizadores a quem queira pagar por eles, anunciantes, seguradoras, empresas que contratam pessoas.

Mas Bezos e Musk partilham uma idêntica obsessão messiânica por salvar a Humanidade. Musk quer enviar a Humanidade para Marte, Bezos sonha mais alto: despachá-la para gigantescas colónias flutuan¬tes, onde se reproduziriam tal e qual as condições de vida no planeta Terra, com um clima de “Primavera no Havai” e todas as necessidades humanas suprimidas — “não precisaremos mais da Terra”, declarou ele. Entretanto, e porque vai envelhecendo, como todos nós, o exibicionista Jeff Bezos aposta agora também na descoberta do elixir da juventude, através de uma empresa de investigação onde trabalham vários prémios Nobel e que promete em breve mais 50 anos de vida a quem puder pagá-los. (Mais longe ainda vão os donos da Google, Sergey Brin e Larry Page, que nos intervalos em que não estão ocupados também em fugir ao Fisco dedicam todas as atenções à Calico, uma startup cujo objectivo é “matar a morte”. Ou seja, a imortalidade.)

Estamos então no domínio daquilo a que chamam o “trans-humanismo” ou “o homem aumentado”, uma tentação comum a todos estes visionários. Elon Musk, um diagnosticado com Asperger, é talvez o mais avançado na matéria, com a sua Neurolink, que apenas espera luz verde da DFA para começar os implantes cerebrais em seres humanos, com vista a produzir o “homem cyborg” — capaz, entre outras coisas, de dialogar com o computador e produzir a sua própria nuvem de memórias. E, embora se declare desconfiado da IA, investe no seu desenvolvimento através de uma empresa própria. Concessionário de quase todo o programa espacial da NASA, dono de metade dos satélites de comunicações em órbita, da Neurolink, do Twitter-X, líder na produção de automóveis eléctricos não chineses e agora membro livre da Administração Trump, Elon Musk, que em tempos declarou que “as únicas leis que respeitarei são as da física”, é o homem mais poderoso e mais perigoso à face da Terra. Tal como organizámos, ou deixámos que organizassem, as nossas vidas, dependemos dele para quase tudo, e ele tem a sua própria agenda política, tomando-se por um misto de Mahdi e Mussolini, numa espécie de fascismo futurista, em que a tecnologia substitui os exércitos convencionais.

Aqueles três homens, ali sentados em lugar de honra na posse de Donald Trump, juntos, detêm mais poder real que toda a União Europeia e que metade da Humanidade. Quer queiramos quer não, tal como está o presente, o nosso futuro estará nas mãos deles. E ninguém os elege e a ninguém prestam contas. Ou decidimos fazer-lhes frente agora — individual e colectivamente, e através dos nossos líderes ou por nós próprios — ou então tudo o resto com que nos ocupamos e preocupamos tornar-se-á ridículo em breve.

Nota: Na pesquisa para este texto, para além das fontes correntes e da informação pessoalmente armazenada, serviu-me muitíssimo de fonte acrescida o livro “Mais Poderosos do que os Estados”, da jornalista francesa Christine Kerdellant, recentemente editado entre nós pelas Edições 70. Recomendo a sua leitura a todos aqueles que ainda privilegiam a informação sobre a ignorância e querem perceber em que mundo vivemos.

Miguel Sousa Tavares escreve de acordo com a antiga ortografia

hhttps://expresso.pt/opiniao/2025-01-23-

sexta-feira, 24 de janeiro de 2025

GLOSSÁRIO e a “arte de furtar”

 

sexta-feira, 24 de janeiro de 2025


Pela sua utilidade, e, porque a ladroagem se tornou epidémica, republico o meu glossário.

E quando os vejo continuar no officio illesos, não posso deixar de o atribuir à destreza de sua arte, que os livra até da justiça mais vigilante, deslumbrando-a por mil modos, ou obrigando-a que os largue, e os tolere; porque até para isso têm os ladrões arte.”

“Arte de Furtar” (1742)

 

Abafação é furto, abafador o ladrão e abafar a ação. Abarbatar e abotoar-se é deitar mão do alheio e, em calão, o achatar, assim como afiançar, é simplesmente roubar. Afanar é já da gíria - e é giro. Enquanto o agadanhador surripia, agadanhar é lançar o gadanho, tirar à força, tal como agafanharAlapardar é apossar-se do que pertence a outrem, ou seja, locupletar-se ilegalmente. O alcance tem nobreza, é mais para pessoa fina, não tem a ver com a plebe, pela delicadeza do termo, não está longe da alicantina, cheia de astúcia e manha. Aliviar é coisa de carteirista. Também sinónimo de roubo, anexar é termo abrangente, mais próximo do apoderar-seapossar-se, apropriar-se, mas apanhar alguém com a boca na botija, sendo também roubar, é termo frouxo. Arrancar, arrebanhar, arrebatar, arrepanhar são palavras fortes, principalmente quando colocadas ao lado do assenhorear-se, expressão delicada, punhos de renda, com classe.

 

Barrela, significa engano, logro, esparrela. Bater a carteira é roubar às ocultas a carteira do bolso de outrem, mas, só Bater é, no Brasil, o nosso aliviar, tal como buscar tem busco como autor. Ao bifar, furta-se disfarçadamente. O borlão, borlador ou burlista exerce a arte de burlar, obviamente. Mas deitar a mão a… é benzer.

 

Ao capiangar, furta-se com destreza, sendo o capiango um ladrão astuto, já o cafunge e o camafouje são gatunos, gente vil. Captar, faz-se com astúcia. Cardanho ou cardar é roubo na área do palmar, mas catar e catrafilar fazem parte do jargão do choro, larápio sem estatuto. Comer é espoliar, saquear, e consumir iludir e comedeira refere-se a lucro desonesto muito próxima de exacção. O palavrão, concussão, é específico para o funcionalismo público, uma honra. Corte é roubo, acção de cortar-se ou apropriar-se de coisa alheia. E para terminar a terceira letra do alfabeto, ficamos com cresta e crestar que se aplicam ao desfalque e ao despojar.

 

Dar a palmada ou dar o golpe circulam na gíria colorida do gingão e, claro que, deitar a luva ou deitar a unha não são expressões de salão, assim como depenar depenador também não. Defraudador e defraudar são mais suaves no burlar. Porém, depredação e depredar são o roubo violento, muito diferentes do desapossar é tirar descaminho, um termo bonitinho, próximo do desvio e não longe do desfalque ou desfalcardespojo ou despojar. Mas nobre, nobre mesmo, é o desvio…o desviar, não se utilizam abaixo do milhar e, creio que com a inflação, já deviam ter sido promovidos a milhão. Dolo, até pela pronúncia tem classe e pavoneia-se pelos corredores dos tribunais.

 

Empochar, empalmar, empalmação andam muito pelas ruas do calão e eliminar, tal como endrominar, também. Empolgar é mais violento e o engodar tem ardil. Esbrugar ou esburgar é forçar e esbulho e esbulhar são mais abrangentes, vão até ao abuso de poder; já escamotear é roubar com muita habilidade e escorchar anda pelos mesmos becos do despojar. Escroque, galicismo, entrou no nosso linguajar e ficou como burlão, intrujão, vigarista e trapaceiro que é. Ao esgueirar-se, subtrai-se com astúcia, desvia-se, sendo a estafa burla; espoliar é extorquir e esquivar-se furtar; estelionato e o estelionatário tão em voga; subtrair herança é expilarExtorquirextorsão e extorsionário são termos rudes; já, extravio navega nas águas do desvio, não fere as almas sensíveis.

 

Fajardo furta habilmente, faz fajardice em suma; falcatrua e falsificar andam muito a par; a malta diz fanarfazer a folha e fangueirada é furto que vale a pena. Fazer, fezada, fazer rajá é simplesmente roubar, mas fazer a pala é encobrir o roubo; e ainda com o verbo fazer temos o fazer mão baixa e fazer mão de gatoFilho da noite é gatuno violento assassino que opera na calada da noite. O flibusteiro vive de expedientes, da trapaça; forjar é falsificar; fraude ou fraudulência, fraudarfraudador andam no campo do engano, do defraudar já citado. Furto, furtar e furtança são linhas do mesmo novelo, onde se enrola a trapaça.

 

A avidez do galfarro não perdoa, deita a mão ou o gadanho; gadanhar ou gadunhar são artes do gamanço dos que sabem gamarGatázio é grande logro e deita-se o gatázio a alguém ou a alguma coisa. Gatear é roubar já o gateador é ladrão manhoso e gato, dar gato por lebre, fala-nos de logro. Gatuno é termo corrente e gatunice a sua prática; levar vida de gatuno é gatunar, tal como gatunagem é o colectivo destes meliantes. Gaturama ou gaturamo não faz mais que gaturar ou gaturrar. No Brasil, guinda é roubo com escalada, e, para nós, ao guindar rouba-se carteira e também, em calão, guindo é simplesmente roubo. Intrujão ou entrujão é o que faz intrujice e, ao intrujar, burla-se. Intrusão é usurpação, posse ilegal e violenta, acção de se apossar de um cargo, de uma dignidade… o dia-a-dia em suma.

E assim chegamos ao trivialíssimo: LADRÃO! Que no feminino nos dá a ladra, ladrona ou mesmo ladroa. O ladranete é o ladrãozinho de meia-tigela; ladripar é surripiar coisa de pouco valor, trabalho do ladripo ou do desclassificado ladranete, já mencionado, assim como do ladrisco, um tanto tolerado, vejam bem! Na gíria do Porto ladrilho é simplesmente gatuno. E sendo ladro, ladrão, ladroar a acção, e ladroagem seu vício, ou bando de ladrões, ladroado é o roubado. Defesa contra o ladroísmo eleitoral vem a propósito, é mais que ladroeira ou ladroíce, ladroísmo é um hábito, um vício dos que, ao ladroeirar, vão fazendo as suas ladroeiras. Temos, por fim, o ladranzana, ladravaz, ladravão ou ladroaço, palavrões aplicados aos grandes ladrões, não àqueles que desviam milhões, não: por uma questão de pudor, estilo ou conivência, o vocábulo não se lhes aplica. Sua excelência senhor fulano de tal ladranzana, ladravaz ou ladravão! Convenhamos que temos que encontrar palavras para esses crápulas. Lança: furto rápido. O larápio, ao larapiar ou larapinar, faz larapice; não é violento como o que, ao latrocinar, comete o latrocínio, roubo violento, mesmo à mão armada. Leilão é roubo no Dicionário de Calão. Levar, libertar e limpar vivem nas margens do jargão; faz-se limpeza ou livrar a alguém o que lhe pertence. Ao lograr pratica-se o logro a que nos sujeitam diariamente.

 

     Dos jogos malabares, que na sociedade tanto se praticam, o gingão, muito a propósito, emprega malabar como roubar, e o malandro, que também pode ser gatuno, tem como diminutivos malandrete, malandrim ou malandrote e seus hierárquicos superiores o malandraço ou malandrão. Ao malversar, fazem-se desvios abusivos. Mamata é roubo de alto nível e marmelada negócio inescrupuloso; e meliante, gatuno; malversação apropriação indébita de fundos, valores, esp. durante administração de património alheio, público ou privado. Em calão, mordido é o roubado. Mosco é furto em residência com chave falsa, furto audacioso, com assalto; já meter a unha é extorquir, meter a mão, roubar.

 

     Ocultar é sonegar rendimentos… cometendo fraude. Onzenar é praticar usura, e onzeneiro o seu autor.

 

     Palmar é bifar; palmanço, gamar e dar a palmada tem a mesma raiz. O pandilheiro faz parte da pandilha ou quadrilha de ladrões. O pantomineiro, mestre em histórias para enganar, exerce a pantomina e, com as suas pantominices, acaba por levar à certa, com inteligência, a vítima escolhida. Para o populacho, picar é roubar, e pichelingue o larápio. Ao pifar, furta-se. Pilhar tem extremos, vai do reles pilha-galinhas à pilhagem praticada, geralmente por um grupo, de forma devastadora; mas pilha é o larápio e pilho ou pilhante o gatuno ou patife. E chegámos ao pirata, ladrão ou ladra do mar e não só, sujeitos que estamos a piratices, piratada, piratar, piratagem e a todas as piratarias que se nos colam como sanguessugas, indivíduos que por meio de exacções tiram dinheiro a outrem. Plágio ou plagiar é usurpar as ideias ou palavras de outrem, roubo literário; plagiato acção de apresentar como seu o que se copiou e o plagiador ou plagiário andam nos bicos dos pés com suor alheio. Prear é apossar-se de (alguém ou alguma coisa) ou pilhar, se a frase o consentir. Prender também pode entrar na área do suborno: suborno que se tornou num vocábulo que se traz na lapela, símbolo de sucesso, promoção social et cetera e tal. Prescrever, prescrição são as alavancas que emperram a engrenagem judicial em benefício, geralmente, dos colarinhos brancos que desviam grandes somas; manigâncias! A responsabilidade da sua inclusão neste glossário é minha, tal como privatizar cuja raiz é comum a Privar que mais não é que tirar ou despojar. pungueia; batedor de carteiras, ladrão, punguista pratica punga ('furto'); furtar das pessoas (dinheiro, carteira, relógio, jóias etc.), ger. em locais de aglomeração.

 

Quadrilha é bando de malfeitores, subordinados a um chefe que por vezes até pode legislar, privatizar e forçar as prescrições. Bem entendido que o quadrilheiro é o que faz parte da quadrilha.

 

Rapace o que rouba, que rapina, e rapacidade a inclinação para tal mister. Rapar é apropriar-se dos bens de outrem, deixando-o sem nada. Rapina roubo violento, pilhagem e rapinação roubo ardiloso; e da mesma raiz seguem rapinador, rapinagem, rapinice, rapinanço, rapinante e rapinar. Rapto também é acto de furtar e raptar pode significar tirar alguma coisa a alguém, usando a força. E não podia faltar o rato-de-sacristia, beato falso e ladrão de igrejas, vai dar ao mesmo. Se o ratoneiro é pessoa que rouba, já ratonice é roubo insignificante. Na gíria, rifar é bifar. Rouba é o mesmo que roubo e roubador o que furta e, como há tantos modos de roubar, defendamo-nos da roubalheira quotidiana a que estamos sujeitos.

 

Sacomão termo em desuso que designava o salteador e saco o acto de saquear. Saca, é um elemento de composição que traduz a ideia de sacar ou tirar, daí sacar significar também tirar a alguém, em benefício próprio e contra sua vontade. A malandragem usa safar para designar os seus furtos, e os modernos dicionários já incluem o termo. Saltada é roubo com assalto e salto roubo em estrada, pilhagem ou saque. Quando se diz que o país está a saque, todos compreendem, apercebem-se dos que estão a saquear e, por vezes, até conhecem o saqueadorSenhorear-se ou assenhorear-se é tornar-se, ilegitimamente, senhor de. E sonegar é deixar de mencionar, com fraude, acto corrente para suas excelências que, embolsando milhões, apresentam prejuízos. Ao sovacar, o sovaqueiro pira-se com o roubo debaixo do sovaco, sendo denominado também ladrão de fazendas. Um pobre diabo! Ao subtrair, furta-se alguém de forma escondida ou fraudulenta, termo muito próximo do surripiar ou surripilhar, com um leque alargado, que vai da surripiação ao surripiado ou surripilhadosurripianço e ainda o respectivo surripiador que comete o surripio, acto ou efeito de furtar. Tirar é desvio ou roubo, depende da classe e do montante, e tomar é apoderar-se de bens alheios. Trabalho e trancanhir é, em calão, roubo, assalto, mas trancanhir tem pinta! Trapaçar ou trapacear é enganar, fazer contrato fraudulento, burla ou embuste; trapacice acto do que fez a trapaça.

 

Unhar é muito usado na “Arte de Furtar” do Padre Manuel da Rocha. Quanto a usurpação, por meio de violência ou artifício, tem como artífice o usurpador, que mais não faz que usurpar, ao adquirir fraudulentamente ou apossando-se violentamente do alheio. O vigarista burla ou engana os ingénuos ou incautos e que, ao vigarizar, faz vigarice.

Na letra xis só encontrei o local onde se encontram os pequenos trapaceiros que vão de cana para o xadrezxilim ou xilindró

https://aspalavrassaoarmas.blogspot.com/2025/01/glossario-e-arte-de-furtar.html

quinta-feira, 23 de janeiro de 2025

João Miguel Tavares - O deputado que surrupia malas – e o que isso diz do Chega

Os deputados do Chega têm muita vontade de limpar Portugal, da mesma forma que Miguel Arruda ajudou a limpar os tapetes do Aeroporto Humberto Delgado.

*  João Miguel Tavares

Há neste momento 18% de portugueses um pouco tristes e 82% a rebolar de riso, segundo os resultados das últimas legislativas. Peço antecipadamente perdão aos eleitores do Chega e aos proprietários das bagagens desaparecidas: o roubo de malas no aeroporto de Lisboa e de Ponta Delgada por parte do deputado Miguel Arruda é das coisas mais divertidas que tive o prazer de ler nos últimos tempos, e um raríssimo caso de delinquência que acaba por dispor bem. Tendo em conta que o estado natural de um deputado do Chega é muito zangado e aos gritos no Parlamento, que haja pelo menos um que nos faça rir deve ser devidamente celebrado. Venham de lá essas gargalhadas, pois que há três excelentes razões para elas.

Razão n.º 1: Miguel Arruda é – alegadamente, claro – um deputado da nação a cometer um crime próprio de ladrões de jantes e de auto-rádios. Desviar malas à chegada dos voos é coisa típica de gatuno despossuído ou vagamente remediado, e não de alguém que trabalha numa casa onde se aprovam leis que valem milhões. As características do roubo apontam para aquele tipo específico de meliante que encontramos nos filmes dos irmãos Coen, com um nível de QI não especialmente elevado e uma vocação incontinente para a asneira, como a primeira frase do artigo do PÚBLICO sobre esta história trata de demonstrar: “Foram alguns meses de investigação, muitas imagens da videovigilância da zona de recolha de bagagens do aeroporto de Lisboa escrutinadas, e, nesta terça-feira, acabaram recuperadas diversas malas de viagem e parte do seu conteúdo.” Um político eleito a gamar repetidamente malas num local cercado de câmaras de vigilância – Joel, Ethan, porque é que ainda estão nos Estados Unidos?

Razão n.º 2: os moralistas são sempre os mais fáceis de entalar. Basta ter paciência e esperar algum tempo, e aqueles senhores que enchem a boca com grandes proclamações de princípios acabam enterrados até ao pescoço em hipocrisia e contradições. Não porque pregar a moral seja uma má ideia – sou grande fã da actividade –, mas porque mantê-la e ser coerente dá imenso trabalho, e é uma tarefa absolutamente hercúlea na política. Os deputados do Chega têm muita vontade de limpar Portugal, da mesma forma que Miguel Arruda ajudou a limpar os tapetes do Aeroporto Humberto Delgado. Com raras excepções, são caras novas com tentações velhas, que chegaram ao Parlamento no ventre de Ventura, enquanto noutros partidos muito dificilmente passariam de junta de freguesia.

Razão n.º 3: o Chega tem um enorme problema com a falta de qualidade e de inteligência dos seus quadros. As pessoas que votam no Chega não são burras, e André Ventura muito menos. Mas ele está a pagar um preço elevado por cinco longos anos de gritaria acompanhados de uma absoluta indigência ideológica. O Chega é uma versão marca branca e deslavada do Vox ou do Rassemblement National, partidos com pensamento político próprio. As tiradas populistas de Ventura são compreensíveis para um jovem partido que quer dar nas vistas, mas são muito curtas como projecto de poder. Trump encontrou trumpistas mais cultos e estruturados do que ele, capazes de transformar um arrazoado de intuições e de tuítes em algo próximo de uma ideologia – o trumpismo. Ventura continua a não ter gente com capacidade para isso. Os seus venturistas são apenas aventureiros como Miguel Arruda, desejosos de apanhar boleia do Chega para um lugar melhor, nem que seja à custa das malas dos outros.

22 de Janeiro de 2025

https://www.publico.pt/2025/01/22/opiniao 

quarta-feira, 22 de janeiro de 2025

Mariann Edgar Budde - Discurso na Catedral de Washington, perante Donald Trump

O esplendor da tomada de posse de Donald Trump terminou esta terça-feira com um serviço religioso na Catedral de Washington. Lá, Mariann Budde, bispo episcopal de Washington, pediu ao presidente que “tenha piedade das pessoas que estão com medo agora”, referindo-se expressamente à comunidade LGBT, aos trabalhadores migrantes sem documentos e aos refugiados.

*  Mariann Edgar Budde 


Como país, reunimo-nos esta manhã para rezar pela unidade, não por um acordo, político ou outro, mas pelo tipo de unidade que promove a comunidade acima da diversidade e da divisão. Uma unidade que serve o bem comum. A unidade, neste sentido, é um pré-requisito para que as pessoas vivam livremente e juntas numa sociedade livre. É a rocha sólida, como disse Jesus, sobre a qual construir uma nação.

Não é conformidade. Não é vitória. Não é um cansaço educado ou uma passividade nascida da exaustão. A unidade é apartidária. Pelo contrário, a unidade é uma forma de estar com os outros que abraça e respeita as nossas diferenças. Ensina-nos a considerar múltiplas perspectivas e experiências de vida como válidas e dignas de respeito. Permite-nos, nas nossas comunidades e nas esferas de poder, preocupar-nos verdadeiramente uns com os outros, mesmo quando discordamos.

Aqueles em todo o país que dedicam as suas vidas ou se voluntariam para ajudar outras pessoas em situações de desastres naturais , muitas vezes correndo grande risco para si próprios, nunca perguntam às pessoas que ajudam em quem votaram nas últimas eleições ou qual a sua posição sobre um tema específico. O melhor que podemos fazer é seguir o seu exemplo, porque a unidade às vezes é sacrificial, assim como o amor: doar-nos pelo bem dos outros.

No seu Sermão da Montanha, Jesus de Nazaré exorta-nos a amar não só o nosso próximo, mas também os nossos inimigos, a rezar por aqueles que nos perseguem, a ser misericordiosos como o nosso Deus é misericordioso, a perdoar os outros como Deus é misericordioso. nós. Jesus fez de tudo para acolher aqueles que sua sociedade considerava excluídos.

Agora, reconheço que a unidade, neste sentido amplo e expansivo, é uma aspiração e há muito pelo que orar. É um grande pedido ao nosso Deus, digno do melhor de quem somos e do que podemos ser. Mas as nossas orações não servirão de nada se agirmos de uma forma que aprofunde ainda mais as divisões entre nós. As Escrituras são muito claras sobre isto: Deus nunca se impressiona com orações quando as ações não são informadas por elas. Deus também não nos liberta das consequências dos nossos atos, que sempre, no final, importam mais do que as palavras que oramos.

Aqueles de nós reunidos aqui na catedral não somos ingênuos em relação às realidades da política: quando o poder, a riqueza e os interesses conflitantes estão em jogo, quando as visões sobre o que a América deveria ser estão em conflito, quando há opiniões fortes em todo um espectro de possibilidades e entendimentos marcadamente diferentes sobre qual é o curso de ação correto. Haverá vencedores e perdedores quando os votos forem lançados ou forem tomadas decisões que definam o rumo das políticas públicas e a priorização de recursos.

Escusado será dizer que, numa democracia, nem todas as esperanças e sonhos individuais de todos podem ser realizados numa determinada sessão legislativa ou mandato presidencial, ou mesmo numa determinada geração. Ou seja, nem todas as orações específicas de todo o mundo terão a resposta que gostaríamos. Mas para alguns, a perda das suas esperanças e sonhos será muito mais do que uma derrota política: será uma perda de igualdade e dignidade, e dos seus meios de subsistência.

Com isto em mente, é possível a verdadeira unidade entre nós? E por que deveríamos nos importar? Bem, espero que nos importemos. Espero que nos importemos porque a cultura do desprezo que se normalizou neste país ameaça destruir-nos. Todos somos bombardeados diariamente com mensagens daquilo que os sociólogos chamam agora de “complexo industrial da indignação”, algumas delas impulsionadas por forças externas cujos interesses são servidos por uma América polarizada. O desprezo alimenta campanhas políticas e meios de comunicação social, e muitos beneficiam dele, mas é uma forma preocupante e perigosa de governar um país.

Sou uma pessoa de fé, rodeada de pessoas de fé, e com a ajuda de Deus, acredito que a unidade neste país é possível – não perfeitamente, porque somos pessoas imperfeitas e uma união imperfeita – mas o suficiente para que todos continuemos a acreditar nos ideais dos Estados Unidos da América e trabalhar para torná-los realidade. Ideais expressos na Declaração da Independência, com a sua afirmação da igualdade e dignidade humanas inatas. E temos razão em pedir a ajuda de Deus na nossa busca pela unidade, porque precisamos da ajuda de Deus, mas apenas se nós próprios estivermos dispostos a cuidar dos alicerces dos quais depende a unidade. Tal como a analogia de Jesus de construir uma casa de fé sobre a rocha dos seus ensinamentos, em vez de construir uma casa sobre a areia, o alicerce de que necessitamos para a unidade deve ser suficientemente sólido para resistir às muitas tempestades que a ameaçam.

Quais são os fundamentos da unidade? Com base nas nossas tradições e textos sagrados, deixe-me sugerir que existem pelo menos três. O primeiro fundamento da unidade é honrar a dignidade inerente a cada ser humano, que, como afirmam todas as religiões aqui representadas, é o direito inato de todas as pessoas como filhos do nosso único Deus. No discurso público, honrar a dignidade dos outros significa recusar zombar, rejeitar ou demonizar aqueles de quem discordamos, optando, em vez disso, por debater respeitosamente as nossas diferenças e, sempre que possível, procurar um terreno comum. E quando um terreno comum não é possível, a dignidade exige que permaneçamos fiéis às nossas convicções, sem desconsiderar aqueles que têm as suas próprias convicções.

O segundo fundamento da unidade é a honestidade, tanto nas conversas privadas como no discurso público. Se não estivermos dispostos a ser sinceros, não adianta orar pela unidade, porque as nossas ações vão contra as próprias orações. Podemos, durante algum tempo, experimentar um falso sentimento de unidade entre alguns, mas não a unidade mais forte e mais ampla de que necessitamos para enfrentar os desafios que enfrentamos. Agora, para ser justo, nem sempre sabemos onde está a verdade, e há muitas coisas que vão contra a verdade. Mas quando sabemos o que é verdade, cabe a nós dizer a verdade, mesmo quando, especialmente quando, é difícil para nós.

O terceiro e último fundamento da unidade que mencionarei hoje é a humildade, da qual todos precisamos porque somos todos seres humanos falíveis. Cometemos erros, dizemos e fazemos coisas das quais nos arrependemos mais tarde, temos os nossos pontos cegos e preconceitos, e podemos ser mais perigosos para nós próprios e para os outros quando estamos convencidos, sem sombra de dúvida, de que estamos absolutamente certos e de que os outros estão totalmente errados. . Porque então estaremos a um passo de nos rotularmos como pessoas boas versus pessoas más. E a verdade é que somos todos pessoas: somos capazes de fazer o bem e o mal. Como Alexander Solzhenitsyn observou astutamente: “A linha que separa o bem do mal não passa pelos estados, nem entre as classes, nem entre os partidos políticos, mas atravessa cada coração humano, através de todos os corações humanos”.

E quanto mais percebermos isso, mais espaço teremos dentro de nós para a humildade e a abertura mútua sobre as nossas diferenças. Porque, na verdade, somos mais parecidos do que pensamos e precisamos uns dos outros.

É relativamente fácil rezar pela unidade em ocasiões de grande solenidade. É muito mais difícil de conseguir quando enfrentamos diferenças reais nas nossas vidas privadas e na esfera pública. Mas sem unidade, estamos a construir a casa da nossa nação na areia. E com um compromisso com a unidade que incorpore a diversidade e transcenda o desacordo, e com a base sólida de dignidade, honestidade e humildade que tal unidade exige, podemos fazer a nossa parte, no nosso tempo, para concretizar os ideais e o sonho da América.

Permita-me um último pedido. Senhor Presidente, milhões de pessoas confiaram em você e, como disse ontem à nação, sentiu a mão providencial de um Deus amoroso. Em nome do nosso Deus, peço-lhe que tenha misericórdia do povo do nosso país que agora está com medo. Existem crianças gays, lésbicas e transexuais em famílias Democratas, Republicanas e independentes, algumas das quais temem pelas suas vidas. E as pessoas que colhem as nossas colheitas, limpam os nossos edifícios de escritórios, trabalham nas explorações avícolas e nas fábricas de processamento de carne, lavam a louça depois de comer nos restaurantes e trabalham no turno da noite nos hospitais: podem não ser cidadãos ou não ter a documentação adequada, mas a grande maioria dos imigrantes não são criminosos. Eles pagam impostos e são bons vizinhos. Eles são membros fiéis das nossas igrejas, mesquitas, sinagogas, viharas e templos.

Peço-lhe que tenha misericórdia, Senhor Presidente, daqueles nas nossas comunidades cujos filhos temem que os seus pais sejam levados embora, e ajude aqueles que fogem das zonas de guerra e da perseguição nas suas próprias terras a encontrar compaixão e acolhimento aqui. Nosso Deus nos ensina que devemos ser misericordiosos com o estrangeiro, porque éramos todos estrangeiros nesta terra.

Que Deus nos conceda a força e a coragem para honrar a dignidade de cada ser humano, para falar a verdade uns aos outros com amor e para caminhar humildemente uns com os outros e com o nosso Deus para o bem de todas as pessoas desta nação e de o mundo.
Amém."

21.jan.2025


https://www.ihu.unisinos.br/categorias/648194-tenha-piedade-das-pessoas-que-estao-com-medo-agora-o-sermao-sobre-imigrantes-e-criancas-lgbt-que-incomodou-trump

domingo, 19 de janeiro de 2025

Na despedida, Biden alerta contra uma “oligarquia” de extrema riqueza, poder e influência

Biden inicia despedida da Casa Branca e defende legado na política externa dos EUA

Redação ClickCampos

janeiro 14, 2025

WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – Às vésperas de deixar a Casa Branca, o presidente Joe Biden fez nesta segunda-feira (13) o seu último discurso no Departamento de Estado, no qual afirmou que deixará o cargo com os Estados Unidos “mais fortes” do que quatro anos atrás.

Biden afirmou que usará os últimos dias na cadeira para trabalhar por um cessar-fogo na guerra entre Israel e Gaza. O presidente ainda reforçou os investimentos na Amazônia e energia limpa.

“O povo palestino merece paz e o direito de determinar seu próprio futuro. Israel merece paz e segurança real, e os reféns e suas famílias merecem ser reunidos, e por isso estamos trabalhando urgentemente para fechar este acordo”, disse.

“Estamos pressionando fortemente para concluir isso. O acordo que temos… libertaria os reféns, interromperia os combates, proporcionaria segurança a Israel e nos permitiria aumentar significativamente a assistência humanitária”, afirmou Biden nesta segunda.

Biden fez uma defesa enfátia de suas políticas que estimulam a produção de energia limpa e criticou quem não acredita em mudanças climáticas, em referência implícita ao próximo governo.

O presidente eleito, Donald Trump, rejeita a hipótese das mudanças e prometeu reverter uma série de medidas de Biden que estimulam a produção de energia renovável para investir em combustíveis fósseis.

“Eles estão errados. Estão completamente errados. [As mudanças climáticas[ são a maior ameaça existencial para a humanidade. A transição para energia limpa já está acontecendo.”

Em novembro, Biden foi à Amazônia, onde anunciou mais investimento na floresta. Esta foi a primeira vez que um presidente americano, no exercício do cargo, faz uma visita do tipo, segundo a Casa Branca.

“Fizemos o maior investimento em clima e energia limpa já realizado em qualquer lugar da Terra”, disse.

O tom do discurso foi de defesa do legado na área de política externa, alvo de críticas, principalmente por Trump. O republicano culpa Biden pela guerra entre Ucrânia e Rússia.

“Hoje posso informar ao povo americano que nossas fontes de poder nacional estão muito mais fortes do que quando assumimos o cargo. Nossa economia está em expansão, embora ainda haja mais trabalho a ser feito”, disse.

Trump e outros analistas são também críticos à forma como se deu a retirada das tropas do Afeganistão por Biden, o que foi defendido pelo presidente nesta segunda.

“Acredito que, daqui para frente, a principal ameaça da Al Qaeda não virá mais do Afeganistão. E assim, não precisamos deixar um número considerável de forças americanas no Afeganistão”, disse.

“Quando assumi o cargo, tive uma escolha aberta. Não vi razão para manter milhares de militares no Afeganistão. Acho que tenho minha agenda comigo e a mantenho.”

Biden deixará o cargo na próxima segunda-feira (20), quando Trump tomará posse. Na quarta (15), ele fará um discurso televisionado de despedida à nação.

https://clickcampos.com/noticia/biden-inicia-despedida-da-casa-branca-e-defende-legado-na-politica-externa-dos-eua/


Biden dá adeus à Assembleia da ONU se gabando da guerra na Ucrânia e Gaza


Data: 24/09/2024

Biden se vangloria de guerras em seu último discurso a uma Assembleia Geral da ONU  
 
Em sua despedida das Assembleias Gerais da ONU nesta quarta-feira (24), o caquético presidente norte-americano Joe Biden buscou amenizar a duvidosa glória de presidir a decadência da ordem unipolar sob Washington no planeta inteiro, que durou três décadas, em meio ao mundo multilateral que emerge; defendeu suas guerras na Ucrânia e no Oriente Médio e seus esforços para estendê-las ao Pacífico; e até mesmo se gabou de ter sido forçado a bater em retirada no Afeganistão, apesar do desastre de Cabul 2021 lembrar muito Saigon 1975.

Tradicionalmente, na abertura da Assembleia Geral Anual em setembro, é o presidente norte-americano o segundo a falar, após o Brasil. Ele aproveitou para criticar o adversário republicano Donald Trump, alegando que “sempre haverá um desejo de se retirar do mundo, e assumir o próprio caminho”.

Ao que acrescentou que – assim como pode ser constatado mundo afora, diante do fracasso das sanções contra a Rússia e do repúdio ao genocídio em Gaza que só subsiste por ser sustentado por armas, dinheiro e apoio ianque -, que “nosso desafio é fazer com que as forças que se aproximam de nos sejam mais fortes do que aquelas que se afastam”.

“Eu vi uma varredura notável da história”, disse Biden, arrancando risos ao dizer que “sei que pareço ter apenas 40 anos”.

Durante cinco décadas como senador e doze anos entre a vice-presidência e a presidência dos EUA, Biden foi um dedicado operativo da máquina de guerra norte-americana e da política imperialista, com seu papel sendo especialmente notório no golpe da CIA em Kiev em 2014, que inclusive lhe valeu uma gorda sinecura numa empresa de gás na Ucrânia para o filho ovelha negra, Hunter.

Também sem Biden na Casa Branca não seria um palhaço como Boris Johnson que iria a Kiev servir de mensageiro da ordem de não assinar o acordo em Istambul – que sustaria a guerra, com o retorno da neutralidade da Ucrânia, respeito aos direitos das minorias na Ucrânia e fim da perseguição aos descendentes de russos. Tendo, assim, integral responsabilidade sobre as centenas de milhares de mortos no conflito.

Também foi Biden e o complexo industrial-especulativo-militar que recusaram em 2021 a proposta da Rússia de restauração do princípio da segurança coletiva, manutenção da proibição dos Mísseis Intermediários na Europa e retorno da Otan às posições de 1997. Apostou tudo nas sanções, em impor uma derrota estratégica à Rússia e na extensão ainda mais insana da Otan.

Também, em relação ao Oriente Médio, foi Biden que manteve ininterruptamente o fluxo de bombas de 1 tonelada, sem as quais o ritmo do genocídio em Gaza no mínimo seria mais lento. E quem não retornou ao acordo com o Irã que Obama assinara e Trump rasgara.

Em relação à China, Biden foi co-autor, na vice-presidência, do “pivô para a Ásia”, a política de tentar cercar a grande nação asiática, com provocações contra Xinjiang, Tibet, Hong Kong e Taiwan, e incursões com navios de guerra no Estreito. Já na presidência, apostou na formação do Aukus, Quad e outros artifícios para empurrar a guerra para o Pacífico. Aprofundou a política de cerco tecnológico e comercial à China, acelerada por Trump.

“As coisas podem melhorar”, aventou Biden, observando que foi eleito para o Senado no auge da Guerra do Vietnã, mas presidiu um relacionamento amigável e frutífero com o Vietnã cinco décadas depois.

Mas, como se sabe, não existia antes um “relacionamento amigável e frutífero”, porque logo depois da derrota dos colonialistas franceses em Batalha de Dien Bien Phu, o imperialismo norte-americano escolheu intervir, instalou uma ditadura, impediu a reunificação pacífica, que tentou sustentar com 500 mil marines e soldados, cometeu várias Mi Lai, levou pela proa uma Ofensiva do Tet, e acabou fragorosamente derrotado, com o mundo abraçando a causa vietnamita e repudiando as cenas de meninas, ardendo pelo napalm, e correndo na estrada.

Cenas que lembram muito as recém-vistas em Gaza e no Líbano.

De acordo com a CNN, Biden em seu discurso lembrou ao público que a humanidade havia passado por tempos ainda mais desesperados, que o estado do mundo não seria – aos olhos dele tão sombrio quanto durante as crises anteriores – e que o “centro” – isto é, as potências coloniais e imperiais – “se manteve”.

Ainda segundo ele, o mundo se divide entre as “democracias” e as “autocracias” – não entre o Bilhão Dourado, sintetizado na sigla G7, e a Maioria Global, de que os Brics e outros instrumentos em construção são símbolo.

Ele também buscou aliviar o processo pelo qual foi defenestrado, como candidato, pelos democratas, depois do fiasco em um debate na televisão com Trump, asseverando que seria a hora de “uma nova geração de liderança levar este país adiante”.

O vetusto presidente disse ainda prever mais mudanças tecnológicas nos próximos “dois a dez anos do que nos últimos 50 anos”, em grande parte graças à IA. “Nos próximos anos, pode não haver maior teste de nossa liderança do que como lidamos com a IA”, ele foi capaz de acrescentar.

Fonte: Papiro  

https://pcdob.org.br/2024/09/biden-da-adeus-a-assembleia-da-onu-se-gabando-da-guerra-na-ucrania-e-gaza/

terça-feira, 14 de janeiro de 2025

Nuno Costa Santos - A Mãe Açoriana de Fernando Pessoa



Opinião

* Nuno Costa Santos

Escritor e argumentista

Quando comento com alguém que a mãe de Fernando Pessoa era açoriana abre-se, com frequência, uma expressão de espanto. Não é facto divulgado – nem dentro, nem fora do arquipélago. Alguns dados recolhidos aqui e ali por investigadores. A mãe do poeta, Maria Madalena Pinheiro Nogueira, filha do terceirense Luís António Nogueira e da jorgense Dona Magdalena Amália Xavier Pinheiro, nasceu em Angra do Heroísmo, no ano de 1861, e, em 1865, foi viver para Portugal continental, aquando da nomeação do seu pai, juiz-conselheiro, jurisconsulto, director-geral do Ministério do Reino, para Secretário-Geral do Governo Civil do Porto.

Aos 25 anos, casou-se com Joaquim de Seabra Pessoa, que conciliava o ofício de funcionário do Ministério da Justiça com a vocação de crítico de música. Do casal nasceram dois filhos, Fernando e Jorge, que morreu menos de cinco meses após a morte do pai, por tuberculose. Maria Madalena veio a casar-se uma segunda vez, desta feita por procuração, com o comandante João Miguel dos Santos Rosa. Um mês depois, seguiu para Durban, cidade na qual o marido se tornou cônsul de Portugal, levando consigo Fernando. O casal teve cinco filhos, dois dos quais morreram na infância.

No ano de 1911, Madalena e João Rosa, devido a novas funções do marido, mudaram-se para Pretória. Depois da morte deste, em Outubro de 1919, Madalena voltou com os filhos para Lisboa, numa altura em que se encontrava relativamente debilitada por causa de uma trombose cerebral que sofreu em 1915. Na capital portuguesa, viveu primeiro com os filhos Fernando e Henriqueta na Rua Coelho da Rocha, 16, (a actual Casa Fernando Pessoa) e depois, até à sua morte, em 1925, com Henriqueta e o seu marido.

Richard Zenith, autor de “Pessoa. Uma Biografia”, obra de mais mil páginas, enquanto convidado de uma edição recente do Arquipélago de Escritores, aludiu à importância da mãe na vida criativa do filho. Em entrevista, dada no âmbito do encontro, a Rui Pedro Paiva, no Público, declarou que Pessoa terá começado a imitar o comportamento da mãe, uma mulher letrada, versada em alemão, inglês e francês, que lia e escrevia versos. A primeira quadra de Pessoa, escrita aos sete anos, foi dedicada justamente à mãe, numa altura em que esta ponderou a possibilidade de deixar Fernando ao cuidado de familiares, antes de seguir para a África do Sul. Dividia-se, essa quadra, nos seguintes versos: “Eis-me aqui em Portugal/      Nas terras onde eu nasci./ Por muito que goste delas,/   Ainda gosto mais de ti”.

Sigamos a pista familiar de Pessoa, ajudados, entre outros documentos, por uma investigação feita por Andreia Fernandes, lembrando que os Açores foram para este filho de uma açoriana um dos raros destinos por ele visitados. A estadia, ocorrida entre 7 e 16 de Maio de 1902, aconteceu numa altura em que veio com a mãe, o padrasto e os irmãos, de férias para Portugal, tendo ficado alojado na casa angrense da tia Anica, do tio João e dos primos Mário e Maria. Terá sido importante em termos pessoais para o poeta por ter permitido fortalecer os laços familiares com uma parte da família com a qual, já em Lisboa, teve uma convivência essencial.

No plano criativo também ganhou importância. Foi, durantes esses dias, resguardado em casa por causa de um persistente mau tempo, que, aos treze anos, o autor de “Mensagem” inventou a sua primeira personalidade literária: o Dr. Pancrácio. Além de ter escrito um poema alegadamente inspirado na morte da irmã, “Quando Ela Passa”, assinado com esse nome, criou, com o primo, três números de A Palavra, um jornal humorístico-satírico. Entre os conteúdos, encontrava-se a história ficcional de um naufrágio ocorrido à conta de um ciclone. E notícias divertidas sobre ocorrências domésticas como o hábito de se levantar tarde “da Sr.ª D. Maria Nogueira”. (Não se pode compreender Pessoa sem perceber o seu sentido de humor).

Já regressado a Lisboa, Pessoa publicou um poema com a assinatura Eduardo Lança, referindo que o texto foi escrito na Ilha Terceira. Lança foi a primeira “figura” pessoana para a qual o autor inventou uma biografa – nasceu no Brasil em 1875 e mudou-se em adulto para Portugal.

Junto de quem não conhece esse dado biográfico sobre a ascendência açoriana de Fernando Pessoa, costumo acrescentar outro, também relacionado com literatura, maternidade e Açores. A mãe de outro génio literário mundial, outro cultor maior da língua portuguesa, Machado de Assis, também era açoriana. A mãe de Fernando Pessoa era uma açoriana da ilha Terceira. A mãe de Machado de Assis era uma açoriana da ilha de São Miguel. Agrada-me que os Açores estejam ligados a importantes capítulos da cultura mundial por via materna. Fantasio com um encontro entre as duas mães, Maria Madalena Pinheiro Nogueira e Maria Leopoldina Machado da Câmara. Com uma conversa entre duas Marias sobre as pequenas sumidades, uma de nome Fernando, outra de nome Joaquim, que transportaram organicamente e a quem, para felicidade pessoal e contentamento do mundo, deram, um dia, origem.


12.01.2025
https://diariodalagoa.pt/a-mae-acoriana-de-fernando-pessoa/

segunda-feira, 13 de janeiro de 2025

Artur Queiroz - Memória das Matanças de Paris –

 
segunda-feira, 13 de janeiro de 2025


Artur Queiroz*, Luanda

Hoje, dia 12 de Janeiro, faz 80 anos que o Exército Vermelho entrou em Berlim e o alto comando das tropas nazis se rendeu. A Europa foi libertada do III Reich. Hitler e alguns colaboradores suicidaram-se. Os outros foram presos e julgados. Hoje os nazis estão no poder na Casa dos Brancos, em Telavive, em Kiev. A internacional fascista domina a União Europeia e praticamente todo os governos dos países da União Europeia. África vive uma segunda onda de libertação. Angola caminha em sentido contrário!

As matanças de Paris em 2015 foram um horror. No dia 7 de Janeiro desse ano, aconteceu o massacre na Redacção do Charlie Hebdo. Menos de dez anos depois, os nazis de Telavive já mataram 150 jornalistas na Palestina. E o ocidente alargado aplaude. 

Na noite de 13 de Novembro de 2015 aconteceram massacres em vários pontos da cidade de Paris. Os mais graves foram na sala de teatro Bataclan. Dezenas de pessoas foram assassinadas a sangue frio, quando ouviam música, viam um jogo de futebol, bebiam um copo ou jantavam. Os assassinos não conheciam as suas vítimas, mataram por matar, sem piedade, sem uma ponta de humanidade.

Os amantes da paz condenaram aquela fúria assassina. Mas há que distinguir entre os que são contra a guerra e os que ficam em silêncio face à eliminação de civis e refugiados na Palestina ou choram lágrimas de crocodilo enquanto alimentam a fornalha da guerra e a dirigem. No dia 14 de Novembro de 2015, a organização Estado Islâmico reivindicou os massacres de Paris! Hoje os assassinos são apresentados como rebeldes e estão no poder na Síria com o apoio entusiasmado do ocidente alargado.

Em Novembro de 2015 o presidente Hollande fez uma declaração que ilustra bem a suprema hipocrisia dos senhores da guerra no Ocidente. Afirmou que depois da matança de Paris, a França está em Guerra. Disse isto sem corar de vergonha. Porque os mortos de Paris são, em boa parte, da sua responsabilidade e do seu antecessor, Nicolas Sarkozy, que está a ser julgado por corrupção em negócios com o Presidente Kadahfi, assassinado pela OTAN (ou NATO) para os estados membros saquearem o petróleo e os Fundos Soberanos da Líbia.  

Foi a Casa dos Brancos, com o apoio entusiasmado da França e outras potências ocidentais, que levou a morte e a destruição ao Iraque, Tunísia, Egipto, Líbia e Síria. Hollande é responsável por crimes hediondos no Mali. Aviões de guerra e militares franceses mataram milhares de civis em África e no Médio Oriente. Milhões de refugiados que chegam à Europa são causados pelas guerras comandadas pela França, Reino Unido, União Europeia, EUA e todos os países da OTAN (ou NATO). Todos. 

As autoridades portuguesas também têm as mãos manchadas de sangue. Um tal Durão Barroso viu as armas de destruição maciça no Iraque. E Paulo Portas, então no governo de Lisboa, apoiou os hediondos massacres contra o povo do Iraque. Mais de um milhão de mortos. Ocidente transformado num bando de assassinos. Primeiro esclavagistas. Depois colonialistas. A seguir genocidas. Agora são isso tudo mais assassinos de civis indefesos.  

Um hospital dos Médicos Sem Fronteiras no Afeganistão foi bombardeado por aviões dos EUA. Morreram técnicos de saúde e doentes internados. Alguns eram crianças. No dia seguinte a ONU disse que esta acção militar era indesculpável. Depois até falou em crime de guerra. Uma semana mais tarde esse crime, tão hediondo como as matanças de Paris, caiu no esquecimento.

Convivas em festas de casamentos e baptizados foram  bombardeados por forças da OTAN (ou NATO). Milhares de civis morreram. Os aviões da OTAN (ou NATO) bombardearam durante 80 dias a Jugoslávia. A mais sangrenta acção armada na Europa depois da II Guerra Mundial. Até destruíram à bomba a Embaixada da República Popular da China, em Belgrado. Tudo para criarem uma base militar no Kosovo a fim de controlarem os Balcãs!

Os grupos “rebeldes” apoiados pela Casa dos Brancos, Bruxelas, Londres e Paris mataram milhares de pessoas à bomba em Damasco e outras cidades sírias. Na Líbia e no Iraque. Essas vítimas são ignoradas. Quando muito têm direito a uma notícia de segundos. 

Os mortos de Paris valem tanto como os do Mali, da Tunísia, da Líbia, do Egipto. Da Síria e do Iraque. Do Afeganistão. Os náufragos do Mediterrâneo. Mas ninguém lhes dispensa um segundo de respeito. As suas famílias não têm um átomo de solidariedade. Pelo contrário. São desprezadas e ficam vulneráveis a novos assassinatos em massa.

Os xenófobos agora querem muros na Europa. Exigem estados policiais. Mas é tarde. Os autores da matança de Paris são franceses! Hollande tinha razão: A França está em guerra, desde os primeiros ataques ao Iraque, no início dos anos 90. Desde o Afeganistão. Desde o assassinato, pela OTAN (ou NATO), do Presidente Kadhafi, da Líbia. Desde que começou o roubo do petróleo. 

As potências ocidentais apoiam “até onde for preciso” o genocídio na Palestina. Na Faixa de Gaza já nada mais existe para destruir. Tudo porque as populações elegeram o HAMAS para governar o território. Castigo colectivo! Os nazis de Telavive já mataram (números oficiais e confirmados pela ONU) até final de 2024 mais de 45. 000 civis. Mas se incluirmos os desaparecidos, esse número é ainda maior. Os massacres de Paris, há dez anos, são uma ninharia comparados com os que estão a sofrer os palestinos.

Em África, no Médio Oriente, no Afeganistão há seres humanos iguais aos europeus e norte-americanos. Se líderes ocidentais os tratam como animais, depois não podem admirar-se, quando os sobreviventes lhes devolvem o tratamento.

Dentro de dias a Casa dos Brancos vai ser ocupada pelo líder da internacional fascista. Renasce daa cinzas o novo Hitler. Trump já avisou que vai tornar os EUA maiores, ocupando e anexando países. Mais uma vez os russos vão salvar a Europa! Ironia das ironias. O ocidente alargado apoia os nazis de Kiev. Está de cócoras ante os nazis da Casa dos Brancos. Em 12 de Janeiro de 1945 o Exército Vermelho entrou em Berlim e o regime nazi redeu-se. Faz hoje 80 anos. 

As tropas russas são a única força capaz de derrotar a internacional fascista e salvar a Europa do domínio da Casa dos Brancos, onde habita o novo Hitler. Ironia das ironias!

* Jornalista

at janeiro 13, 2025 
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sábado, 11 de janeiro de 2025

Composição – Tema: A família (6.º Ano) – aluna: Diana


(Carlos Esperança, in Facebook, 10/01/2025, revisão da Estátua)

O texto que segue é uma alegoria elucidativa de muitos dos lugares-comuns que povoam o quadro mental de muita gente anónima que apoia a extrema-direita em Portugal. Mas as Dianas e os seus pais, acreditem, existem mesmo por esse país fora. O autor – que conheço pessoalmente e cujas ideias se encontram nos antípodas das do pai da Diana – conseguiu retratar brilhantemente essa triste realidade. Os meus parabéns ao Carlos Esperança.

Estátua de Sal, 11/01/2025)

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Aminha família é composta pelo meu pai, a minha mãe e eu. Quem manda é o meu pai que tem um táxi que não é dele. A minha mãe trabalha em casas de senhoras ricas.

O meu pai é quem fala lá em casa, e manda calar a minha mãe; diz que, quando há um galo, não cantam as galinhas. Ele veio de Coimbra aqui para a Musgueira e trata os clientes e pessoas importantes de quem gosta por doutores. Os clientes gostam – diz o meu pai –, e fala dos doutores, mas às mulheres chama-lhes gajas. Aos homens de que não gosta chama-lhes nomes que a minha mãe diz que não devo dizer nas aulas.

O meu pai diz todos os dias que os políticos são mentirosos e vivem à custa dele, que a política é uma coisa suja, mas quando a minha mãe lhe disse que ele só falava de política, deu-lhe logo uma bofetada e nunca mais foi contrariado.

O meu pai só gosta do Dr. André Ventura; gosta tanto que até diz que o André, só André, sem doutor, vai acabar com os políticos, os ciganos e as eleições. Há um estrangeiro de quem gosta muito, o Dr. Trump, e odeia outro que trata por um nome que não digo, Putin, e chama putinistas aos que não gostam do Dr. Zelenski.

Eu não percebo nada de política, mas oiço o meu pai. Ele agora também passou a gostar do Dr. Elon Musk, creio que é assim que se escreve, eu já o vi na televisão. Deixou de gostar do Dr. Marcelo e passou a chamá-lo só por “o Marcelo, aquele filho de Putin”, mas ao Putin chama-o também filho disso ou coisa parecida.

Não percebo o meu pai; ele diz que as mulheres não podem compreender, quanto mais as garotas. Diz à minha mãe para votar no Chega, e que os partidos deviam ser proibidos. Ele gosta muito do Dr. Mário Machado porque quer acabar com os pretos e os ciganos, e, por bem fazer, às vezes prendem-no. Os juízes ainda são piores do que os políticos.

O meu pai gosta muito do Dr. Trump porque quer expulsar os pretos; o meu pai também não gosta de pretos, e anda desorientado porque o Dr. Trump parece gostar do Putin. Se o Dr. Trump deixar de gostar do Dr. Zelenski o meu pai passa a gostar só do primeiro.

O meu pai anda muito contente porque o Dr. Trump vai ficar com o Canadá e o Canal do Panamá e, se não lhe venderem a Gronelândia, conquista-a. Não é como nós, que não defendemos o nosso Ultramar, infelizmente perdido, e o entregámos aos pretos e aos russos.

O meu pai não gosta da Rússia, diz que a Irmã Lúcia, que agora é santa, disse que todo o mal vem da Rússia e que foi a Senhora de Fátima que lho disse. Portanto, é verdade.


Agora o meu pai anda perdido com a Ucrânia, o Dr. Trump, o Dr. Zelensky, o Dr. Elon Musk e o Putin. Só fala do futuro presidente. Vai votar no Dr. Almirante e ele e o André vão tornar Portugal grande outra vez e acabar com políticos, ciganos, pretos e traidores.

Ele também gosta muito do Dr. Milhazes, do Dr. Rogeiro e do Dr. Botelho Moniz que odeiam o Putin, mas gosta de uma senhora, e é mulher, uma tal Diana Soller, talvez por ter o meu nome, mas como as mulheres não pensam, diz que é o marido que a ensina.

Na próxima composição, esta já vai longa, vou contar outras coisas do meu pai, e tenho de perguntar à minha mãe se as posso dizer aqui na escola da Musgueira.

Diana – 12 anos – Escola C+S da Musgueira.

https://estatuadesal.com/2025/01/11/composicao-tema-a-familia-6-o-ano-aluna-diana/

Isabela Figueiredo - Eu, a funcionária de caixa

Opinião

* Isabela Figueiredo

Escritora, vencedora do Prémio Urbano Tavares Rodrigues

Tenho pactuado com uma ilegítima apropriação do tempo e trabalho do cliente. Quero ser atendida por pessoas verdadeiras

09 janeiro 2025  
Não há burguesa arruinada que não sonhe com pechinchas em saldos. De maneira que lá fui, com pouco tempo, mas cheia de boa vontade. Olho para os carros de roupa pendurada em cabides, onde é necessário passar dezenas de peças até encontrar uma ao meu gosto e tamanho, como olharia para as prateleiras de uma loja de bricabraque ou de velharias e antiguidades. Tanto mundo! A peça solta e única, injustamente rejeitada por causa de uma cor berrante ou de um feitio estrambólico, ou seja, pela sua singularidade, é um brinde e uma vitória.

Estou consciente de que o pronto a vestir barato tem a marca da sociedade de consumo e se tornou politicamente incorreto. Mas uma pessoa, uma vez por ano, tem direito ao seu prazer culposo. Ao gesto vão, superficial, à descida ao povão mais trash. Por favor. Para me desculpar, declaro que a Agustina partilhava este gosto. Encontrei-a nos saldos do Chiado, quando foi diretora artística do Teatro Nacional D. Maria II. Esgaravatava numa caixa de lenços, écharpes e cachecóis, com entusiasmo, absorta nas delícias dos estampados e materiais. Permaneci a uma distância segura para não ser detetada, contemplando o seu prazer de final de tarde. Também imagino a Adília Lopes a perder-se numa loja de saias e casacos de mau gosto, alardeando boa disposição folclórica, mas não creio que gostasse de saldos. Não tinha paciência nem tempo a perder com vulgaridades. A Adília não era vaidosa, não queria parecer coisa alguma.

Visitei o Cortefidel. Comprei umas calças que não estavam em saldo para combinar com duas camisolas que estavam e que as pediam. Segui para a Lanydore e analisei a mercadoria. Muita coisa para senhoras de certa idade, que toda a gente sabe não ser o meu caso. Tudo em bom, mas muita renda, muito veludo sem rasgo de talento. Avancei para a Tara, onde a qualidade varia muito. Mas surpreendem-me alguns cortes, cores e materiais. Comprei umas leggings tcharan, que usarei com camisolas largas e acessórios surpreendentes, para finalmente compreenderem que sou superelegante e descontraída.

Percorri a loja, que é enorme, para chegar à caixa. O que existia em lugar de caixa era um espaço com oito computadores. Fiquei a olhar como um astronauta que não tirou o curso

Mas na Tara aconteceu-me uma surpresa: após escolher, percorri a loja, que é enorme, para chegar à caixa e pagar. Quando a encontrei, ao contrário das lojas anteriores, não havia quem prestasse assistência aos clientes. Não acredito que não existisse uma pessoa, mas não estava visível. O que existia em lugar de caixa era um espaço com oito computadores. Fiquei a olhar para o cenário metálico como um astronauta que não tirou o curso. Procurei ajuda. Só havia clientes e máquinas. Respirei fundo e dispus-me a lidar com a situação. Aproximei-me de um terminal e analisei o dispositivo. Procura perceber para que serviam os orifícios x e y, mais o tanque, que parecia um tanque para lavar roupa. Entretanto, a máquina leu o código de barras das minhas leggings, sem o ter encostado. Atentei no leitor de códigos, um espelho negro, sem compreender. A máquina pediu-me para avançar, o que fiz. Quer fatura-recibo? Clique em “sim”. Qual é o seu número de contribuinte? Digite. Qual é o seu código postal? Digite. Quer saco? Quer grande ou pequeno? Se não quer, avance. Quer pagar assim, assado ou frito e cozido? Se for assim, encoste o cartão de débito ao terminal. Estamos a imprimir a sua fatura. Agora, encaixe o alarme na abertura com o formato da imagem e proceda de forma análoga para o soltar. Soltou? Encaixe no depósito. Obrigada e boa viagem.

Fiquei pasmada. Saí da loja pensando que tinha realizado um trabalho que não me pertencia. Não tenho de digitar o meu número de contribuinte nem de tirar alarmes. Há funcionários para esse serviço que dão pelo nome de funcionários de caixa. Esta loja abusou do meu apetite pelas leggings. Devia ter saído quando vi que os funcionários tinham sido substituídos por terminais automáticos. O mais grave foi naquele momento, foi o meu sentido crítico ter ficado anestesiado pela euforia dos saldos. Fiquei pensativa e zangada. Recuei no tempo e lembrei-me que na Decatone, de desporto, também fui surpreendida por máquinas semelhantes, embora com assistente. Mais: no Le Roi Merlã e no Ocham, há muito tempo que o faço. Quantas vezes passei códigos de barras e lancei dados nas estúpidas máquinas que nos dizem “ponha o produto” e “tire o produto”? Percebi que tenho pactuado com o que penso ser uma ilegítima apropriação do tempo e trabalho do cliente. Tenho validado esse sistema. Não hesito em afirmar que deveríamos abdicar de consumir em lojas que nos pedem, não só que lhes paguemos, mas que trabalhemos para elas. Não nos cabe e a quantidade de postos de trabalho que eliminam é devastadora. Quero ser atendida e fazer perguntas a pessoas verdadeiras, que respondam com a sua natural simpatia, indiferença ou antipatia.

Avancei para a Pull&Fear, sem interesse. Deambulava, pensativa. Ao passar num certo ponto da loja deparo-me com o mesmo cenário: cinco caixas de pagamento automático na qual cada cliente trabalhava aplicadamente. E pensei “que tal boicotarmos estas lojas?” Que tal deixar de frequentar as que não aceitam dinheiro, só cartão ou vice-versa? São inaceitáveis práticas comerciais que desrespeitam o consumidor. Mais importante do que a ação das associações de defesa do consumidor é a nossa. Pensemos nisto a sério.
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